A jurisdição como meio de tutela ao trabalho decente

AutorHumberto Theodoro Júnior e Maria Beatriz Theodoro Gomes
Páginas69-72

Page 69

1. Noção de jurisdição

É fora de dúvida que a atividade de dirimir conflitos e decidir controvérsias é um dos fins primários do Estado. Mas, desde que privou os cidadãos de fazer atuar seus direitos subjetivos pelas próprias mãos, a ordem jurídica teve que criar para os particulares um direito à tutela jurídica do Estado. E este, em consequência, passou a deter não apenas o poder jurisdicional, mas também assumiu o dever de jurisdição1.

Assim, em vez de conceituar a jurisdição como poder, é preferível considerá-la como função estatal2, e sua definição poderia ser dada nos seguintes termos: jurisdição é a função do Estado de declarar e realizar, de forma prática, a vontade da lei diante de uma situação jurídica controvertida3. Esclareça-se que, na concepção atual de jurisdição, quando se cogita da realização da “vontade da lei” não se refere à simples reprodução da literalidade de algum enunciado legal, mas à imple-mentação da norma jurídica, na qual se traduz o direito do caso concreto, cuja formulação pelo julgador haverá de levar sempre em conta a superioridade hierárquica das garantias constitucionais bem como a visão sistemática do ordenamento jurídico, os seus princípios, os seus princípios gerais e os valores políticos e sociais que lhe são caros. Portanto, revelar e concretizar a “vontade da lei” é expressão que modernamente equivale a definir e realizar “o direito”, em sua inteireza.4

2. Tutela jurisdicional

Em vez de se ocupar da teorização estática da jurisdição, o direito processual contemporâneo se concentra, com predominância, na investigação da dinâmica da tutela que incumbe ao Poder Judiciário prestar ao direito material. Nessa ótica, conforme já observado, a jurisdição deixa de ser vista como simples pode e assume a categoria de função (poder-dever); e como tal, o

Page 70

que caracteriza a função jurisdicional é o papel da Justiça de prestadora da tutela (defesa) ao direito material, que hoje não pode ser senão efetiva e justa.

Ao contrário do que se imaginou nos primórdios do direito processual científico, não é na sua autonomia diante do direito material que se descobre a finalidade do processo como veículo de atuação da jurisdição. Sendo inconteste a função instrumental por ele realizada em defesa do direito material, quando envolvido em conflito, o importante em seu estudo, é a pesquisa e a determinação dos tipos de tutela que a jurisdição pode desempenhar. Assim, o fim do processo, visto segundo a perspectiva das tutelas que lhe compete prestar, será detectado nos resultados substanciais que ele pode e deve gerar para atender às “necessidades do direito material”. Em resumo – conclui Marinoni – “não há como deixar de pensar nas tutelas quando se deseja analisar se o processo, como técnica, está respondendo à sua missão constitucional de dar ‘tutela aos direitos’. E nada pode ser mais importante ao doutrinador do processo nos dias de hoje”5. É que, o procedimento observado pela jurisdição, “além de conferir oportunidade à adequada participação das partes e possibilidade de controle da atuação do juiz, deve [acima de tudo] viabilizar a proteção do direito material. Em outros termos, deve abrir ensejo a efetiva tutela dos direitos”6.

Se, portanto, as necessidades de proteção no plano do direito material são várias, as técnicas processuais também devem ser múltiplas para a elas se adaptar e para não deixar desamparada nenhuma das referidas necessidades.

É por isso que, para bem estudar o processo à luz das “novas necessidades do direito substancial”, urge ficar atento à tendência inegável de repensar a função jurisdicional em termos de tutela dos direitos, “deixando de lado a sua análise em uma moldura exclusivamente procedimental”, com o que muito se poderá contribuir – segundo Vittorio Denti – para “a compreensão das novas tutelas que emergem com o desenvolvimento da sociedade7”.

Não se indagará, em tal análise, apenas de ritos e procedimentos, mas o estudo do processo recairá sobremaneira em torno das técnicas de que se deve valer a jurisdição para bem realizar a tutela dos direitos materiais, sempre no sentido de proporcionar, para quem sofre lesão ou ameaça em sua esfera jurídica, um resul-tado em tudo igual ou equivalente àquele decorrente da situação de vantagem que a ordem jurídica material lhe assegura.

A jurisdição, no desempenho de sua função institucional, portanto, cumpre tutelas definitivas ou provisórias; exaurientes ou sumárias; sancionatórias ou inibitórias; de acertamento ou de execução; suficientes ou não suficientes; totais ou parciais. Mas, qualquer que seja a tutela, sua função operará no plano do direito material, e, nesse plano, produzirá o efeito que o direito material assegura a quem se acha na situação de vantagem garantida pela ordem jurídica, seja na forma originária, seja no seu equivalente econômico, seja para impedir o dano, seja para saná-lo. Na observância dessa técnica multifária é que se realizará a efetividade da tutela jurisdicional dos direitos.8

3. A jurisdição trabalhista e a proteção do trabalho

A Justiça do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT