O mandado de segurança e seu papel na efetivação dos direitos fundamentais

AutorLucas do Monte Silva, Patrícia Borba Vilar Guimarães
Páginas187-204
Lucas do Monte Silva Patrícia Borba Vilar Guimarães
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Revista Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 5, n. 10, p. 187-204, jul./dez. 2014
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5. O direito à saúde, plasmado na Constituição, é garantia fundamental do cidadão,
indissociável do direito à vida, o que evidencia que a sua implicação significa garantir
o mínimo existencial do ser humano, consubstanciado no princípio da dignidade da
pessoa humana.
6. De acordo com a jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal, o caráter
programático da regra descrita artigo 196 da Constituição, não poderá converter-se em
promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas
expectativas da coletividade, substituir, de forma inconstitucional e ilegítima, a
efetivação de um improrrogável dever fundamental por inócua e inútil promessa
constitucional. (Superior Tribunal Federal, ARE 730104/PI, Rel. Min. Cármen Lúcia,
2013)
No caso transcrito, o Tribunal Excelso entendeu que é obrigação do Estado oferecer de
forma gratuita os medicamentos necessários, principalmente, para que as pessoas com baixa
renda que não possuam condições financeiras para procurar o melhor e mais eficaz
tratamento, o tenham. Ademais, reiterou a importância da efetivação das promessas
constitucionais, tendo em vista que a insinceridade constitucional fraudaria a pretensão e os
direitos de todos os cidadãos brasileiros.
Em outro julgado, seguindo essa linha garantidora e efetivadora, o Tribunal de Justiça
do Piauí também entendeu que a negligência da concretização de direitos fundamentais, in
casu, direito à saúde, por parte do Poder Executivo, configura abuso, oferecendo assim,
autorização para atuação do Poder Judiciário nesses casos, tendo em vista que, além de não
respeitar o art. 196 da Constituição Federal, não respeitou o mínimo existencial, núcleo
essencial para dignidade de todos, cuja efetivação é obrigatória, não oferecendo
discricionariedade ao administrador, conforme pode ser visto na transcrição da ementa de
caso exemplificado:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.
SOLIDARIEDADE ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS. DIREITO À SAÚDE.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE.
PRINCÍPIO DA SEPARAÇAO DOS PODERES. PRINCÍPIO DA RESERVA DO
POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL. PROIBIÇAO DO RETROCESSO SOCIAL.
1. A omissão da autoridade coatora em fornecer o tratamento médico vindicado pela
impetrante processual afigura-se como um abuso do Poder Executivo, suficiente a
autorizar a atuação do Poder Judiciário, uma vez que o direito à saúde, consagrado no
art. 196, da Constituição Federal, é direito fundamental que integra o mínimo
existencial, não podendo, sua concretização, ficar discricionária ao administrador.
2. A cláusula da reserva do possível não pode ser invocada pelo Poder Público, com o
propósito de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas
na própria Constituição, pois encontra insuperável limitação na garantia constitucional
do mínimo existencial.
3. O princípio da proibição do retrocesso impede o retrocesso em matéria de direitos a
prestações positivas do Estado (como o direito à saúde) traduz, no processo de
efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os
níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser
ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado.
Segurança Concedida.
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(Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, MS 201100010018683/PI,
Rel. Des. José Ribamar Oliveira, 2012).
Ressalte-se que na efetivação dos direitos fundamentais abrangidos pelo mínimo
existencial, esse cumprimento não deve ser “qualquer”, mas sim, aquele cumprimento
adequado e eficaz, que ofereça e promova a maior dignidade ao impetrante. Conforme já
entendeu o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de caso, no qual a impetrante buscou
o provimento de medicamento mais eficaz e adequado ao tratamento de doença que a afligia
não albergado pelas diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), entendendo o Tribunal
Excelso que o Estado deve fornecer o medicamento mais adequado e eficaz para a moléstia
em questão, com o fito de se proteger o princípio fundante do Estado, a dignidade da pessoa
humana:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM
MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. HEPATITE C. PROTEÇÃO
CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. LAUDO EMITIDO POR MÉDICO NÃO CREDENCIADO PELO
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). EXAMES REALIZADOS EM HOSPITAL
ESTADUAL. PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO
MINISTÉRIO DA SAÚDE.
1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como
dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos
necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz,
capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento.
Sobreleva notar, ainda, que hoje é patente a ideia de que a Constituição não é
ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário;
reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas
constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios
setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que
destina especial proteção a dignidade da pessoa humana. (Primeira Turma do Superior
Tribunal de Justiça, RMS 24197 PR 2007/0112500-5. Rel. Min. Luiz Fux).
Sobreleva notar, ainda, que podem ser impetrados e providos mandados de segurança
não só nos casos de proteção ao direito à saúde, uma vez que qualquer dano a direito
fundamental, contanto que seja líquido e certo, não sendo albergado pelo habeas corpus ou
habeas data, pode ser objeto dessa medida constitucional. A título de exemplo, em recente
julgado, o Superior Tribunal Federal entendeu que o Estado de Goiás ao extinguir turma de
ensino fundamental estaria violando garantia constitucional de todos os cidadãos brasileiros, o
direito à educação. Conforme pode ser visto na transcrição da ementa:
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE
SEGURANÇA. DIREITO À EDUCAÇÃO. ARTIGO 205, “CAPUT” DA CF/88.
ENSINO FUNDAMENTAL. EJA-EDUCAÇÃO PARA JOVENS E ADULTOS. 1 -
O administrador público deve assegurar aos cidadãos brasileiros o acesso ao ensino
obrigatório, pois a educação é direito de todos e dever do Estado, conforme estatuído

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