O modelo social de direitos humanos e a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência - o fundamento primordial da Lei nº 13.146/2015

AutorNelson Rosenvald
Ocupação do AutorPós-Doutor em Direito Civil Universidade Roma Tre (IT). Doutor e Mestre pela PUC-SP
Páginas157-176
O Modelo Social de Direitos Humanos e
a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com
Deficiência – o fundamento primordial
Nelson Rosenvald*
“Life ... is a tale
told by an idiot, full of sound and fury,
Signifying nothing.
(William Shakespeare, Macbeth)
1. Introdução
Em 7 de julho de 2015 foi publicada a Lei nº 13.146/15, o Estatuto da
Pessoa com Deficiência, contendo 127 artigos. A normativa entrou em vigor
180 dias após a sua publicação, com acentuada repercussão sobre todo o
sistema jurídico, notadamente no plano do direito civil. O diploma legal
materializa a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Defi-
ciência de 13.12.2006, ratificada pelo Congresso Nacional por meio do De-
creto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, em conformidade com o
procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição da Republica Fe-
derativa do Brasil, em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde
31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agos-
to de 2009, data de início de sua vigência no plano interno.1
*
Pós-Doutor em Direito Civil Universidade Roma Tre (IT). Doutor e Mestre pela
PUC-SP. Professor Pesquisador da Faculdade de Direito de Coimbra (PO). Procura-
dor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.
1 A aprovação da Convenção Internacional representa a conclusão de um longo cami-
nho voltado à reafirmação da Conferência de Viena das Nações Unidas sobre Direitos
Humanos, de 25/6/1993, do princípio da “universalidade, indivisibilidade, interde-
pendência e inter-relação de todos os direitos humanos”. Este texto foi o embrião do
projeto de uma Convenção Internacional compreensiva de proteção e promoção dos
direitos e da dignidade da pessoa com deficiência.
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Em seus 50 artigos, a Convenção de Nova York substancializa os incisos
I e IV do art. 3º da Constituição Federal no plano da promoção do valor
inerente das pessoas com deficiência: “Constituem objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil: I — construir uma sociedade livre, justa
e solidária; IV — promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.2 Por
conseguinte, sendo o objeto da CDPD (art. 1º) o princípio da não discrimi-
nação, com o propósito de “promover, proteger e assegurar o exercício ple-
no e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por
todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade
inerente”, indubitavelmente estamos diante de uma janela de oportunida-
des para que o sistema jurídico brasileiro garanta a igualdade de oportunida-
des3 que sejam dispostas na comunidade, restaure a visibilidade de cidadãos
historicamente relegados ao limbo e impeça que, pelo motivo de deficiên-
cia, uma pessoa sofra menos valia em sua trajetória de vida.
2. Revisando a Teoria das Incapacidades
“Ninguém é doido. Ou então, todos”. Na infindável lista de neologismos
cunhados por Guimarães Rosa, o personagente é mais do que personagem e
menos do que protagonista. Está no meio do caminhos entre as coisas e os
adultos tidos como normais. Os personagentes pertencem a duas categorias,
os loucos e as crianças. Os da primeira são particularmente numerosos no
universo roseano. Rodeados da áurea de sapiência e santidade de que os
cerca o povo, exibem infindáveis esfumaturas e gradações da demência. Im-
possível traçar, aliás, a linha de demarcação entre esta última e a normalida-
de, tanto mais quanto por vezes a mais previdente e calculadora sabedoria
se disfarça em mania, enquanto a loucura pode heroicamente adotar solu-
ções de bom senso que a razão pusilânime não ousa levar em consideração.4
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2 Ao contrário do art. 3º da Constituição italiana, a nossa Lei Maior não foi explícita
a ponto de inserir dentre os deveres do Estado o de “remover os obstáculos de ordem
social e econômica que, limitando de fato a liberdade e igualdade dos cidadãos, impe-
dem o pleno desenvolvimento da pessoa humana”.
3 Entende-se igualdade de oportunidades como “o processo mediante o qual os di-
versos sistemas da sociedade, o entorno físico, os serviços, as atividades, a informação
e a documentação se põem à disposição de todos, especialmente as pessoas com defi-
ciência”. (Normas Uniformes das Nações Unidas sobre a Igualdade de Oportunidades
das Pessoas com Deficiência).
4 No livro Primeiras Estórias Paulo Ronaí elabora ensaio com rica nota introdutiva,
na qual descreve a densa simbologia das vinte e uma estórias, além do caráter polissê-
mico dos seus personagens. Editora Nova Fronteira, 2005.

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