O juiz de direito e as causas nos juizados especiais cíveis em que a parte litiga sem a assistência de advogado

AutorBeatriz Fruet de Moraes
CargoJuíza de Direito no Paraná há 15 anos
Páginas209-244
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Revista Judiciária do Paraná – Ano XVI – n. 22 – Novembro 2021
O juiz de direito e as causas nos juizados especiais
cíveis em que a parte litiga sem a assistência de
advogado
Beatriz Fruet de Moraes
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Juíza de Direito no Paraná há 15 anos
Resumo: O presente estudo analisa o papel do juiz de
direito na condução do processo e na gestão do sistema
dos juizados especiais cíveis para concretização do efetivo
acesso à justiça, especialmente para as partes que optem
por litigar sem a assistência de advogado, nas hipóteses
que lhe são permitidas. Em um primeiro momento, é feita
uma análise doutrinária acerca da evolução da temática do
acesso à Justiça, passando por alguns dos seus obstáculos
mais recorrentes. Na sequência, apresenta-se a sistemática
do rito processual sumaríssimo, com destaque para as
peculiaridades introduzidas pela Lei 9.099/95, objetivando
o incremento do acesso à justiça no Brasil. Na parte nal
do artigo, após a análise do papel do juiz de direito na
atuação no processo e na gestão do sistema dos Juizados
Especiais Cíveis, o estudo conclui que a atuação proativa do
magistrado é premissa importante ao equilíbrio da relação
processual nas causas em que uma ou ambas as partes
optem pela dispensa de advogado, sob pena da conguração
de um acesso à Justiça praticamente inexistente, sem que
exista, entretanto, afronta à necessária imparcialidade como
garantia do processo democrático.
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Beatriz Fruet de Moraes
Introdução
O      na efetivação dos direitos e na paci-
cação social somente será alcançado se exercido de maneira efetiva,
deixando de ser uma mera construção doutrinária e legal e passando
a existir, de fato, na sociedade.
Após uma longa fase de controle ao acesso e exercício da juris-
dição estatal durante o período ditatorial, a Constituição Federal de
1988 elevou este direito à condição de fundamental, prevendo no
seu art. 5º, inc. XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Atento a isso, e aos movimentos que foram surgindo nas décadas
de 1970 e 80 para superação dos obstáculos de acesso à justiça, como
é o caso do Projeto Florença de Acesso à Justiça e, no Brasil, das câma-
ras de conciliação e arbitragem, dos juizados de pequenas causas (Lei
7.244/84) e, posteriormente, dos juizados especiais, é que se consoli-
dou a ideia da necessidade de melhor adequação das demandas com
reduzido valor econômico, mediante a criação de juízos especializa-
dos e procedimentos simplicados.
É certo que a criação e a instalação dos juizados especiais a partir
da Lei 9.099/95 promoveu a ampliação, ainda que formal, do acesso à
justiça, ao prever diversas possibilidades, algumas até então inexisten-
tes no sistema jurídico brasileiro, como a dispensa do recolhimento de
custas iniciais sem a necessidade de comprovação de hipossuciência
nanceira, a possibilidade de litigar sem a assistência de advogado em
causas de até 20 salários mínimos, a previsão de novos atores no pro-
cesso como o juiz leigo, conciliador, dentre outras.
No entanto, para que o intento inicial do efetivo incremento do
acesso à justiça seja de fato observado é indispensável mais do que a
mera previsão legal, sendo esperado dos participantes do processo,
especialmente do juiz de direito, que promovam medidas adequadas
à sua implementação na prática. Para tanto, é pertinente debruçar-se
na análise da seguinte problemática: qual o papel esperado do juiz de
direito na condução do processo e na gestão do sistema dos juizados
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O juiz de direito e as causas nos juizados especiais cíveis
especiais cíveis, a m de que as medidas de incremento do acesso à
justiça, de fato, sejam observadas na prática processual?
A hipótese da pesquisa é a de que se faz de vital importância uma
atitude proativa do juiz de direito na garantia do acesso à justiça e do
equilíbrio processual, sem o descuido da observância da imparcialida-
de, da paridade de armas e do equilíbrio processual, garantias mínimas
de um processo do estado democrático do direito.
O presente trabalho utilizará o método lógico-dedutivo, basean-
do-se na construção doutrinária e normativa, sendo analisada a re-
ferência da efetividade do acesso à justiça em consequência ao papel
desempenhado pelo juiz de direito nos processos de competência dos
juizados especiais cíveis para equilíbrio da relação processual às partes
que optem por litigar sem a assistência de advogado quando lhes for
permitido por lei.
1. O acesso à justiça: evolução e obstáculos
A temática do acesso à justiça passou a ser melhor pensada e dis-
cutida a partir do denominado “Projeto Florença, que culminou na
formação de uma série de textos denominados “Acesso à Justiça” que
foram publicados nos anos de 1978 e 1979 sob a condução de Mauro
Cappelletti e Bryant Garth.
Para esses autores, aliás, existiriam duas nalidades básicas a serem
reconhecidas pelo sistema jurídico,
A expressão “acesso à Justiça” é reconhecidamente de difícil deni-
ção, mas serve para determinar duas nalidades básicas do sistema
jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus
direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado que,
primeiro deve ser realmente acessível a todos; segundo, ele deve
produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.
Nosso enfoque aqui, será, primordialmente sobre o primeiro as-
pecto, mas não poderemos perder de vista o segundo. Sem dúvida
uma premissa básica será de que a justiça social, tal como desejada
por nossas sociedades modernas, pressupõe o acesso efetivo.2
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