Jurisdição constitucional e direitos fundamentais

AutorJosé Adércio Leite Sampaio
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFMG. Professor do Curso de Graduação e Pós-Graduação da PUC-MG. Procurador da República
Páginas669-767
C
APÍTULO
III
JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL
E DIREITOS FUNDAMENTAIS
Para efeito de nosso estudo, haverá uma precisão conceitual
aproximada dos chamados direitos fundamentais (I), seguida de um
desdobramento temático, em torno da complexidade dos chamados
direitos sociais (II), do trabalho construtivo da jurisdição constitucio-
nal na descoberta ou afirmação de direitos fundamentais não escritos
(III) e na definição de uma teoria de limitação desses direitos (IV),
para findarmos num breve resumo da atividade do Supremo Tribu-
nal Federal na efetivação e concretização de alguns deles (V).
SEÇÃO I
APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS EM
TORNO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Sob terminologia variada e variado alcance, os atuais textos
constitucionais reservam diversos dispositivos à consagração dos di-
reitos fundamentais. Os trabalhos doutrinários também reproduzem
essa diversidade. Basta ver, por exemplo, o emprego dessa expres-
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670 A CONSTITUIÇÃO REINVENTADA
são predominantemente na Alemanha, na Suécia e no Brasil; subs-
tituída por “direitos de liberdade” na Dinamarca, “direitos invioláveis”,
na Itália, “direitos do homem”, na Noruega e Finlândia; ou reduzida
apenas a “direitos”, na Bélgica, Luxemburgo e Irlanda.
Sem embargo de sua heterogeneidade, esses direitos podem ser
examinados sob muitas formas: de acordo com sua evolução históri-
ca, passando por um exame empírico-comparativo de sua presença
nos textos constitucionais vigentes, por uma descrição crítico-analíti-
ca do déficit de realização, pela sua fundamentação filosófica, política
e jurídica, até chegar ao estudo mais puramente analítico de sua
estrutura e variações, de seus limites e funções. Não nos dispomos
aqui a enfrentar uma “teoria dos direitos fundamentais”, apenas a
lançar os elementos que mais diretamente nos interessam no exame
que se segue sobre a atuação da jurisprudência constitucional como
agente de estruturação e efetivação desses direitos.
Essas limitações nos levam apenas a ensaiar algumas caracte-
rísticas funcionais dos direitos fundamentais, reunidas no esquema
seguinte:
a) os direitos fundamentais desempenham um papel central
de legitimidade da ordem constitucional, não apenas pelo
seu catálogo formal, mas sobretudo por sua realização prá-
tica.
1
Embora sejam, assim, o centro de gravidade da es-
trutura orgânica e funcional do sistema, não podem ser con-
siderados como um “conjunto fechado” de valores, senão
como um centro ligado, funcional e normativamente, com
as outras partes do Direito Constitucional;
2
b) operam ora como limite da ação estatal, como um contra-
poder ou elemento de limitação do poder,
3
ora como de-
mandante de uma política estatal de intervenção e de “pro-
cura existencial”, direcionada a atualizá-los e a protegê-los
mediante procedimentos adequados, bem como por meio
da criação e manutenção de condições materiais de realiza-
1ISENSEE. Grundrechte und Demokratie, p. 9 et seq.; GRABITZ. Freiheit und Verfas-
sungsrechte, p. 137 et seq.; HÄBERLE. La Libertad Fundamental en el Estado Consti-
tucional, p. 70; HESSE. Elementos de Direito Constitucional da República Federal
Alemã, p. 232-233; PECES-BARBA. Curso de Derechos Fundamentales, p. 19.
2MÜLLER. Discours de la Méthode Juridique, p. 90; HÄBERLE. La Libertad Fundamen-
tal en el Estado Constitucional, p. 58.
3SALADIN. Grundrechte im Wandel, p. 30.
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JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DIREITOS FUNDAMENTAIS
ção;
4
importando também uma direção exegética tendente
a ampliá-los, na hipótese de preceitos de entendimento du-
vidoso, segundo a máxima in dubio pro libertate;
5
c) embora não se possa fixar uma teoria ou uma concepção
vinculante de direito fundamental no seio de uma socieda-
de pluralista e, portanto, não se podendo recusar a deba-
ter ou tomar em conta nem perspectivas comunitaristas,
que relegam os direitos fundamentais a meros reflexos da
vontade geral,
6
nem a negações pré-modernas, tradiciona-
listas
7
ou iusnaturalistas ontológicos,
8
tampouco outras formas
de reducionismos (sociológicos,
9
positivistas
10
e iusnatura-
4HESSE. Significado de los Derechos Fundamentales, p. 92, 94; TRIBE. American
Constitutional Law, p. 778 et seq.; MODUGNO. I “Nuovi Diritti” nella Giurisprudenza
Costituzionale, p. 69 et seq.; HÄBERLE. La Libertad Fundamental en el Estado Cons-
titucional, p. 260, 269 et seq.; HABERMAS. Morale, Diritto, Política, p. 22 et seq., 90.
Sob uma visão que recusa prefigurar qualquer conteúdo desses direitos, apenas afir-
mando uma prevalência dos direitos de participação e deixando os demais direitos à
obtenção procedimental discursiva: Die Einbeziehung des Anderen, p. 48; muito embora
afirme que o ethos juridificado de um Estado nacional não pode entrar em choque com os
direitos civis, pois a legislatura política está orientada pelos princípios constitucionais e
pela idéia de atualizar os direitos básicos (p. 265) e, de novo, venha a falar, para toda
perplexidade, que os sistemas legais estão eticamente conformados porque refletem a
vontade e a forma de vida de uma comunidade legal concreta (p. 265). NINO. Los Funda-
mentos del Control Judicial de Constitucionalidad, p. 127; GUERRA FILHO. A Dimen-
são Processual dos Direitos Fundamentais e da Constituição, p. 16 et seq.
5CAVALCANTI. Do Contrôle da Constitucionalidade, p. 47; LEITE SAMPAIO. Direito
à Intimidade e à Vida Privada, p. 382; PEREZ LUÑO. Derechos Humanos, Estado de
Derecho y Constitución, p. 315-316.
6ROUSSEAU. Oeuvres Complètes de Rousseau, III, p. 441.
7Dentre elas a de BURKE. Reflexiones sobre la Revolución Francesa, p. 70 et seq.; DE
MAISTRE. Les Soirées de Saint Petesbourg, I, p. 287.
8VILLEY. Philosophie du Droit, I, p. 165; II, p. 118 et seq.
9Por todos, LUHMANN. Grundrechte als Institution: Ein Breitag zur politishen Soziologie,
p. 53 et seq.
10 Seguindo Peces-Barba (Curso de Derechos Fundamentales, I, p. 47-50), podemos divi-
di-los em pragmáticos (BOBBIO. A Era dos Direitos, p. 25), não cognotivistas (influen-
ciados por Hobbes, Hume, Weber, afirmam que juízos de valor ou normativos não se
submetem à consideração de verdade/falsidade: estão aí “os emotivistas” como AYER.
Language, Truth, and Logic, p. 107; STEVENSON. Ethics and Language, p. 162 et seq.;
e, mais especificamente no âmbito jurídico, ROSS. Sobre el Derecho y la Justicia, p. 27;
bem assim os adeptos do “pragmatismo lingüístico”, sob influência de Wittgenstein.
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