Multiparentalidade judicial e o julgamento do RE 898.060

AutorDaniela Braga Paiano
CargoDoutora em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)
Páginas102-122
DOUTRINA
MULTIPARENTALIDADE
JUDICIAL E O
JULGAMENTO DO
RE 898.060
Por DANIELA BRAGA PAIANO1
Doutora em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)
A possibilidade jurídica de uma pessoa ter
mais de dois genitores em seu registro é
denominada multiparentalidade. Ela é admitida
tanto judicialmente como de forma
extrajudicial. Objetiva-se, aqui, analisar a
multiparentalidade judicial em recorte específico
DANIELA BRAGA PAIANO 103
MULTIPARENTALIDADE JUDICIAL E O JULGAMENTO DO RE .
1. Da multiparentalidade judicial
A possibilidade jurídica de uma pessoa ter
mais de dois genitores em seu registro é
denominada multiparentalidade. Ela é ad-
mitida tanto judicialmente como de forma
extrajudicial. Objetiva-se, aqui, analisar a
multiparentalidade judicial, em especial
após o julgamento do Recurso Extraordi-
nário 898.060. Para tanto, em um primeiro
momento, será mostrado o que é a multi-
parentalidade, quais os primeiros casos que
ocorreram no Brasil e sua evolução temáti-
ca até a chegada no Supremo Tribunal Fe-
deral com o RE 898.060, ou seja, os ante-
cedentes da xação do Tema 622.
1.1 Os antecedentes da tese
Preceitua o Código Civil, em seu art. 1.593,
que o parentesco é natural (biológico) ou
civil (de outra espécie, como a adoção) ̶
cabe aqui a observação se a anidade se-
ria uma forma de parentesco ou não; este
artigo entende que não, já que não existe,
por exemplo, um efeito patrimonial dessa
relação.
Seguindo uma “tradição” civilista, o paren-
tesco, para o Código Civil, é visto de forma
excludente (já que o artigo acima mencio-
nado informa que ele é natural ou civil, por
consequência, não pode ocorrer de forma
concomitante, embasado em vínculos dis-
tintos) e, por consequência, a liação tam-
bém o é: ou a liação advém de laços bio-
lógicos ou da lei. Essa “tradição civilista” é
fruto de uma sociedade patriarcal, na qual
O
direito de família, sensível às
alterações sociais, vem sen-
do modicado à medida que o
comportamento das pessoas se
adequa às suas novas realidades de vida.
Um dos efeitos dessa transformação ree-
te-se no reconhecimento da liação, que
historicamente parte de um reconhecimen-
to de lhos advindos apenas por vínculos
matrimoniais, para os lhos que tiveram
um reconhecimento fora dessas uniões.
Hoje, tem-se a igualdade jurídica de todos
os lhos, dissociando-se do estado civil de
seus genitores.
Os padrões até então existentes eram a mo-
noparentalidade (apenas um genitor no re-
gistro) e a biparentalidade (dois genitores
no registro). Como dito, com as mudanças
de comportamento social, a possibilidade
jurídica do divórcio e a busca pela reali-
zação plena dos componentes de uma en-
tidade familiar, os modelos de família vão
se alterando (a exemplo da homoafetiva).
Nessas remodelagens, novas famílias vão
se formando e é muito comum que muitas
advenham de uma família anterior, sendo
comum que padrastos ou madrastas exer-
cem o papel de pai ou mãe na vida de seus
enteados.
Nasce, assim, um novo modelo de reco-
nhecimento de liação ̶ a de inserção de
um novo pai ou mãe ao registro desses -
lhos, possibilitando três ou mais genitores,
ou seja, a multiparentalidade.

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