Exclusão social, violência estrutural e delinqüência juvenil: uma análise a partir de Michel Foucault

Autor1.Marli M. M da Costa - 2.Rosane T. C. Porto
Cargo1.Professora de Direito Civil e Direito da Criança e do Adolescente/Graduação e do Programa de Mestrado em Direito na Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC . - 2.Especialista em Direito Penal e Processo Penal; Mestranda em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC e pesquisadora/bolsista
Páginas244-265

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Considerações iniciais

É grande a inquietação na sociedade, que já não se sabe o que fazer para enfrentar e encontrar soluções ou estratégias que ajudem a equilibrar e controlar a pobreza, a exclusão social e a delinqüência juvenil. Primeiramente, tem que se ter em mente que nem sempre esses fenômenos estão aliados a criminalidade, mas implicitamente contribuem para o seu desenvolvimento e, de certa forma, todos eles também são elementos desencadeados pela violência estrutural. De imediato nascem as seguintes indagações ao leitor: O que significa violência estrutural? Qual sua relação direta com a pobreza, a exclusão social e a delinqüência juvenil? Como o discurso e que tipo de discurso é utilizado pelas instituições como estratégia do poder dominante, coerção ou controle social?

Antes de construir possíveis respostas, cabe ressaltar que a exclusão social não abrange especificadamente uma definição, nem significa sinônimo de pobreza. São tantos os sobrantes da sociedade global, que interessa aqui direcionar especificadamente para a criança e o adolescente, porque esses são considerados pela legislação pessoas em condições de desenvolvimento e merecem prioridade absoluta no que concerne a políticas públicas voltadas a garantir acima de tudo seus direitos fundamentais. Partindo dessa preocupação, é possível enfrentar o grande desafio que é o de afastá-los das mazelas da delinqüência juvenil.

Salienta-se ainda que a proposta de análise sobre o discurso terá como viés a concepção de Michel Foucault, considerado homem de idéias inovadoras, pois não acreditava que o Estado fosse o único que detinha poder sobre as pessoas, mas todas as instituições, entre elas: as classes dominantes, a família e a escola. Para apresentar seu posicionamento crítico, dispõe em uma de suas obras “ A ordem do discurso”3 a sua relação direta com o poder do significante que despersonaliza o sujeito, de maneira a afastá-lo da vontade da verdade e torná-lo um corpo docilizado ou disciplinado.

Também não se pode ignorar que a forma utilizada da linguagem no discurso pode ser um tipo de violência e estratégia de dominação pelo Estado.4Portanto, pensar no significado da violência estrutural estabelecendo uma relaçãoPage 245com a delinqüência juvenil, envolve tentar compreender inicialmente o que representa a violência como palavra polissêmica5 para a sociedade. A violência é um fenômeno social que acontece em todo o mundo, é possível vê-la, sentir, praticar, sofrê-la e também não percebê-la, pois a sujeição do indivíduo ou a falta da autonomia do sujeito, o coloca dentro desse quadro avassalador. Claro que seria utópico acreditar que é possível extinguir a violência, pois ela faz parte do próprio homem, na concepção de Hobbes, contudo o seu “eu “ precisa ser civilizado, diria melhor, limitado, pois precisa saber viver em sociedade e se compatibilizar com o outro. Ao contrário, Rosseau6 entende que o homem é naturalmente bom, o mal é conseqüência da sociedade, sendo desprovido de todas as características de homem social.

1 A pobreza e a exclusão social

A exclusão social pode ser originalmente identificada à situação de não ter. Ou seja, não ter acesso à terra para produzir o necessário, não ter trabalho, não ter renda suficiente para atender às necessidades básicas, etc. Portanto, a exclusão social assume características de natureza política e econômica, fazendo com que alguns seguimentos sociais sejam algo porque têm, enquanto outros não sejam porque nada têm.7

As sociedades historicamente trataram do processo de exclusão, acompanhando o processo da inclusão, em que a sociedade dominante subjugava a parcela social considerada como desviante.8 Nas sociedades modernas, o processo de exclusão assumiu outras variantes da sociedade primitiva que incluía seus desviantes, ou seja, o processo era contrário, sinalizavam a possibilidade de expelir ou vomitar do seu interior tudo que era considerado como desviante. Interessante ressaltar, que as sociedades contemporâneas combinaram, de maneira cada vez mais instável, a inclusão cultural e a exclusão socioeconômica.9

