Lógica, ciência do Direito e Direito

AutorLourival Vilanova
Páginas145-178
137
LÓGICA, CIÊNCIA DO DIREITO E DIREITO
Lourival Vilanova
1. Os níveis de experiência
Podemos falar na experiência em sentido husserliano
sempre que de algum objeto tenhamos um modo de estar
com ele. Da pluralidade de objetos que compõem o mundo
circundante do sujeito, destacam-se os objetos jurídicos. O di-
reito se nos dá na experiência, como uma classe de objetos
diferentes dos objetos físicos e dos objetos formais (ou ideais).
Encontramo-nos com o jurídico como um tipo deôntico de ob-
jetos (há outros, como moral, o uso, o costume etc.). Se a um
tipo de entidade denominarmos universo, há o universo dos
objetos jurídicos definida a pertinência a esse universo pela
presença de propriedades (as que definem a classe dos obje-
tos jurídicos) numa dada entidade do mundo.
Tomando como ponto de partida o dado, é possível dele
ter vários tipos de experiência. Assim, para o direito, há uma
experiência histórica, uma experiência antropológica, outra
sociológica, outra psicológica, outra axiológica. Tais experi-
ências, ainda que diferentes entre si, são complementares e
deslocam-se num mesmo plano. Demais, todas têm um co-
mum ponto de partida: a experiência do direito positivo, o di-
reito tal como se dá como em sua integridade constitutiva. A
Lógica e Direito.indb 137 09/05/2016 17:16:25
138
LÓGICA E DIREITO
incidência maior num ângulo dessa ou daquela experiência
leva a cortes meramente metodológicos, a objetos formais di-
ferentes: ao direito como fato histórico, como fato sociológico
etc. O suppositum material é um só, que se dá na experiência
fundamental, na experiência-base sobre a qual se verificam
as demais experiências. Assim, para os objetos físicos, a per-
cepção é a experiência-base de todas as demais experiências:
da experiência científico-positiva no plano dos conceitos e da
experiência lógica, no plano das estruturas formais. Também,
para o direito, há uma experiência-base: sobre ela desdo-
bram-se a experiência científica em seus vários aspectos e a
experiência lógica.
Consideremos o direito positivo (que também denomi-
naremos o direito-objeto), a Ciência-do -Direito e a lógica,
como planos dispostos em graus diversos, todos com base na
experiência do direito. E o ângulo sob consideração é o fato
da linguagem, componente nos três graus de consideração.
Essa experiência é a experiência da linguagem, em rigor um
corte no ser total do dado, que não é apenas linguagem. É
a suspensão metódica de outros aspectos, que por isso ficam
entre parênteses. O direito positivo é linguagem e não somen-
te linguagem: é fato do mundo da cultura, fato valioso (o des-
valoroso ao domínio do valor). A Ciência-do-Direito, que é a
ciência em que trabalham os juristas, como juristas – a ciên-
cia dogmática – é conhecimento do direito positivo, mas verte
este conhecimento em linguagem e a Lógica é uma linguagem
formal e simbólica, sobre estas duas linguagens. A Lógica é,
também, conhecimento, com o que tem seu aspecto semânti-
co e gnoseológico, mas tal conhecimento se faz mediante lin-
guagem. Esse caráter cognoscente da Lógica exige, por sua
vez, sua conversão em temática, o que dá margem para uma
ontologia e uma gnosoelogia do lógico, isto é, a uma filosofia
da Lógica, que não é a Lógica mesma, mas uma meta-lógica
(as investigações fenomenológicas husserlianas representam
em grande parte filosofia da Lógica).
Lógica e Direito.indb 138 09/05/2016 17:16:25
139
DIREITO E LÓGICA
2. A linguagem no direito-objeto
Para a análise sistemática do problema não tem impor-
tância a modalidade simbólica em que se revestiu o direito
em seu processo histórico evolutivo. Importa o símbolo-lin-
guagem, quando ele apareceu. Mesmo ali onde certa uni-
formidade de conduta ocorre num espaço social, sem regra
expressa, oral ou escrita, que a uniformize, só é possível in-
terpretar tal conduta como jurídica e destacá-la das condu-
tas não-jurídicas, formulando a linguagem em que a norma
se objetiva. E o núcleo da linguagem é a proposição. O tópico
adequado da norma, o símbolo ou estrutura simbólica em que
ela se objetiva é a proposição, que, por sua forma e por seu
conteúdo, diz-se proposição deôntica e proposição normativa,
respectivamente.
A linguagem, mais especificamente, a proposição está
aqui no seu primeiro plano: no direito-objeto, que é o direito
positivo. E linguagem feita como instrumento de comunicação,
como veículo entre os sujeitos, que formam a comunidade da
linguagem. O “universe of discourse” é feito para a “communi-
ty of discourse”. Diz algo entre sujeitos que usam a linguagem.
Esse dizer algo sobre uma situação objetiva (um stato di cose,
state of affairs) dá lugar ao estado semântico da proposição
jurídica, o ser usada, o ser um instrumento entre utentes, dá
lugar à consideração pragmática. O direito como realidade
social, elaborado pelo legislador (no sentido amplo), aplicado
pelos juízes e cumprido pelos membros da comunidade jurí-
dica, opera como fator cultural no universo total da cultura: é
um fator de controle social, que age sobre outros fatores e, por
sua vez, deles recebe influência (ora variável relativamente
independente, ora dependente). Se para seu cumprimento ou
sua intepretação há uma consideração dirigida à sua estrutu-
ra simbólica de linguagem, todavia, não é a linguagem como
estrutura formal que entra no tema. Converter em temático
o componente de linguagem que o direito-objeto apresenta à
experiência importa numa mudança de atitude, num regresso
do sujeito cognoscente, que põe entre parênteses o que não
Lógica e Direito.indb 139 09/05/2016 17:16:25

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT