A modulação do art. 927, § 3º, do CPC

AutorTeresa Arruda Alvim
CargoLivre-docente, Doutora e Mestre em Direito pela PUC-SP
Páginas155-172
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Revista Judiciária do Paraná – Ano XV – n. 19 – Maio 2020
A modulação do art. 927, § 3º, do CPC
Teresa Arruda Alvim1
Livre-docente, Doutora e Mestre em Direito pela PUC-SP
1. Contextualização do problema
O        garantir segurança jurí-
dica, o que abrange as ideias de previsibilidade e estabilidade. Para que
se instale este ambiente de tranquilidade, proveniente justamente da es-
tabilidade e da previsibilidade, é necessário que se conheçam as regras
do jogo e que estas não mudem no meio da partida.
O jurisdicionado precisa ter condições de planejar sua conduta de
acordo com regras preestabelecidas, que não devem mudar com frequ-
ência e, se mudarem, não podem atingir o passado. Entretanto, como
alguém já disse uma vez, o Brasil não é para amadores. Aqui, até o pas-
sado pode ser imprevisível.
Explico melhor. De fato, leis, quando alteradas, têm efeitos ex nunc.
Como regra, leis novas não têm efeitos retroativos. Mas, muito fre-
quentemente, a pauta de conduta do jurisdicionado pode mudar, não
como decorrência da alteração do texto da lei, mas de sua interpretação.
Anal, nós agimos de acordo com a lei, interpretada pelos tribunais,
principalmente pelos tribunais superiores, com base na doutrina.
A mudança da jurisprudência tem vocação retroativa: pode ocor-
rer, por exemplo, que alguém paute sua conduta na orientação X do
tribunal Y, consistente na desnecessidade de que certo tributo seja reco-
lhido, porque inconstitucional. Uma vez alterado o entendimento do
mesmo tribunal no sentido de que o tributo deveria ser recolhido por
que seria constitucional, muito provavelmente, o Fisco começará a co-
brar deste indivíduo, inclusive pelos “atrasados. A não ser, é claro, que
haja modulação.
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2. Função da jurisprudência como criadora de direito
Há algum tempo, se vem reconhecendo que a atividade interpreta-
tiva exercida pelos magistrados é que dá a versão nal da norma, que
deve ser pauta de conduta para o jurisdicionado. Assim, se, em algu-
ma medida, decisões judiciais são normas jurídicas, espraiando seus
efeitos para além do caso concreto que decidem, deve-se reconhecer e
estudar as consequências deste fenômeno. Entre elas estão a necessi-
dade de, sob certas condições, uniformi-
zação de entendimentos jurisprudenciais,
imposição de alguns (precedentes vincu-
lantes) e, muitas vezes, modulação de seus
efeitos.
A atualidade do tema decorre da ousa-
dia do legislador processual civil de 2015,
ao criar a regra do art. 927, § 3º: “Na hipó-
tese de alteração de jurisprudência domi-
nante do Supremo Tribunal Federal e dos
tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repeti-
tivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social
e no da segurança jurídica”.
Originariamente, entretanto, a ideia de modulação, no direito bra-
sileiro, liga-se ao controle concentrado de constitucionalidade. Mesmo
antes de a lei conter um dispositivo expresso, a jurisprudência já se pre-
ocupava em preservar a boa-fé dos que tinham agido em conformidade
com a lei tida por inconstitucional posteriormente. Com a modulação
prevista pelo art. 927, § 3º, do CPC também é este o princípio que se
prestigia: princípio da conança.
A nosso ver, tratar com mais clareza o tema da modulação, princi-
palmente no sentido de se poderem atribuir à alteração de precedentes
ou às conhecidas “viradas” de jurisprudência, tão comuns no Brasil,
efeitos apenas prospectivos, é necessidade que muitas vezes se impõe e
que decorre da constatação da evidência de que a atividade jurisdicio-
nal é criativa. Anal, é bom lembrar que não é só a lei que não pode ser
retroativa: o direito não pode atingir situações passadas.
Com a modulação
prevista pelo
art. 927, § 3º, do
CPC também é
este o princípio
que se prestigia:
princípio da
conança
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