Livro V - Da tutela provisória

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas331-395
331
Introdução
Antes de nos dedicarmos a comentar as diversas
disposições que integram este Livro, devemos formu-
lar algumas considerações de ordem propedêutica.
Durante a vigência do CPC de 1973, discordamos
dos autores que sustentavam o caráter provisório das
medidas cautelares. Demonstrávamos que medidas
como os protestos, as notif‌i cações, as interpelações
e a justif‌i cação nem sempre eram marcadas pela
provisoriedade. Como fundamento de nossa obje-
ção argumentávamos, por exemplo, com o art. 861,
segundo o qual a justif‌i cação poderia ser realizada
para simples documentação, sem qualquer interesse
do requerente em utilizá-la com vistas à propositu-
ra de ação judicial. Nesse caso, ela possuía caráter
def‌i nitivo. O art. 861 estava assim redigido: “Quem
pretender justif‌i car a existência de um fato ou rela-
ção jurídica, seja para simples documento, seja para
servir de prova em processo regular, exporá, em pe-
tição circunstanciada, a sua intenção” (destacamos).
Nossa objeção, todavia, não cabe em relação ao
atual CPC, cujo Livro V versa sobre Tutela Provisó-
ria, pois, conforme veremos mais adiante, o Código
não classif‌i ca o protesto, a notif‌i cação, a interpelação
e a justif‌i cação como medidas cautelares (tutela de
urgência).
No sistema do CPC anterior, havia o Livro III,
que dispunha sobre o Processo Cautelar. As medidas
cautelares compreendiam a) as inominadas, derivantes
do poder geral de cautela do magistrado (art. 798);
e b) as nominadas, que enfeixavam o arresto, o se-
questro, a caução, a busca e apreensão, a exibição,
a produção antecipada de provas, a justif‌i cação, os
protestos, as notif‌i cações, as interpelações e o atenta-
do — apenas para referirmos as que eram aplicáveis
ao processo do trabalho. Por outro lado, o art. 273
tratava da antecipação dos efeitos da tutela, provi-
dência de natureza, essencialmente, satisfativa, sem
qualquer traço de cautelaridade.
Conquanto o CPC de 2015 não haja reproduzido
o tratamento que o Código anterior dispensava aos
protestos, às notif‌i cações e às interpelações, essas
medidas continuam a existir, sendo, em muitos ca-
sos, úteis aos interesses das partes, especialmente, no
terreno do processo do trabalho. Argumentemos, por
exemplo, com o protesto interruptivo da prescrição,
ao qual a SBDI-I, do TST, chegou a dedicar uma OJ:
“392. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. AJUIZAMENTO
DE PROTESTO JUDICIAL. MARCO INICIAL. (repu-
blicada em razão de erro material) — Res. 209/2016, DEJT
divulgado em 01, 02 e 03.06.2016
O protesto judicial é medida aplicável no processo do traba-
lho, por força do art. 769 da CLT e do art. 15 do CPC de 2015.
O ajuizamento da ação, por si só, interrompe o prazo pres-
cricional, em razão da inaplicabilidade do § 2º do art. 240 do
CPC de 2015 (§ 2º do art. 219 do CPC de 1973), incompatível
com o disposto no art. 841 da CLT”.
O § 2º do art. 240, do CPC, estabelece que in-
cumbe ao autor adotar, no prazo de dez dias, as
providências necessárias para viabilizar a citação do
réu, sob pena de a interrupção da prescrição não re-
troagir à data da propositura da ação.
O CPC atual empreendeu uma profunda e com-
plexa modif‌i cação da sistematização desses temas,
a começar pelo fato de o seu Livro V disciplinar o
que ali se denominou de “Tutela Provisória”. Esta
compreende:
a) a tutela de urgência, que se subdivide em:
a.a.) tutela antecipada; e
a.b.) tutela cautelar; e
b) a tutela da evidência.