Note-se que a exclusão social no Brasil

[...] ao longo da segunda metade do século XX, de maneira sempre reiterada, quase metade das 27 unidades federativas brasileiras apresentou índices aflitivos de pobreza, sendo que a mesma quantidade exibiu índices sofríveis de assalariamento formal. Mais de um terço mostrou índices inaceitáveis de desigualdade de rendimentos, enquanto dois terços revelamPage 246índices precários de alfabetização e escolaridade. Finalmente, cerca da metade apresentou índices preocupantes de violência e, como síntese, igual número revelou índices críticos de exclusão. É bem verdade que as unidades da federação que se mostraram sob estas condições em 1960, 1980 e 2000 foram freqüentemente as mesmas (quase sempre localizadas nas regiões norte e, principalmente, nordeste). Mas em hipótese alguma isso tornou a questão menos grave, inclusive porque tais unidades responderam continuamente por 35% da população nacional Ou seja, ao longo de toda a segunda metade do século, mais de um terço dos brasileiros se encontrou vivendo sob velhas e novas formas de exclusão social10

Destaca-se, aqui, que a pobreza e a exclusão social não são conceitos idênticos, mas são muito próximos, pois embora a pobreza seja um fator decisivo, também é vista como resultado da exclusão social. Portanto, ao se abordar a exclusão social, não se tem a possibilidade de visualizá-la sem a realidade socioeconômica do país e dos seus indivíduos.

Ainda é importante mencionar que a inclusão social é o termo oposto à exclusão e seus correlatos são a inserção e a integração social. Para que o Brasil atinja o padrão intermediário de inclusão social, necessitará investir continuada e adicionalmente, a cada ano, até 2020, a quantia equivalente a 14,5% do seu Produto Interno Bruto (PIB), em oito complexos sociais selecionados (educação, saúde, habitação, cultura, informática, pobreza, trabalho decente e previdência social). Se a estratégia de desenvolvimento nacional for a do padrão avançado de inclusão social, o volume anual de investimento suplementar refere-se a 27,6% do PIB para os mesmos complexos sociais.11

Muito interessante o entendimento de João Pedro Schmidt quando diz que a inclusão social ampla só é possível se os modelos econômicos favorecem a igualdade social. Nesse caso, com políticas sociais efetivas e iniciativas complementares da sociedade civil, inspiradas no capital social, a erradicação da pobreza é um objetivo alcançável12 .

Ao se analisar de maneira sintética a exclusão social, quer-se dizer com isto que ela também é um dos fatores desencadeadores da delinqüência juvenil, porém, ao se buscar estabelecer uma relação entre violência e miséria, estudos mostram que a pobreza não é o fator determinante na escalada da criminalidade. Regiões extremamente pobres apontam baixos índices de violência, enquanto asPage 247grandes cidades - mais ricas - encontram cada vez mais dificuldades para controlar este problema. Pode-se considerar que o que determina a violência das grandes capitais é o abismo social entre os ricos e os pobres.13

Para enfrentar o problema da delinqüência juvenil, no sentido de, mesmo sabendo que a violência é algo intrínseco do homem, não se pode aceitar que tal fenômeno tome conta com tamanha força da sociedade, alimentando e recrutando cada vez mais cedo jovens para o crime organizado ou o denominado Estado paralelo. Significa dizer que, rapidamente, deve-se discutir e achar meios de como desenvolver ou redesenhar uma nova concepção de Estado, que deixe de lado o instrumento da violência estrutural e que tenha em suas bases políticas públicas alicerçadas, em especial no capital social e humano, pois essas denominações bem trabalhadas representam um caminho para a Democracia e para o desenvolvimento social e a autonomia do sujeito.

2 Da violência estrutural

A violência, como dita anteriormente, é um dos fenômenos sociais mais inquietantes no cotidiano das pessoas que integram a sociedade. Suas formas de manifestações são das mais diversas possíveis. Nas palavras de Ruth Gauer14 , define-se como sendo um elemento estrutural, intrínseco ao fato social e não o resto anacrônico de uma ordem bárbara em vias de extinção, que está presente em todas as sociedades, seja de qualquer civilização ou grupo humano.

Nos dizeres de Gilberto velho, a violência é o uso agressivo da força física de indivíduos ou grupos contra outros, não se limitando ao uso da força física e que está associada a uma idéia de poder, quando demarca a possibilidade de imposição de vontade sobre o outro.15 Ainda destaca que a violência é justamente o modo mais agudo de revelar o total desrespeito e desconsideração pelo outro.16

Para Corbisier, é na estrutura da sociedade em que está a raiz da violência, podendo ser denominada de violência institucional, devido às sociedades serem divididas em classes sociais de senhores e servos, caracterizando o domínio de uma sobre a outra.17

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Ao estudar sobre a violência, Da Matta, bem lembrado por Gauer, classificou-a dentro das duas formas de discurso, quais sejam, o discurso teórico erudito que relaciona a violência com poder e com o consumo, sendo resultado do tipo de sistema vivido pela comunidade e tolerada como o poder, o sistema e o capitalismo. Já no discurso do senso comum ou popular, a violência é tratada como um mecanismo social, que um indivíduo utiliza como instrumento para impor o que deseja sobre o outro, desconsiderando a vontade alheia.18

Quanto ao poder, mencionado por Da Matta, interessante a construção teórica de Hannah Arendt, quando explica que o poder e a violência...

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