O Microcrédito Produtivo Orientado no Brasil: um Panorama da Evolução do Quadro Regulatório, dos Atores Institucionais e de seu Efeito na Superação da Pobreza

AutorPaulo Soares Sampaio
CargoMestre em Direito pela Universidade de Brasília
Páginas47-104
O Microcrédito Produtivo Orientado no Brasil ... (p. 47-104)
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SAMPAIO, P. S.
O Microcrédito Produtivo Orientado no Brasil: um Panorama da Evolução do Quadro Regulatório,
dos Atores Institucionais e de seu Efeito na Superação da Pobreza
.
Revista de Direito Setorial e Regulatório
,
Brasília, v. 2, n. 2, p. 47-104, outubro 2016.
O Microcrédito Produtivo Orientado no Brasil: um Panorama da
Evolução do Quadro Regulatório, dos Atores Institucionais e de seu
Efeito na Superação da Pobreza
Microcredit in Brazil: An Overview of the Regulatory Framework
Evolution, Institutional Actors and Effect on Poverty Reduction
Submetido(
submitted
): 20/11/2015
Paulo Soares Sampaio*
Parecer(
revised
): 15/01/2016
Aceito(
accepted
): 25/09/2016
Resumo
Propósito
– O artigo analisa a evolução do quadro regulatório do microcrédito produti vo
orientado, a atuação de seus principais atores institucionais e apresenta os resultados dos
estudos brasileiros de impacto desta modalidade de crédito na supe ração da pobreza.
Metodologia/abordagem/design
O estudo apoia-se nas perspectivas histórica e
institucional para analisar a regulação do microcrédito produtivo orientado e a atuação de
suas instituições e nos trabalhos de pesquisa empírica para a análise de seus efeitos na
superação da pobreza.
Resultados
O microcrédito tem um impacto positivo, embora limitado, para a
superação da pobreza pelos microempreendedores de baixa renda. Todavia, as
características da operação de microcrédito e o quadro regulatório atual não propiciam os
incentivos para a atuação da iniciativa privada na concessão de microcrédito, em especial
para os segmentos de mais baixa renda.
Implicações práticas
Espera-se que este artigo possa apoiar o trabalho de
pesquisadores interessados na análise e formulação de propostas de políticas públicas
ligadas ao microcrédito produtivo orientado e na inserção social e produtiva dos
segmentos de baixa renda.
Originalidade/relevância do texto
O artigo sintetiza a evolução normativa referent e ao
microcrédito produtivo orientado no Brasil e os estudos do impacto do microcrédito
produtivo orientado na superação da pobreza realizados no Brasil.
Palavras-chave: regulação, microcrédito produtivo orientado, superação da pobreza,
Brasil.
Abstract
Purpose
This article analyzes the evolution of microcredit legal framework, the
performance of its main institutional actors and presents the results of impact studies of
this type of credit in the overcoming o f poverty in Brazil.
Methodology/approach/design
This study is based on historical and institutional
perspectives to describe the evolution of microcredit regulation and its institutions, and
on empirical research works to evaluate its effects on poverty reduction.
*
Mestre em Direito pela Universidade de Brasília. Professor do curso de pós-graduação
em logística do IESB. Analista no Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do
Banco Central do Brasil. Tem experiência nas áreas de Di reito e Engenharia, com atuação
técnica e gerencial no Brasil e no Exteri or. Email: paulossampaio@gmail.com.
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O Microcrédito Produtivo Orientado no Brasil: um Panorama da Evolução do Quadro Regulatório,
dos Atores Institucionais e de seu Efeito na Superação da Pobreza
.
Revista de Direito Setorial e Regulatório
,
Brasília, v. 2, n. 2, p. 47-104, outubro 2016.
Findings
Microcredit has a positive impact, although limited, on the overcoming of
poverty by low income entrepreuners. However, microcredit operational characteristics
and the present regulatory framework do not provide incentives to the private sector to
concede microcredit, especially for the lower income segment.
Practical implications
This paper can be useful as groundwork for researchers
interested in the analysis and formulation of proposals of microcredit public policies and
in the social and productive insertion of low income segment s.
Originality/value –
This article presents a synthesis of the microcredit regulatory
development in Brazil and the results of Brazilian studies on the effects of microcredit on
poverty reduction
.
Keywords:
regulation, microcredit, poverty reduction, Brazil.