A tutela de urgência pode ser concedida em ca-
ráter:
a) antecedente (desdobrando-se em liminar ou
mediante justif‌i cação prévia); e
b) incidental.
Podemos verif‌i car, portanto, que o novo CPC clas-
sif‌i ca a tutela provisória segundo três critérios: a) em
decorrência da necessidade, ou não, de demonstração
de perigo de demora da prestação da tutela jurisdi-
cional, a tutela pode ser: a.a.) de urgência ou a.b.) da
evidência (art. 294, caput); b) em razão do momento
em que é pedida, a tutela pode ser: b.a.) antecedente
ou b.b.) incidental (art. 294, parágrafo único); c) em
virtude da aptidão da tutela para ensejar ao autor
obter, desde logo, o resultado útil do processo, ela
pode ser: c.a.) antecipada (com caráter satisfativo)
ou c.b.) cautelar (art. 294, parágrafo único).
Em largo traço, podemos af‌i rmar que no siste-
ma do novo CPC a tutela provisória de urgência e
da evidência ocupa o espaço que o Código anterior
destinava às medidas cautelares e à antecipação dos
efeitos da tutela, respectivamente.
Do ponto de vista do processo do trabalho, não
seria despropositado af‌i rmar, porém, que a disci-
plina e o procedimento da tutela provisória (gênero)
LIVRO V
DA TUTELA PROVISÓRIA
TÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
332
tornaram-se mais complexos e intricados do que ha-
via ao tempo das ações cautelares e da antecipação
dos efeitos da tutela, regidos pelo CPC de 1973.
O art. 301, do CPC de 2015, declara que a tutela de
urgência cautelar pode ser efetivada mediante arresto,
sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto
contra alienação de bem “e qualquer outra medida
idônea para asseguração do direito”. Entretanto, me-
didas como o sequestro, a caução, a busca e apreensão
nem mesmo são disciplinadas por esse Código, ao
passo que o arresto é somente previsto na execução
(art. 830), e a exibição de documento ou coisa é locali-
zada apenas no capítulo das provas (art. 396).
Seja como for, a disciplina legal imposta a essas
tutelas permite concluir que a de urgência também
possui traços de satisfatividade, ao tornar-se estável
(art. 304). De outro ponto, a possibilidade de o juiz
conceder “qualquer outra medida idônea para asse-
guração do direito” revela que o Código preservou
o notável poder geral de cautela do magistrado, poder
que continuará, portanto, a servir como uma espé-
cie de pedra angular do sistema ou como cheque em
branco emitido pelo legislador em favor do juiz, que
o preencherá quando tiver diante de si situações que
espelhem um estado de periclitância do direito ale-
gado pelo requerente.
A propósito, na vigência do CPC anterior, a Jus-
tiça do Trabalho, em muitos casos, vinha atribuindo
caráter satisfativo às medidas derivantes do poder
geral de cautela do magistrado (na reintegração de
empregado estável, por exemplo). Se essa atitude da
Justiça do Trabalho era passível de receber críticas,
sob os aspectos histórico e teleológico, uma vez que
as medidas cautelares não foram instituídas para
servir como instrumento de defesa do direito mate-
rial, senão que de defesa do direito ao processo (essa
é a razão de serem consideradas “instrumento do
instrumento” por certos segmentos doutrinários),
do ponto de vista político a utilização de tais medidas
acautelatórias inominadas para promover a defesa
do direito material era justif‌i cável, pois o processo
de conhecimento — tanto civil quanto trabalhista —
não dispunha de mecanismo capaz de ensejar uma
proteção imediata e ef‌i caz do direito material ame-
açado de lesão.
Com o advento da antecipação dos efeitos da tute-
la — mediante reformulação do conteúdo do art. 273
do CPC anterior —, o processo cognitivo passou a
ser dotado de mecanismo apto a propiciar a defesa
imediata do direito material, nas situações indicadas
pela referida norma legal, designadamente, no caso
do inciso I (“fundado receio de dano irreparável
ou de difícil reparação”), restringindo-se, a partir
daí, de maneira drástica, o manejo das cautelares
inominadas com o escopo de proteção do direito
material.
