Método da investigação criminal

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MÉTODO DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Colhemos na doutrina processual penal o princípio da investigação
(Silva Pereira, 2019, p. 43), que consiste na busca da verdade fática sobre
um evento criminal, por meio de métodos e técnicas disponíveis à ação
investigativa. Esse princípio compõe a cultura jurídica criminal e fun-
damenta todo ato investigativo, e acaba gerando o dever-poder estatal
de conhecer os fatos criminais e aplicar a pena correspondente, segundo
estatuto axiológico e epistemológico que pode sofrer inuência do mo-
delo de persecução e do modelo de justiça criminal adotado em dado
momento histórico.
O estudo do método da investigação criminal exige uma revisão
dos métodos cientícos e, consequentemente, possibilita identicar um
método próprio, muito similar aos métodos manejados em outras áre-
as. Veremos que a investigação criminal não compagina com a unidade
metodológica, devido à multiplicidade de fenomenologias enfrentadas
pelos criminalistas.
Método é o caminho a ser seguido para atingir determinado re-
sultado, ou se refere às técnicas empregadas para adquirir conhecimen-
to, conforme Hegenberg (1995, p. 137). Por sua vez, Marconi e Lakatos
(2007, p. 46) consideram como método “o conjunto de atividades
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Célio Jacinto dos Santos
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sistemáticas e racionais que, com maior economia e segurança, permite
alcançar um objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros.
Veremos então, diversos métodos que podem ser úteis à investi-
gação criminal, mas concluiremos que o método abdutivo de Charles
Sanders Peirce se identica integralmente com o método investigativo
por excelência, principalmente na sua etapa de descobrimento.
4.1. Método abdutivo
Os métodos mais divulgados e conhecidos no âmbito da teoria do
conhecimento e nos manuais de metodologia, são a dedução e a indu-
ção. Na doutrina e na prática policial eles são sempre lembrados. Charles
Sanders Peirce (1839-1914) desenvolveu a abdução como terceira infe-
rência, considerada o método por excelência da investigação policial, do
detetive, conforme Humberto Eco e omas Sebeok, levando em conta
os estudos sobre os contos policiais de Conan Doyle com seu Sherlock
Holmes, de Edgar Alan Poe com Dupin, Voltaire com Zadig, realizados
na obra O signo de três.
A abdução é a inferência do particular para o particular passando
pelo geral. Parte do resultado e por intermédio da norma vai ao caso a
ser explicado. Ela possui natureza heurística e visa descobrir hipóteses
diferentemente da analogia que trabalha com hipóteses construídas. O
raciocínio abdutivo amplia o conhecimento, propicia a formulação de
hipóteses criativas e integra o contexto de descoberta, em vez da indu-
ção e da dedução que geralmente é usada no contexto de justicação, ou
seja, para a validação ou conrmação de hipótese.
Com esses construtos sobre a aquisição do conhecimento, observa-
-se aspectos de construção lógica na investigação, em vez de processos
imaginativo, psicológico, a adivinhação, o acaso, o insight, a intuição,
presentes no pensamento de Popper e Reichenbach, corroborando o
pensamento de Dutra que chega a identicar os traços gerais presentes
em todas as investigações.
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Pelo conceito de Peirce (2017. Apud Santaella, 2004, p. 102 e Eco
2014, p. 13), a abdução:
a) “Todas as ideias da ciência chegam a ela por meio da abdução que
consiste em se estudar fatos e se inventar uma teoria para explicá-
-los.” (Santaella, 2004, p. 102).
b) “É o processo de formação de uma hipótese explicativa. É a única
operação lógica que apresenta uma ideia nova.” (Peirce, 2017, p. 220)
c) A abdução é originária pelo fato de ser o único tipo de argumento
que inicia uma ideia nova.” (Peirce, 2017, p. 30)
d) “Primeiro degrau do raciocínio cientíco”. (Sebeok, 2014, p. 23)
e) “É o procedimento de adotar uma hipótese ou proposição que con-
duziria a predição daquilo que pareceriam serem fatos surpreenden-
tes.” (Sebeok, 2014, p. 23)
f) “Cobre todas as operações pelas quais teorias e concepções são en-
gendradas.” (Santaella, 2004, p. 102)
g) A explicação deve ser uma proposição tal que levaria à predição dos
fatos observados, quer como consequências necessárias, quer, pelo
menos, como muito prováveis sob certas circunstâncias. Uma hipó-
tese, então, tem de ser adotada como plausível nela mesma e tornan-
do os fatos plausíveis. Esse passo de se adotar uma hipótese como
sugerida pelos fatos é o que chamo de abdução.” (Apud Santaella,
2004, p. 93)
4.1.1. Estrutura lógica da abdução
Como vimos no capítulo sobre o conceito de investigação, para
Peirce a abdução é o estágio inicial da investigação, na qual o investiga-
dor elabora e escolhe hipóteses explicativas para um conjunto de fatos
surpreendentes, ou fato isolado, que demanda explicação. Continua o
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