Mistérios do superendividamento do consumidor
Autor | Ricardo Calil Fonseca |
Cargo | Advogado |
Páginas | 18-19 |
TRIBUNA LIVRE
18 REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 663 I ABR/MAIO 2020
Ricardo Calil Fonseca ADVOGADO
MISTÉRIOS DO SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR
Segundo levantamento do
Serasa Experian, no pri-
meiro semestre de 2019 a
inadimplência atingiu 63
milhões de consumidores bra-
sileiros, marcando um recorde
histórico1.
Os múltiplos canais de in-
formação na atualidade, espe-
cialmente o audiovisual, veicu-
lando videoaulas de educação
financeira, vieram para ficar e
estão cada vez mais populares,
prestando um bom serviço, in-
clusive sem custo aos usuários,
a exemplo do YouTube, o mais
popular deles.
Mesmo com esta democra-
tização de informações, os nú-
meros mostram que há muito
que aprender sobre a base da
economia doméstica, cuja con-
ta, aparentemente simples, é
ensinada a todos em ditado po-
pular: “Não gaste mais do que
ganhe!” Ainda assim, no final, a
equação não fecha.
Excluindo desta análise o ce-
nário econômico ou as medidas
macroeconômicas de governo
que afetam o (des)emprego, o
consumismo possivelmente é
uma das causas destas dificul-
dades, e se alimenta, no mais
das vezes, de necessidades arti-
ficiais, criadas por uma espécie
de engenharia social que infil-
tra em nossa mente uma “von-
tade” insaciável de consumir.
Uma vez impregnadas estas
necessidades artificiais, advém
a compulsão sem fim, às vezes
variando quanto ao objeto. E,
assim, em certos momentos,
sofremos por não ter o carro do
ano, uma joia ou o último smar-
tphone lançado; nem sempre
estamos atentos à necessidade
real e que não estoure o cartão
de crédito ou o cheque especial.
Em 1818, já na fase da revo-
lução industrial, porém ainda
sem uma infinidade de pro-
dutos no mercado, o filósofo
Schopenhauer intuía que, em
algum momento, o querer, que
até então servia a inteligência,
acabaria sendo suprimido: “A
obra última da inteligência será
a supressão do querer, a cujos
fins havia servido até então.”2
Assim, nossa vontade, que,
a princípio, deve se assentar
na inteligência, na razão e nos
bons propósitos, enfraquece-
-se, sendo substituída pela
vontade do mercado e do
mundo empresarial, o qual,
em primeiro momento, vende
sonhos, mas quiçá à custa de
algum pesadelo.
O pensador polonês Zyg-
munt Bauman, falecido em
2017, se debruçou com afinco
sobre o tema consumismo, em
sua obra Vida para Consumo –
A transformação das pessoas
em mercadoria, de 2008.
Para ele, a submissão das
pessoas às técnicas do marke-
ting e ao consumismo ocorre
com o concurso do consumi-
dor, desejoso de atrair a aten-
Guilherme Scarpim
Rev-Bonijuris__663.indb 18 17/03/2020 17:32:21
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