Múltiplos sentidos de direito e a busca do significado principal

AutorRenato José de Moraes
CargoUniversidade Católica de Petrópolis, Petrópolis - RJ, Brasil
Páginas358-384
Múltiplos sentidos de Direito e a busca do
signicado principal
Multiple senses of law and the search for the focal meaning
Renato José de Moraes*
Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis – RJ, Brasil
1. Introdução
A palavra “direito” é empregada de modos diversos, abarcando realidades
distintas. Isso é reconhecido de maneira praticamente unânime1. Neste ar-
tigo, iremos refletir sobre a polissemia dessa palavra ou termo, e esperamos
obter luzes para a compreensão do jurídico. Tal reflexão será feita a partir
de conceitos tomados da filosofia clássica, como a analogia e a predicação
ad unum ou pros en.
Inicialmente, convém esclarecer que analogia aqui não é propriamen-
te aquela prevista pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
(LINDB), o Decreto-Lei n. 4.657, em seu art. 4º: “Quando a lei for omissa,
o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de direito”. Esta analogia estabelecida pela lei é um instrumento para a
decisão judicial, fundando-se em uma comparação entre casos semelhantes,
mas não iguais, para orientar a solução de um caso novo.
* Doutor em Filosofia pela UFRJ. Mestre em Direito pela USP. Com estágio a nível de pós-douto-
rado na Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Petrópolis. Professor de direito
e filosofia. Pesquisador do NTDH – Núcleo de Teoria dos Direitos Humanos, da UFRJ. E-mail:
renatojmoraes@gmail.com.
1 Cf. FERRAZ JÚNIOR, 2015, pp. 11-17; REALE, 2015, pp. 61-64; NINO, 2007, pp. 11-16;
HART, 1994, pp. 1-6.
Direito, Estado e Sociedade n.58 p. 358 a 384 jan/jun 2021
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Direito, Estado e Sociedade n. 58 jan/jun 2021
Ao contrário, a analogia a que nos referiremos no decorrer deste artigo
refere-se à relação entre conceitos próximos, indicando que possuem uma
raiz comum. Portanto, é uma noção muito mais ampla e complexa que a
analogia prevista na LINDB e pode ser aplicada em inúmeros campos do
saber, tanto teóricos quanto práticos. A analogia na decisão jurídica é uma
das possíveis aplicações do conceito geral de analogia2.
A expressão “direito” é empregada para denominar entes distintos.
Logo, ela certamente não é um termo unívoco, ou seja, um daqueles que
são empregados com o mesmo significado para diferentes sujeitos. Exem-
plos de termos unívocos são “ser humano”, quando predicado de qualquer
indivíduo da espécie humana, ou “cadeira”, para determinados móveis nos
quais as pessoas se sentam.
Os termos equívocos ou homônimos, por outro lado, apresentam a
mesma expressão verbal ou escrita, sem que nada tenham em comum
quanto ao conceito que representam nos vários contextos linguísticos. É o
que sucede com as palavras “manga”, que serve tanto para a fruta quanto
para o pedaço da camisa, ou “bala”, que é o doce e também o projétil de
uma arma. A semelhança de palavras é mera coincidência, sem que haja
qualquer ligação clara entre as duas realidades expressas por aqueles sinais
escritos ou verbais3.
Se “direito” não pode ser classificado como unívoco, tampouco deverá
ser considerado como equívoco. Afinal, notamos algo comum, uma base de
significado compartilhada, ainda que não idêntica, nas diferentes aplicações
que fazemos desse vocábulo. Isso nos leva a outras classificações, a respeito
da relação entre conceitos expressos com os mesmos vocábulos ou fonemas,
que estão entre a univocidade e a equivocidade.
Para os medievais, como Tomás de Aquino, Alberto Magno e Averróis,
essas classificações intermediárias são tipos de analogias4. Outros autores,
fundados em Aristóteles, consideram que nem todas as possibilidades entre
univocidade e equivocidade sejam analogias. Haveria diferentes homonímias
não fortuitas ao lado da analogia, como a chamada atribuição ad unum, ou
relação a um termo único, que se dá quando uma mesma palavra é empregada
2 WEINREB, 2016, pp. 56-60; SUSTEIN, 1992, pp. 743-749.
3 ARISTÓTELES, Cat. c. 1; 1, a, 5 – 12.
4 TOMÁS DE AQUINO, Sententia Metaphysicae, lib. 4, l. 1, nn. 7-9; LIBERA, 1989, em um
texto primoroso.
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do significado principal

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