Meios de Defesa na Fase de Cumprimento da Sentença

AutorValter F. Simioni Silva
Páginas87-125

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5.1. Impugnação ao cumprimento de sentença

Uma das importantes alterações do sistema processual pertinente ao procedimento executivo dos títulos judiciais reside na defesa do executado. Antes era exercida por meio da ação incidental dos embargos à execução, agora, pelo incidente da impugnação. Após lavrado o auto de penhora e avaliação, com a garantia do juízo, o executado será intimado na pessoa do advogado constituído nos autos, via imprensa oficial, para, no prazo de 15 (quinze) dias, oferecer impugnação ao cumprimento da sentença (art. 415-J, § 1º).

Assim como ocorre na intimação do réu para os termos do pe-dido de liquidação (art. 475-A, § 1º), pode ser o advogado intimado por meio eletrônico, desde que implantado, pelo respectivo Tribunal, o Diário da Justiça Eletrônico, e assim esteja o profissional devidamente cadastrado, na forma da Lei nº 11.419/06.

A nova modalidade defensiva, ao contrário dos embargos, não suspende, em regra, o curso da execução, razão pela qual, é instruída e julgada em autos apartados, enquanto prossegue a execução (fase de cumprimento). Somente é lícito ao magistrado atribuir efeito suspensivo à impugnação ao cumprimento de sentença quando demonstrada, na petição, de forma conjunta e simultânea, a relevância dos fundamentos e a possibilidade de grave dano de difícil ou incerta reparação (art. 475-M).

Deferido o efeito suspensivo, a fase de cumprimento é paralisada, impedindo a prática de quaisquer outros atos executivos, até que se instrua e julgue a impugnação, nos próprios autos. Todavia, é permitido ao credor prosseguir com a execução mediante caução

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suficiente e idônea, arbitrada e prestada nos próprios autos (475-M, §§ 1º e 2º).

Julgada a impugnação, sem que a decisão importe na extinção da execução, o meio recursal previsto para impugná-la é o agravo de instrumento. Na hipótese em que o acolhimento do meio impugnativo resulte no fim da fase executiva, o recurso adequado é a apelação (475-M, § 3º).

A razão é muito singela. Na hipótese de acolhimento parcial da impugnação ou total rejeição, o processo tem prosseguimento, com o trâmite da fase de cumprimento, com relação ao crédito permanecido. Por outro lado, acolhida na sua totalidade a defesa do executado, extingue-se o processo, desafiando a decisão judicial, portanto, o único meio recursal possível: apelação.

5.1.1. Matérias suscitáveis na impugnação

O art. 475-L, do CPC, contém um rol taxativo das matérias a serem invocadas, sob pena de indeferimento liminar do pedido quando não se fundar em uma das hipóteses trazidas pelo dispositivo, diante da aplicação analógica do art. 739, inciso II, do CPC.

A impugnação somente poderá versar sobre a falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia; inexigibilidade do título; penhora incorreta ou avaliação errônea; ilegitimidade das partes; excesso de execução; qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença.

Trataremos, ainda que sucintamente, de cada uma das matérias.

5.1.1.1. Falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia

Trata-se de gravíssimo vício, atentatório ao direito de defesa do réu, verificado ainda na fase de conhecimento, que ultrapassa, inclusive, a formação da coisa julgada. É a única nulidade processual do processo cognitivo argüível na impugnação. Portanto, ainda que se verifique a existência de qualquer outro vício de nulidade absoluta

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na ação de conhecimento, com o trânsito em julgado da sentença, ocorre o sepultamento da questão, com a imutabilidade da decisão.

