Migração forçada e mineração: A Cidade de Maceió-AL sob a Ótica dos Direitos Humanos/Forced migration and mining: The City of Maceió-AL under the human rights perspective.

AutorTeles, Rikartiany Cardoso

Introdução

Nos últimos anos, um dos principais problemas enfrentados na área das relações internacionais refere-se àquestão ambiental. Desde 1972, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou a primeira conferência mundial sobre meio-ambiente, os grupos ambientalistas já alertavam os Estados acerca do impacto dos nÃÂveis crescentes de produção e consumo sobre o planeta.

Vinte anos mais tarde, na Conferência das Nações Unidas Rio-92, chegou-se a um consenso sobre a necessidade de se assinar uma convenção especÃÂfica para o problema das mudanças climáticas, nascendo assim Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (CQNUMC), onde deslocados ambientais estão inseridos (BRASIL, 2016), o que externa a preocupação e necessidade urgente de se debater e pensar em soluções para os diversos conflitos e violações de direitos humanos ocasionados pela questão ambiental.

Tal pesquisa tem por objetivo refletir sobre a equivocada dicotomia existente entre a soberania dos Estados e a problemática dos deslocados ambientais, a exemplo do caso alagoano que trataremos ao longo desse artigo, problematizando o fato de que tal dicotomia permite a violação a diversos direitos humanos, a exemplo do direito àmoradia e trabalho dignos, educação, saúde, entre outros.

Apesar de não se enquadrar como migração forçada internacional mas como deslocamento interno, o caso da subsidência do solo, em alguns bairros de Maceió-AL, que encontra-se em curso, demonstra a necessidade de ampliar os estudos, discussões e colocar em pauta essa categoria de migração forçada, para assim escutar e pensar quais direitos são violados e como interromper esse processo de revitimização. Quando se pensa que o desastre acabou, é exatamente nesse momento que ele continua gerando ainda mais danos, materiais e morais.

A partir de uma metodologia quantitativa, de pensadores crÃÂticos das áreas, bem como dos autores e das autoras lidos em nossas aulas, vamos aprofundar o tema deste estudo. Na primeira seção nos debruçaremos sobre os conceitos de Soberania e direitos humanos a partir de Kenkell (2012), intervenção humanitária sob o olhar de Téson (1998) e conflitos socioambientais com os aportes de Acserald (2018).

Já na segunda seção será estudado o conceito de deslocados ambientais a partir da leitura de Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR,2021), Walker (2013) sobre os limites da soberania estatal diante de violações de direitos humanos e Bellamy (2015) sobre a responsabilidade de proteger.

E na terceira e última parte analisaremos um caso concreto, que vem ocorrendo na capital alagoana, Maceió, onde mais de 60 mil pessoas estão em migração forçada, ocasionada pelo já considerado maior desastre mineral em curso do Brasil, a partir de apontamentos de Coelho (2015) sobre mineração, Zhouri, (2018) acerca da exploração extrativa e seus impactos socioambientais, dados da Defesa Civil (2021) de Maceió-AL sobre o caso em tela.

Dessa forma, a dificuldade para a criação de um instrumento normativo para os migrantes forçados ambientais está pautada mais no aspecto polÃÂtico do que conceitual. Pensar em migração ambiental, soberania estatal e direito humanos é refletir sobre hoje, para resolver não só o futuro, mas o presente.

  1. Soberania, intervenção humanitária e lides socioambientais

    A palavra "soberania" tem origem do latim superanus, que explana "grau supremo da hierarquia polÃÂtica (GOYAR-FABRE, 1999), que exprime a ideia de primazia, invoca um grau de superioridade, de poder sobre algo. Assim, ele pode ter um alcance absoluto, como também relativo (MELLO,1999).

    Nesse diapasão, expõe Paulo Bonavides (2009),

    O princÃÂpio da soberania começa historicamente por exprimir a superioridade de um poder, desembaraçado de quaisquer laços de sujeição. Tomava-se a soberania pelo mais alto poder, a supremitas, que constava já na linguagem latina na Idade Média, por traço essencial com que distinguir o Estado dos demais poderes rivais, que lhe disputavam a supremacia no curso do perÃÂodo medievo. Essa rivalidade entre poderes que disputam territórios por maior poder decisório nasce da ideia de autonomia de uma nação soberana sobre as demais. E isso, também, parte do conceito de Estado, da filosofia polÃÂtica na Modernidade, a separação entre governantes e governados, mesmo que já existisse uma ideia vaga de soberania.

    Esse rompimento para a formação do Estado moderno e avanço do sentido de soberania ocorre quando o governante deixa de ser o mais importante para a construção do poder, tem um papel ordenador legal e constitucional, ocorre a separação entre elementos que formam a sociedade civil, o próprio Estado e a indisponibilidade do mesmo (KRITSCH, 1992).

    Kenkell (2012) coloca que, essa relação entre soberania e direitos humanos, se dá a partir da evolução entre soberano e cidadãos, ao passo que, cada qual, individualmente e coletivamente, avança na igualdade de direitos e deveres, bem como na sua relevância na atuação polÃÂtica, a restrição ao conceito de soberania (de modo ilimitado), em decorrência de violações àdireitos humanos, é necessária para possibilitar intervenções humanitárias, evitar ou minorar catástrofes e ameaças àpaz internacional e àsegurança.

    O jurista argentino Tesón (1998) explicita que, intervenção humanitária pode ser definida como ajuda transfronteiriça proporcional, podendo também ser pela força, provida por governos a indivÃÂduos em outro Estado aos quais estão sendo negados os seus direitos humanos básicos, sendo que estes indivÃÂduos estariam racionalmente voltados a se contraporem ao seu governo opressivo. O princÃÂpio da soberania estatal constitui mais uma prática polÃÂtica do que uma questão legal.

    Tais conceitos podem ser aplicados em diversos conflitos, tais como os ambientais, ou seja, determinadas intervenções humanitárias podem ocorrer em detrimento da ausência de direitos básicos e violações a direitos humanos, sendo a soberania limitada quando da necessidade da intervenção, como no caso de conflito socioambiental, que veremos a seguir.

    1.1 Conflitos Socioambientais

    A problemática ambiental e as desigualdades sociais colocam as populações em situações de risco e vulnerabilidade. Refletir sobre populações atingidas por conflitos socioambientais, é debater sobre a legitimidade, posse e uso do território, bem como os métodos de ocupação desses espaços, a construção dos sujeitos que devem ou não deter tais direitos perpassam sobre o interesse daqueles que criam e influenciam as leis.

    Se uma comunidade resiste aos interesses de um grupo empresarial, por exemplo, ele passa a ser alvo de silenciamento e invisibilização; a forma de vida, o método pelo qual a comunidade se relaciona com o território e as histórias ali construÃÂdas devem ser apagadas ou irrelevantes; o lugar, segundo Escobar (2005), passa pela relação entre cultura, natureza e economia. Pensar o local, regional, internacional e o sul global é esbarrar na dominação capitalista que está no centro da narrativa do desenvolvimento e tende a desvalorizar a natureza do lugar ou qualquer desenvolvimento não capitalista. Nesse sentido, a colisão entre os interesses distintos é inevitável e fundamental para a sobrevivência de determinados povos, gerando conflitos.

    O conflito...

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