Limites materiais

AutorGiovane Brzostek/Marcelo Ricardo Leite
Páginas17-41
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LIMITES MATERIAIS
O Direito do Trabalho sempre conviveu com o binômio liberdade x pro-
teção. A livre manifestação de vontade é inerente ao contrato de emprego,
mas encontra limites, assim como em qualquer ramo do direito, em normas
cogentes, que estabelecem parâmetros de proteção mínima ao trabalhador.
Exemplo clássico é a formação do vínculo de emprego sempre que estiverem
presentes os requisitos do art. 3º da CLT, independentemente da natureza
atribuída pelos contratantes à relação jurídica havida.
Verificar, caso a caso, eventual extrapolação da liberdade contratual pelos
requerentes, no tocante ao conteúdo da transação, é um dos elementos mais
importantes da atuação do juiz durante o procedimento de homologação dos
acordos extrajudiciais.
Na petição inicial, os interessados declaram os elementos de existência
do negócio jurídico, delineando a relação material de base, o litígio, a transa-
ção, a solução encontrada e o objeto específico do acordo.
O juízo, por sua vez, filtra a validade da transação, verificando a ade-
quação do negócio jurídico à legislação e a correspondente viabilidade na
produção dos efeitos pretendidos.
Importante ressaltar que, em muitas ocasiões, na forma do art. 8º, § 1º,
da CLT, o direito comum será utilizado subsidiariamente, diante das lacunas
na legislação trabalhista. Entre tantas possibilidades, citamos os dispositivos
do Código Civil (CC) que tratam dos defeitos dos negócios jurídicos (arts.138
a 165), das nulidades (art. 166) e da transação (arts. 840 a 850).
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A seguir serão abordadas algumas hipóteses de limites materiais à tran-
sação extrajudicial trabalhista, observadas as questões de maior recorrência
no cotidiano do instituto.
2.1 TRANSAÇÃO. EXISTÊNCIA. VALIDADE. EFICÁCIA
O art. 840 do CC estabelece ser “[...] lícito aos interessados prevenirem
ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas”. De plano, extrai-se
do conceito legal que o litígio pode ocorrer em potencial, o que dará ensejo
à transação com efeito preventivo ou de forma concreta, o que permitirá a
extinção de um conflito materialmente existente. De resto, não se dispensa a
presença de concessões recíprocas, as quais, como veremos adiante, nem
sempre são de imediata e clara identificação.
A doutrina estabelece, de acordo com Nery Junior e Nery (2009, p. 744),
que a transação “[...] é contrato orientado ao fim de prevenir ou terminar litígio
mediante concessões mútuas (CC 840), litígio este relativo a direitos de caráter
privado (CC 841)”. E deixa margens para a possibilidade de a transação
abranger “[...] relações jurídicas virtual e presentemente litigiosas [...]”, segundo
defende Tomasetti Junior (apud NERY JUNIOR; NERY, 2009, p. 744).
Pereira e Mulholland (2019) muito bem extraem os requisitos de existência
da transação, a saber: a) acordo; b) extinção ou prevenção de litígios; c)
reciprocidade das concessões e; d) incerteza no tocante ao direito de cada
um dos transatores, ou ao menos de um deles, insegurança essa que pode
ocorrer de forma virtual, em potencial ou subjetiva. Explicam os autores que
o acordo decorre da convergência de vontade dos interessados, porquanto
não há transação imposta pela lei ou provimento jurisdicional ex officio, sendo
que a ausência de extinção ou prevenção de litígios desfigura o negócio
jurídico como transação. Trata-se de uma configuração que existia no Direito
Romano e que se conserva em todos os sistemas modernos. O efeito principal
é converter uma situação jurídica incerta em situação segura. A reciprocidade
das concessões é o traço característico e hábil a distinguir a transação de
qualquer outro negócio jurídico, em especial onde haja datio in solutum, ou
doação, ou renúncia, ou confissão ou pagamento. Por fim, destacam que a
incerteza tanto pode ser de natureza subjetiva quanto objetiva, isto é, rela-
cionada à insegurança pessoal do interessado, como qualificação duvidosa
do próprio direito. No direito francês, a incerteza corresponde à litigiosidade,
mas o ordenamento jurídico brasileiro adota a diretriz romana e, dessa forma,
admite a transação mediante mera dúvida no espírito dos interessados, o que
autoriza, portanto, o julgador a examinar a res dubia virtual ou em potencial.

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