Conceituada pelo art. 213, do CPC, a citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado, a fim de se defender, sendo identificada pela doutrina dominante como um dos pressupostos processuais de existência do processo1, o que implica reconhecer a qualidade de ato jurídico inexistente da sentença de mérito que venha a ser proferida no processo onde não tenha ocorrido a citação.2Luiz Rodrigues Wambier explica que antes da citação do réu há no processo apenas um esboço inicial da relação jurídica processual que se formará, efetivamente, com esse ato pelo qual ao réu é dada ciência da existência de processo contra si. É assente que não existe sentença (ou outro provimento) perante o réu que não foi validamente citado e por isso não participou oportunamente do processo.3Nelson Nery Jr. não dissente, ao lecionar que muito embora com o despacho da petição inicial já exista relação angular entre autor e juiz, para que seja instaurada, de forma completa, a relação jurídica processual é necessária a realização da citação. Portanto, a citação é pressuposto de existência da relação processual, assim considerada em sua totalidade. Sem a citação não existe processo.4

Na jurisprudência há inúmeros julgados defendendo que a sentença proferida em processo em que não houve citação é coisa vã, mera aparência e carece de efeitos no mundo jurídico.5Todavia, não podemos negar a possibilidade da produção de efeitos da sentença prolatada em processo onde não tenha ocorrido o ato citatório. Na hipótese de eventual prolação de sentença condenatória a pagamen-

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to de quantia em processo onde não tenha ocorrido a citação do réu, poderá ocorrer a produção de efeitos, com a execução do comando da sentença, enquanto não declarada a nulidade do feito.

Prova disso é a previsão do art. 475-L, inciso I, que admite impugnação à fase de cumprimento de sentença versando sobre a falta da citação, se o processo correu à revelia do demandado.

Não obstante o vício do ato citatório seja a única nulidade suscitável na impugnação ao cumprimento da sentença, não se pode desconsiderar a possibilidade de alegação das demais nulidades processuais absolutas vislumbradas no processo de conhecimento, via da querela nullitatis insanabilis, ou mesmo da ação rescisória, espécies de defesas heterotópicas, adiante abordadas.

5.1.1.2. A inexigibilidade de título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF (art 475-L, § 1º)

O § 1º, do 475-L, contém redação polêmica ao permitir seja mitigado o princípio da coisa julgada material, quando o título executivo (sentença) estiver embasado em disposição legal incompatível com a Constituição Federal, assim declarado pelo STF, verbis:

Art. 475-L.

§ 1º Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considerase também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

Ou seja, se mesmo após o trânsito em julgado de determinada sentença que reconheça a obrigação de pagar quantia, houver o reconhecimento de incompatibilidade da norma em que se fundamentou a decisão judicial face à Constituição Federal, pelo STF, é permitido ao executado, na fase impugnativa, invocar a inexigibilidade da sentença. Trata-se de permissivo legal à fiexibilização da coisa julgada material, tema divergente na doutrina.

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5.1.1.2.1. Coisa julgada inconstitucional

Segundo Liebman, coisa julgada é a imutabilidade do comando emergente de uma sentença6, sendo considerada sob o aspecto formal e material. O primeiro torna imutável a sentença e o segundo, seus efeitos e conteúdo. A imutabilidade e indiscutibilidade da sentença surgem no momento em que não é mais cabível a interposição de qualquer recurso, quando ocorre, então, o trânsito em julgado da decisão. A coisa julgada formal é, portanto, fenômeno interno ao processo.

Na coisa julgada material há resolução do mérito, alcançandose a imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo da sentença, seja declaratório, condenatório ou constitutivo, conforme a classificação da ação, impedindo, assim, a rediscussão da causa em outro processo. Nos dizeres de Dinamarco, a coisa julgada material, não é instituto confinado ao direito processual. Ela tem, acima de tudo, o significado político-institucional de assegurar a firmeza das situações jurídicas, tanto que erigida em garantia constitucional.7Eventualmente, a sentença passada em julgado pode retratar alguma incompatibilidade com disposição ou princípio constitucional, como na hipótese em que a decisão esteja fundamentada em lei ou ato normativo declarado inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal. Surge, assim, a discussão sobre a possibilidade de se relativizar a coisa julgada inconstitucional.

Eduardo Talamini, sobre a denominação do instituto, alerta que a coisa julgada é apenas a qualidade de imutabilidade que recai sobre o comando contido na sentença. Não se confunde com o próprio conteúdo da sentença, com seus fundamentos ou sequer com seu decisum. Portanto, quando se alude a ‘coisa julgada inconstitucional’, tem-se em vista uma ‘inconstitucionalidade’ que reside na própria sentença: está pressuposto ou situada no decisum, ou de é um refiexo

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- e a coisa julgada só faz perpetuar esse comando. A rigor, trata-se de ‘sentença...

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