1. O microcrédito: uma breve introdução
Mais de 50 bilhões de reais, entre 2005 e 2015, foram concedidos em
empréstimos a microempreendedores no Programa Nacional de Microcrédito
Produtivo Orientado modalidade de concessão de empréstimos de pequeno
valor sem garantias reais a um público de baixa renda, com metodologia
específica com o objetivo de apoiar o desenvolvimento inclusivo, a superação
da pobreza, a garantia do trabalho, e a garantia da renda.
Descrito como uma estratégia de superação da pobreza, o microcrédito
produtivo moderno teve suas origens nas experiências da União Nordestina de
Assistência à Pequenas Organizações (UNO), e tornou-se mundialmente
conhecido a partir das experiências de Muhammad Yunus (economista de
Bangladesh que estabeleceu a primeira referência mundial em microcrédito, o
Banco Grameen). Após expandir-se a numerosos países do mundo, passar por
diversas modificações, e atingir resultados substancialmente distintos nos países
e organizações que o praticam, entrou em crise na primeira década deste século.
Os efeitos do microcrédito, antes pouco questionados, passaram a enfrentar
críticas de pesquisadores e de economistas, sem que tenham chegado a um
consenso.
Os múltiplos significados atribuídos ao conceito de microcrédito,
matizados por vieses ideológicos, contribuem para uma diversidade de
interpretações sobre o microcrédito. No Brasil, transformado em programa
governamental - o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado - o
microcrédito sofreu importantes transformações quanto ao seu significado e
quanto à forma de atuação governamental no manejo desta política, em especial
no que se refere aos incentivos.
Apesar do grande crescimento do programa, incentivado por juros
reduzidos e pela concessão de subsídios pelo Programa Crescer, a concessão de
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Brasília, v. 2, n. 2, p. 47-104, outubro 2016.
microcrédito produtivo orientado ainda é substancialmente inferior ao mercado
potencial esperado de dez milhões de microempreendedores.
Passados mais de dez anos da edição da Lei 11.205/2005, com esforços
intensivos do governo dentro do Programa Crescer para o aumento da
quantidade de operações de microcrédito produtivo orientado, mostra-se
oportuno apresentar um panorama da evolução do quadro regulatório do
microcrédito produtivo orientado, de sua oferta e demanda, e dos estudos de
impacto desta modalidade de crédito no Brasil.
2. A evolução normativa
Segundo Bittencourt (2005, p. 2-6), a evolução do microcrédito e de sua
regulamentação no Brasil pode ser dividida em cinco fases. A primeira fase
corresponde ao período de 1972 a 1988, em que o microcrédito era concedido
exclusivamente por Organizações não Governamentais (ONGs), cuja gestão era
focada no objetivo do financiamento, e não no retorno financeiro do crédito
concedido. A prática do microcrédito no Brasil, nessa primeira fase, não teve
amparo de regulamentação específica.
No período correspondente à segunda fase - de 1989 a 1997 - os
governos municipais tornaram-se atores do microcrédito, com a constituição de
programas ou organizações que operavam diretamente com os
microempreendedores (BITTENCOURT, 2005, p. 3). Nessa fase, a concessão
de microcrédito não possuía ainda marco regulatório. Destaque-se que, antes de
1995, a instabilidade econômica e a vedação legal à cobrança de juros superiores
a doze por cento ao ano1 não incentivavam o desenvolvimento dessa modalidade
de crédito.
Os primeiros passos que levariam à futura construção dos marcos legais
referentes ao microcrédito produtivo orientado foram realizados pelo Conselho
da Comunidade Solidária2 em 1997. Naquele ano, a Quinta Rodada de
Interlocução Política do Conselho da Comunidade Solidária, que teve como
tema Alternativas de Ocupação e Renda”, identificou que “o chamado
1
A limitação de juros ao dobro da taxa legal foi objeto do art. 1º do Decreto n
o
22.626, de
7 de abril de 1933 (BRASIL, 1933). A taxa legal era estabelecida pelo art. 1.062 do
Código Civil de 1916 e correspondia a seis por cento ao ano (BRASIL, 1916).
2
O Programa Comunidade Solidária cujo conselho (Conselho da Comunidade
Solidária) vinculava-se à Presidência da República foi instituído pelo Decreto n
o
1.366,
de 12 de janeiro de 1995, tendo como objeto a coordenação das “ações governamentais
voltadas para o atendimento da parcela da população que não dispõe de meios para prover
suas necessidades básicas e, em especial, o combate à fome e à pobreza” (BRASIL,
1995). O programa tinha como prioridade as ações governamentais nas áreas de
alimentação e nutrição, serviços urbanos, desenvolvimento rural, geração de emprego e
renda, defesa de direitos e promoção social.

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