Essa separação, sob o ângulo f‌i nalístico, do ins-
trumento legal de defesa do direito ao processo (tutela
de urgência, cautelar) em relação ao instrumento de
defesa do próprio direito material (tutela de urgência
antecipada e tutela da evidência) deve também ser
observada na aplicação dos pertinentes dispositivos
que compõem o atual CPC.
Em conclusão: as modif‌i cações introduzidas pelo
legislador de 2015 no sistema das antigas medidas
cautelares e antecipatórias da tutela — designada-
mente, a que se refere à tutela de urgência antecipada
— fará com que os doutrinadores se vejam forçados
a reordenar as suas ideias, signif‌i ca dizer, a romper,
em boa parte, com os entendimentos sedimentados
no passado, para se amoldarem aos novos tempos.
É razoável supor, em razão disso, que haverá não só
opiniões divergentes como críticas e elogios a essas
modif‌i cações. Deste modo, os primeiros momentos
de regência do CPC — como sói acontecer diante
de legislações novas — tenderão a ser assinalados
por uma inquietante turbulência doutrinária, no
particular, com provável irradiação nos sítios da ju-
risprudência. Quem viver, verá.
Art. 294
Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.
Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser
concedida em caráter antecedente ou incidental.
• Comentário
Caput. A tutela provisória é o gênero, do qual as
tutelas de urgência e da evidência constituem espécies.
Como já salientamos, as tutelas de urgência, por sua
vez, compreendem a cautelar e a antecipada.
Em termos gerais, o panorama apresentado pelo
atual CPC, a respeito dos temas sobre os quais esta-
mos a discorrer, é o seguinte:
a) Se a urgência:
a.b.) for contemporânea à propositura da ação princi-
pal, o caso é de tutela antecipada antecedente (art. 303);
a.b.) preceder à propositura da ação principal, uti-
liza-se a tutela cautelar antecedente (art. 305);
a.c.) for posterior à propositura da ação princi-
pal, far-se-á o manejo da tutela cautelar incidental
(art. 294, parágrafo único).
b) Se não houver urgência: tutela da evidência
(art. 311).
333
As tutelas de urgência são regidas pelos arts. 300
a 310; a tutela da evidência, pelo art. 311. Além disso,
os arts. 294 a 299 contêm disposições gerais sobre a
tutela provisória, ou seja, de urgência e da evidência.
A concessão da tutela de urgência pressupõe: a) a
probabilidade do direito (fumus boni iuris); b) o perigo
de dano (periculum damnum); c) risco ao resultado útil
do processo (CPC, art. 300). Os pressupostos mencio-
nados nas letras “a” e “b”, retro, são cumulativos (há,
entre eles, o conetivo e); o mesmo se af‌i rme quanto
aos mencionados nas alíneas “a” e “c”; os previstos
nas letras “b” e “c”, todavia, são alternativos (há, en-
tre eles, o disjuntivo ou). Essa observação nos conduz
ao seguinte quadro, diante dos casos concretos, com
vistas à concessão da tutela de urgência: 1) probabi-
lidade do direito e perigo de dano; 2) probabilidade
do direito e risco ao resultado útil do processo. Não
se admite, portanto, a ausência do pressuposto re-
presentado pela probabilidade do direito.
A propósito, os vocábulos probabilidade e possi-
bilidade não se confundem, tanto na ordem léxica,
quanto na processual. O substantivo probabilidade
(do Latim probabilitas) é sinônimo de verossimilhança,
de plausibilidade, signif‌i cando aquilo que faz pre-
sumir a verdade, que indica o que tende a ocorrer;
possibilidade (do Latim possibilitas) traduz aquilo que
pode existir, que pode acontecer. Há, portanto, um
elemento sutil, distintivo de ambos os vocábulos: na
probabilidade, diz-se de algo que tende a ocorrer; na
possibilidade, de algo que pode ocorrer. O verbo tender
possui maior carga de dramaticidade do que o poder.
