O marketing digital e a proteção da infância

AutorJuliana Nakata Albuquerque e Charlene Miwa Nagae
Páginas89-105
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O MARKETING DIGITAL
E A PROTEÇÃO DA INFÂNCIA
Juliana Nakata Albuquerque
Mestre em Direitos Difusos, Pós-graduada (latu sensu) em Direito Constitucional e
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Charlene Miwa Nagae
Especialista em Propriedade Intelectual e Novos Negócios pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV/SP) e Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo.
Sumário: 1. Introdução – a criança e o mundo digital – 2. A publicidade que envolve o público
infantojuvenil. A importância da compreensão do quadro normativo: restrição de temas e produtos
impróprios; e da exploração da inexperiência e credulidade da criança – 2.1 O controle misto da
publicidade infantil: o regime e os princípios éticos da Autorregulamentação e o comparativo com
os padrões internacionais – 3. Respostas regulatórias em face dos riscos às crianças associados ao
marketing digital – 3.1 Os riscos às crianças e aos adolescentes no ambiente online associados à
publicidade digital – 3.2 Princípios do conteúdo da publicidade enfatizados para o âmbito digital
– 4. Abordagem regulatória funcional: programação e conguração éticas, códigos de conduta e
autorregulamentação – 5. Considerações nais – 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO – A CRIANÇA E O MUNDO DIGITAL
A expressão “onlife” foi cunhada pelo f‌ilósofo de Oxford Luciano Floridi1, que
a descreve em analogia com a foz de um rio, em que a água não é salgada e nem doce,
mas sim salobra. Da mesma forma, tendo a tecnologia em nosso habitat, não haveria
mais sentido perguntar se estamos ou não conectados.
É nesse processo de mediação das atividades cotidianas pelos dispositivos di-
gitais, acelerado ainda mais pela pandemia global, que o Estatuto da Criança e do
Adolescente completa 30 anos. Também para as crianças, o ambiente on-line é parte
da vida diária. As últimas pesquisas2 estimam que, no mundo todo, um em cada três
usuários da Internet é uma criança. No Brasil, os dados da pesquisa TIC Kids3 ante-
1. “The Online Manifesto. Being Human in a Hyperconnected Era”. Editor Luciano Floridi. Oxford Internet
Institute. University of Oxford, Oxfordshire. United Kingdom. 2015.
2. UNICEF, Children in a Digital World. 2017.
OECD Innovation Blog.“Ensuring a safe and benef‌icial digital environment for children By Elettra Ronchi”,
Andras Molnar and Lisa Robinson. (2021). Disponível em: https://oecd-innovation-blog.com/2021/06/01/
oecd-recommendation-children-digital-environment-online-safety-risks/. Acesso em: jul. 2021.
3. Conforme a pesquisa TIC Kids Online 2019. Resumo Executivo, pg. 23: “Em 2019, 89% da população entre
9 e 17 anos era usuária de Internet no Brasil, proporção que equivale a cerca de 24 milhões de crianças e adoles-
centes na faixa etária investigada”.
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JULIANA NAKATA ALBUQUERQUE E CHARLENE MIWA NAGAE
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rior à pandemia apontam o aumento da conectividade. Entretanto o mesmo estudo
revela os elevados números de exclusão digital, acentuada em alguns segmentos
socioeconômicos e regiões do país.
Esse avanço da tecnologia tem sido acompanhado pela amplif‌icação também
de seus impactos individuais e coletivos. Muito além das alegrias pelos benefí-
cios e oportunidades ilimitadas oferecidas pelas redes de um lado, da fadiga pela
exorbitância e da indicação de problemas e consequências negativas ao tecido
sociopolítico e ao bem-estar, de outra parte, a dimensão digital está integrada à
nova condição humana.
Frente a esse contexto, nos últimos relatórios e recomendações das autori-
dades internacionais sobre a proteção da criança é possível notar uma mudança
signif‌icativa; ressaltam o papel crucial do ambiente digital, como parte importante
do cotidiano e das interações das crianças, instrumento de aprendizagem, de co-
municação, participação, de expressão de si e de sua identidade, e, ainda, decisivo
para garantir grandes benefícios e oportunidades de desenvolvimento no mundo
contemporâneo.
As dramáticas projeções mundiais de aumento da distância entre estratos socio-
econômicos encontram no acesso à tecnologia uma base para a busca por mudança
e maior equilíbrio. Como apontado no relatório da United Nations Children’s Fund
(UNICEF) “Children in a Digital World”:
“A conectividade pode ser uma virada de jogo para algumas das crianças mais marginalizadas do
mundo, ajudando-as a realizar seu potencial e quebrar os ciclos intergeracionais de pobreza.”4
Considerando esse quadro, sem a necessidade aqui de adentrar no debate das
posições f‌ilosóf‌icas divergentes sobre a presença da criança nos diversos ambientes
online, mas tendo em conta as elementares recomendações de tempo de tela5 para
cada faixa etária, importa analisar o quadro jurídico estabelecido e em vigor no país
e impõe, crucialmente, a generalizada assunção de que a proteção da infância exige
hoje o elevado compromisso, compartilhado por todos os atores políticos, econô-
micos e sociais, de possibilitar as oportunidades que o ambiente digital pode trazer
para as crianças, respeitando seus direitos e protegendo-as dos riscos.
Para melhor compreensão deste compromisso e das medidas para sua concreti-
zação no que tange às comunicações comerciais, o presente texto inicialmente elenca
as regras aplicáveis à publicidade digital, com enfoque nos anúncios que impactam
crianças e jovens, analisando, ainda as estratégias de adaptação recomendadas por
entidades internacionais, adotadas por diversos países e no Brasil, voltadas para
melhor alcance do referido equilíbrio entre a garantia equitativa de acesso a todas
4. UNICEF, “Children in a Digital World”. 2017, Key Messages, p. 01.
5. Recomendações estabelecidas por diversas autoridades. Vide “WHO Guidelines on physical activity, se-
dentary behavior and sleep for children under 5 years of age”. 2019. Disponível em: https://apps.who.int/
iris/handle/10665/311664. Acesso em: ago. 2021.
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