Os meios de vigilância à distância

AutorSusana I. P. Ferreira Dos Santos Gil
CargoProfessora adjunta na Escola Superior de Comunicação, Administração e Turismo do Instituto Politécnico de Bragança
Páginas101-113

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EXCERTOS

"Os meios de vigilância à distância são expressão das novas tecnologias que se desenvolvem e se aperfeiçoam"

"O empregador português não poderá usar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante a utilização de equipamento tecnológico, com o propósito de controlar o desempenho profissional do trabalhador"

"Parece-nos que se o GPS estiver instalado num automóvel afeto exclusivamente para o trabalho, a sua utilização não ofenderá o direito à privacidade e intimidade do trabalhador"

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Introdução

As relações sociais têm sido afetadas pela globalização e pelo desenvolvimento das sociedades modernas. A utilização de ferramentas tecnológicas revolucionou as práticas sociais e influenciou a concepção das relações jurídicas e, em particular, das relações de trabalho. Existem então várias tecnologias postas à disposição do trabalhador pelo empregador, tais como o computador, internet, correio eletrónico, telefone/telemóvel e os meios de vigilância à distância.

O presente artigo tem como intuito tecer breves reflexões sobre a utilização destes meios, que deverá ser sempre coadunável com os princípios da proteção dos dados pessoais e da vida privada do trabalhador; um lacónico comentário sobre o uso do Global Positioning System (GPS) no contexto laboral; e, por último, algumas considerações sobre a utilização dos meios de vigilância como meios de prova.

1. Considerações gerais sobre os meios de vigilância à distância

Os meios de vigilância à distância são expressão das novas tecnologias que se desenvolvem e se aperfeiçoam. Respeitam a sistemas de captação de som e de imagem, isto é, a sistemas de videovigilância: "câmaras de vídeo, equipamento audiovisual, microfones dissimulados ou mecanismos de escuta e registo telefónico"2.

A utilização de sistemas de videovigilância poderá ter efeitos positivos no que concerne à proteção e segurança das pessoas e bens; contudo, há que ter em conta a proteção dos dados pessoais e da vida privada. Ao que sabemos, muitas das legislações europeias fazem uma proibição generalizada do controlo à distância por meio de equipamentos audiovisuais, em virtude de o controlo tecnológico poder ser ininterrupto e hostil, e desta forma causa de mal-estar e de stress laboral, invadindo a intimidade do trabalhador3.

Em Portugal, sempre que o empregador português recorra às novas tecnologias e proceda ao tratamento de dados pessoais, aplicar-se-á a lei 67/98, de 26 de outubro4. De acordo com o artigo 35º, n. 2, da

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Constituição da república Portuguesa (CRP), "a lei define o conceito de dados pessoais, bem como as condições aplicáveis ao seu tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização, e garante a sua proteção, designadamente através de entidade administrativa independente". Na noção de "dados pessoais", a lei 67/98 considera que está em causa "qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respetivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável", a qual denomina de "titular dos dados". O artigo 2º deste diploma estipula princípios fundamentais nesta matéria e consagra que o tratamento de dados deve processar-se "de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada", bem como pelos "direitos, liberdades e garantias".

A utilização destes meios de vigilância está dependente da autorização da comissão nacional de Proteção de Dados (CNPD). A sua Deliberação 61/2004, relativa aos princípios sobre o tratamento de dados por videovigilância, invoca alguns princípios estipulados pelo conselho da Europa acerca desta temática. Entre eles, o fato de considerar de extrema importância que as entidades responsáveis pela recolha de imagens definam a "localização das cameras e as modalidades de registo (registo e conservação das imagens, ângulos utilizados, escolha de ‘grandes planos’ e scanner de imagens)"; que "reduzam o campo visual em função da finalidade prosseguida" e "procedam à recolha de imagens no estritamente necessário à finalidade prosseguida, sendo dispensáveis grandes planos ou detalhes não relevantes em função dos objetivos a que se propõe o responsável"5.

Os dados pessoais recolhidos através desses meios, por imperativo legal, apenas serão conservados durante o período necessário para atingir os objetivos da utilização a que se destinam. No caso de o trabalhador ser transferido para outro local de trabalho ou no caso de cessação do contrato de trabalho, esses dados deverão ser destruídos, nos termos do artigo 21º, n. 3, do código do trabalho (ct)6. Júlio Gomes critica esta solução legislativa: se os dados tiverem sido recolhidos de forma lícita e fundamentado um despedimento, não deverão ser destruídos "enquanto não tiver decorrido o prazo para impugnação do despedimento ou durante toda a duração de todo o processo judicial se o despedimento tiver sido impugnado"7.

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O empregador português não poderá usar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante a utilização de equipamento tecnológico, com o propósito de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Na verdade, "os meios de vigilância à distância não podem ser convertidos em meios de controle, à distância, do desempenho do trabalhador"8. O tratamento de dados pessoais dos trabalhadores pode, de fato, apresentar-se como legítimo "se tiver como fundamento o contrato de trabalho ou se se revelar necessário ao exercício da atividade económica do respectivo responsável"9. Assim, para uma lícita utilização dos referidos equipamentos, exige-se que esteja em causa a proteção e segurança das pessoas e dos bens (inter alia, estabelecimentos comerciais e agências bancárias) ou ainda determinados tipos de atividades queenvolvam riscos para os trabalhadores, como acontece com a utilização de certas substâncias perigosas ou em determinados ambientes (minas, pedreiras, indústrias de pirotecnia e de explosivos, centrais nucleares, entre outros). Há ainda que respeitar o princípio da proporcionalidade, da adequação e da necessidade para que seja permitida a captação, tratamento e difusão de sons e imagens. As medidas serão proporcionais quando a medida for equilibrada; adequada quando é capaz de atingir o objetivo apresentado; e necessária quando não existir outra medida mais moderada para alcançar o mesmo fim com a mesma eficácia10.

OS TRABALHADORES DEVERÃO SER INFORMADOS SOBRE OS MEIOS DE VIGILÂNCIA À DISTÂNCIA UTILIZADOS PELO EMPREGADOR

Seja qual for o meio de vigilância em causa, é fundamental o cumprimento do dever de informação. O empregador deverá informar os trabalhadores relativamente aos meios utilizados e quais as finalidades subjacentes ao pedido11. O dever de informação deverá ser cumprido pela afixação de avisos no local de trabalho e, ainda, por escrito (carta ou e-mail) ou por uma conversa geral com os trabalhadores ou individual com cada um deles. Assim, os trabalhadores deverão ser informados sobre os meios de vigilância à distância utilizados pelo empregador12.

Para todos os efeitos, não raras vezes, o controlo realiza-se sem a respectiva autorização administrativa e/ou sem o conhecimento do

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próprio trabalhador. Não existindo autorização/notificação à entidade administrativa ou caso não se cumpra o dever de informação ao trabalhador, estaremos perante um controlo oculto, insidioso, que é lesivo da liberdade do trabalhador.

No que respeita ao teletrabalho13, na modalidade domiciliária, está fora de questão a colocação de equipamentos daquela índole, tal como o fizeram algumas empresas britânicas e japonesas14. Por seu turno, quando a prestação da atividade é exercida em telecentros, aqui dependerá da justificação apresentada pelo empregador português à CNPD; neste caso, aplicar-se-ão, mutatis mutandis, as regras previstas para uma situação de trabalho clássico.

2. Global Positioning system

O Global Positioning System, mais conhecido pela sigla de GPS, sistema de...

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