Juiz crítico e global

AutorRaphaella Benetti da Cunha Rios
CargoJuíza de Direito
Páginas80-113
DOUTRINA
JUIZ CRÍTICO
E GLOBAL
Por RAPHAELLA BENETTI DA CUNHA RIOS
Juíza de Direito
A emancipação do juiz é necessária para que ele possa
ministrar aquilo que seja necessário para minimizar o problema
carcerário. Da mesma maneira, defende-se a emancipação do
próprio sentenciado para que tenha a oportunidade de dar
sua contrapartida e contribuir positivamente com a diminuição
dos problemas sentidos no âmbito da execução de pena, a
qual, por sua vez, também deve ser objeto de emancipação
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Considerando a realidade ana-
lisada e as diculdades a ela
inerentes, tentarei construir, de
maneira realista e não mera-
mente utópica, um juiz que predominante-
mente garanta direitos humanos e que faça
frente à realidade carcerária sem que haja
usurpação de poder.
A ideia, portanto, é construir não um juiz
ativista, no sentido pejorativo do termo,
mas um juiz ativo, nas palavras de Manuel
Atienza, e que tenha uma atuação realista.
Segundo o autor, o formalismo exacerbado
que toma conta do Poder Judiciário não se
combate ignorando que na cultura do lega-
lismo há valores, cuja preservação se mos-
tra importante. É necessário aproximar os
dois mundos: o da obediência às normas
(que existe e continuará existindo) e o da
ponderação de princípios, devendo sempre
o magistrado, em uma perspectiva huma-
nista, valer-se em cada caso daquele que
melhor aperfeiçoar a efetividade e a prote-
ção de direitos humanos. Nas palavras de
Atienza:
[...] el positivismo jurídico no implica ne-
cesariamente formalismo y que, en de-
nitiva, un juez activo no es lo mismo que
un juez ac- tivista… aunque los límites del
activismo no pueden ser trazados exacta-
mente de la misma manera en países de
institucionalidad, digamos, fuerte, en los
que existen instancias distintas a la judi-
cial en condiciones de asegurar la tutela
de los derechos fundamentales allí donde
no llega la acción judicial, que en otros,
de institucionalidad más débil, en los que
la no actuación por parte del juez puede
suponer lisa y llanamente la no satisfac-
ción de derechos.
E para alcançar esse “melhor dos dois
mundos”, é preciso que o juiz atue de ma-
neira realmente independente, e que essa
garantia lhe seja assegurada como um di-
reito fundamental seu no exercício da ju-
risdição. É a ideia que norteia este capítulo.
1. Independência como direito
humano fundamental de
todo e qualquer magistrado,
inclusive da execução penal
O conceito de emancipação (trabalhado
por autores como Sousa Santos) foi por di-
versas vezes referenciado. E o seu reexo
direto na atividade jurisdicional está, justa-
mente, no enaltecimento da “independên-
cia” como direito humano fundamental de
todo e qualquer magistrado para que possa
desempenhar de forma melhor e mais efe-
tiva a função jurisdicional.
No momento em que é encarada como di-
reito humano fundamental do magistrado
no exercício de suas funções, a indepen-
dência se reveste de características que a
colocam em especial posição justamente
para evitar a sua vulneração, como forma
de obstruir a atividade jurisdicional livre.
Aqui não se está a dizer que a indepen-
JUIZ CRÍTICO E GLOBAL
RAPHAELLA BENETTI DA CUNHA RIOS
82 REVISTA JUDICIÁRIA DO PARANÁ #27 I SET-OUT-NOV 2023
DOUTRINA
dência tem caráter absoluto, até por- que
nenhum direito fundamental possui essa
característica, salvo, a nosso juízo, o da
dignidade da pessoa humana.
E por que dizemos que a independência é
um direito ao mesmo tempo humano e fun-
damental do magistrado no exercício de
suas funções? Como visto em capítulos an-
teriores, a independência está consagrada
não somente no âmbito da CF/88 (art. 93,
IX – livre convencimento motivado e art.
95) – o que lhe faz assumir a característica
de direito fundamental e cláusula pétrea, já
que inerente ao princípio da separação dos
poderes –, mas também em diversos tra-
tados internacionais de direitos humanos,
como a Declaração Universal dos Direitos
do Homem (art. 10), a Declaração Ame-
ricana dos Direitos e Deveres do Homem
(art. XVIII), a Convenção Americana so-
bre Direitos Humanos (Pacto de San José
da Costa Rica – art. 8o), entre outros ins-
trumentos, o que conrma essa natureza
de verdadeiro direito humano fundamental
inerente à magistratura.
A independência, além de direito funda-
mental presente na Constituição Federal,
também se encaixa perfeitamente como
direito humano de primeira dimensão,
categoria que engloba o direito a um jus-
to juízo, que, por sua vez, sintetiza todas
as garantias judiciais para a efetivação
dos chamados “direitos de liberdade” e
também dos direitos das demais dimen-
sões – econômicos, sociais, culturais, de
solidariedade, do meio-ambiente. Logo,
a independência judicial (nas vertentes
funcional e institucional, como pontua-
do) se situa no vértice do sistema de di-
reitos humanos, já que os direitos não só
da primeira como das demais dimensões
demandam, para seu enforcement, a efeti-
vação de garantias judiciais como a inde-
pendência, de sorte a assegurar ao cidadão
o devido processo legal, em todas as suas
nuances – julgamento por juiz ou tribunal
independente e imparcial, presunção de
inocência/não culpa, entre outras, muitas
das quais detalhadas no artigo 8o do Pacto
de San José da Costa Rica. Em outras pa-
lavras, mais do que ser uma garantia ine-
rente ao Poder Judiciário, a independência
é uma garantia da própria sociedade. Esta
jamais poderá ser reputada democrática se
não tiver um Poder Judiciário independen-
te, cujos membros atuem de forma livre
e sem qualquer tipo de hierarquia, salvo
os sistemas recursais, que igualmente são
A INDEPENDÊNCIA TAMBÉM
SE ENCAIXA PERFEITAMENTE
COMO DIREITO HUMANO
DE PRIMEIRA DIMENSÃO,
CATEGORIA QUE ENGLOBA
O DIREITO A UM JUSTO
JUÍZO, QUE, POR SUA
VEZ, SINTETIZA TODAS
AS ARANTIAS JUDICIAIS
PARA A EFETIVAÇÃO DOS
CHAMADOS “DIREITOS
DE LIBERDADE”

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