Por esse motivo, neste último não cabe o traço da ve-
rossimilhança.
Efetuada essa distinção conceitual entre a proba-
bilidade e a possibilidade, devemos lembrar que o art.
300, do CPC, exige a presença do primeiro. Não é
suf‌i ciente, portanto, para a concessão da tutela de
urgência, a mera possibilidade de existência do direito.
No comentário ao art. 300, iremos lançar algumas
considerações complementares a respeito do requisi-
to da probabilidade do direito.
Parágrafo único. O art. 796 do CPC anterior de-
clarava que o procedimento cautelar poderia ser
instaurado antes ou no curso do processo principal,
acrescentando a equivocada expressão “e deste (pro-
cesso principal) é sempre dependente”. O CPC em
vigor manteve a regra de que a tutela de urgência,
seja cautelar, seja antecipada, pode ser concedida
em caráter antecedente (liminarmente ou median-
te justif‌i
cação prévia) ou incidental, embora haja
abandonado a antiga menção à dependência dessas
medidas a processo principal.
A propósito, a tutela provisória de urgência, an-
tecipada, requerida em caráter antecedente, pode
bastar a si, pois se estabiliza (CPC, art. 304, caput),
signif‌i ca dizer, prescinde de processo “principal”,
superveniente.
Uma ponderação: talvez, ocorram, na prática,
situações em que se necessite de uma tutela provisó-
ria que não seja, em rigor, de urgência (preservação),
nem da evidência (satisfação), possuindo, isto sim,
caráter tipicamente conservativo. Seria o caso, por
exemplo, de bens penhorados, que precisam ser
conservados, a f‌i m de que não se deteriorem ou
não percam a sua funcionalidade. É bem verdade
que, em tais casos, o juiz poderia determinar ao de-
positário, ou ao administrador (CPC, art. 159) que
promovesse a conservação do bem, sob pena de res-
ponder pelos prejuízos que acarretar à parte (CPC,
art. 161). Estamos a cogitar, entretanto, do uso de
medida cautelar conservativa para o caso de o deposi-
tário não cumprir a ordem judicial ou de essa ordem
não ser dada pelo magistrado.
Dissemos, em linhas anteriores, que a tutela pro-
visória pode assumir caráter def‌i nitivo, como aquela
a que se refere o art. 304, do CPC. Acrescentemos
um outro exemplo. Há situações em que o magis-
trado condena o réu, digamos, a prestar tratamento
de saúde ao autor, enquanto este viver. Não se pode
asseverar, de maneira dogmática, que estaremos
diante de uma tutela meramente provisória, pois
esta, compreendendo todo o período de existência
do autor, mais se assemelha à def‌i nitiva. Def‌i nitiva,
embora condicionada ao fato de o benef‌i ciário con-
tinuar vivo.
Enf‌i m, a realidade prática, com sua incomensurá-
vel riqueza de situações e de peculiaridades, haverá
de demonstrar a existência de outros casos em que
a denominada tutela provisória possui traços de de-
f‌i nitividade. É preciso não perder de vista o fato de
a vida ser muito mais rica na produção de fatos do
que possa ter imaginado o legislador. Conforme
lembrou, com propriedade, Oliver Wendell Homes
(The Common Law), a vida do Direito não foi a Lógi-
ca, e sim, a Experiência.
Art. 295
Art. 295. A tutela provisória requerida em caráter incidental independe do pagamento
de custas.
• Comentário
Diz-se que a tutela provisória possui caráter inci-
dental quando requerida no curso de um processo.
Neste caso, o requerente da medida estará dispensa-
do do pagamento de custas. Aplica-se a regra tanto à
tutela de urgência cautelar quanto a satisfativa, des-
de que incidentais, assim como à tutela da evidência.

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