O município no constitucionalismo brasileiro: a presença constante e a mudança de paradigma pós 1988 / The municipality in the brazilian constitucionalism: the constant presence and the change of paradigm after 1988

AutorMarta Marques Avila
CargoDoutora em Fundamentos da Experiência Jurídica pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013). Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas no Terceiro Departamento. E-mail: mmaavila@gmail.com
Páginas500-531
Revista de Direito da Cidade vol. 10, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2018.30467
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Revista de Direito da Cidade, vol. 10, nº 1. ISSN 2317-7721 pp. 500-531 500
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O presente artigo apresenta, como preliminar, conceito e origem do Município no Brasil e
propõe uma ideia de autonomia. Em seu curso, expõe a instituição municipal, ao longo do
constitucionalismo brasileiro, estando dividido em três partes dispostas em razão da
denominação da organização do Estado e do tratamento conferido ao Município. A partir da
análise das constituições e da doutrina, demonstrar-se-á a presença constante da entidade
municipal ao longo da história constitucional brasileira. O artigo tem como objetivo identificar
os avanços e retrocessos vivenciados pela instituição municipal em razão das diversas trocas de
constituições e das consequentes mudanças no que tange à sua organização e ao seu poder de
decisão, notando-se a sua maior valorização a partir do tratamento recebido na previsão
original da Constituição de 1988.
- Município; Constituição; Poder de Decidir; A utonomia; Competência
The following article presents, preliminary, concept and origin of the Municipality in Brazil and
proposes an idea of autonomy. Along its course, it exposes the municipal institution during the
Brazilian constitutionalism, divided in three parts based on the designation of the state
organization and the treatment provided to the Municipality. From constitution and legal
doctrine analysis, it will demonstrate the constant presence of the Municipality on the Brazilian
constitutional history. The article´s main objective is identify the advances and retrogression of
the municipal institution during the various constitution exchanges and related differences in
terms of its organization and decision power, noticing its greater appreciation from treatment
received in the original provision of the 1 988 Constitution.
Municipality; Constitution; Power of Decision; Au tonomy; Competence
1 Doutora em Fundamentos da Experiência Jurídica pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de
Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013). Professora da Fa culdade de Direito da
Universidade Federal de Pelotas no Terceiro Departamento. E-mail: mmaavila@gmail.com
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DOI: 10.12957/rdc.2018.30467
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O poder local é presença constante na história brasileira. O Município como uma
personificação do poder público também o é. Estudar a evolução histórica do Município é de
suma importância para entender a realidade atual desse ente da Federação brasileira que no
passar dos anos já foi considerado praticamente um adendo do Estado-membro, já foi reduzida
às atribuições do Poder Legislativo e atua lmente é entendido como autônomo.
O artigo que ora se inicia está organizado em três partes além dessas considerações
iniciais e das considerações finais. A primeira parte, titulada ‘O Município no período anterior a
1891’, quando o Estado era denominado Unitário Monárquico e o Município era considerado
importante, tendo, porém, sofrido enfraquecimen to no decurso desse período. A segunda parte
titulada ‘O Município no período entre 1891 e 1988’, abrange o período em que o Estado já era
denominado República Federal e ao Município não era concedido o status de ente da
Federação, mas era valorizado no curso do tempo. A terceira parte, designada ‘O Município na
Constituição de 1988’, trata de quando a República Federal passa a considerar o Município
como integrante da Federação e expressa o s eu poder de legislar.
Adotar-se-á como método o histórico tendo em vista a relevância da análise do
percurso percorrido pela instituição municipal no período histórico anterior à adoção da Forma
Federal de Estado e durante a Forma Federal preliminar à Constituição atual, para chegar no
que se pode afirmar como o estopim do poder de decidir do Município, que se deu a partir do
tratamento conferido pela Constituição de 198 8 ao ente municipal.
Preliminarmente, apresenta-se um panorama sobre o Município, com conceito e
identificação do que se considera autonomia, estabelecendo, assim, os pressupostos da
discussão, para que se possa ao longo do trabalho concentrar-se nas idas e vindas do poder de
decisão da instituição municipal até chegar na Constituição vigente.
Meirelles (1957, p. 70), na primeira edição de sua obra Direito Municipal, cita o conceito
de Município com base no artigo 87 da Constituição de Alagoas, nos seguintes termos:
“Município é a circunscrição do território do Estado na qual cidadãos, associados pelas r elações
comuns de localidade, de trabalho e de tradições, vivem sob uma organização livre e autônoma,
para fins de economia, administração e cultura”.
Para Martorano (1985, p. 5): “[...] é o Município a base da máxima organização política,
que é o Estado. Ali o indivíduo sofre e se beneficia, no instante mesmo do ato administrativo. A
repercussão de uma lei ou de um investimento público o envolve em seu dia-a-dia”.
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O Município teve sua origem não pela criação do Estado, mas em razão da necessidade
de organização da vida social,2 ele é resultante da capela, do curato, da freguesia ou da
paróquia, nas palavras de Nogueira (1968, p. 9). Considera-se o Município inerente à
organização brasileira, surgido da necessidade de organização social, apesar de Viana (2005, p.
344) reputar como um equívoco conceder ao Município o papel de célula da democracia, já que
o autor confere tal função ao clã rural.
Nas palavras de Villa (1952, p. 5), o Município, como fenômeno social natural, surge
“nas primeiras formas originárias dos agrupamentos humanos, quando a cidade era a própria
expressão política do Estado, pois se confundia com este.” O mesmo autor atribui, como causa
determinante para seu surgimento, a necessidade de defesa, tendo em vista o estado de guerra
permanente, e explica a organização dos agrupamentos humanos em Municípios, traçando um
paralelo com relação à organização do indivíduo na família, nas aldeias. (VILLA, 1952, p. 5)
Villa (1952, p. 5) pondera, no primeiro momento, não haver identidade entre os
integrantes da coletividade. Com o passar do tempo, tendo em vista a convivência, surgem
problemas que os indivíduos precisavam resolver, já que estavam ligados por laços de
vizinhança e de habitação permanente. A partir da convivência, podem-se identificar objetivos
comuns entre os integrantes de uma coletividade, surge, portanto, uma “consciência coletiva
local.”
Villa (1952, p. 12) menciona a influência do Município na política contemporânea e sua
importância no Estado moderno, como elemen to básico:
[...] outros referentes à pessoa humana, à propriedade e ao trabalho
deram conteúdo jurídico às regras políticas contemporâneas, tendo saído
dos muros do antigo Município para enformar politicamente a vida do
Estado moderno, de que ele hoje faz parte como elemento básico. (grifo
nosso)
A instituição da entidade local foi, portanto, uma imposição fátic a: a realidade a exigiu.
Além da origem, outra questão referente ao Município foi debatida, ao longo do
constitucionalismo brasileiro, sua autonomia. Segundo Costa (2012, P. 94), a autonomia sempre
esteve ligada à competência. Assiste razão o doutrinador, na medida em que deter atribuições e
ter poder de decidi-las é uma forma de manifestação da autonomia.
2 “Parece à primeira vista, que no Brasil a constituição municipal foi um brinde da metrópole, ou uma
oficiosidade dos donatários. Nem uma nem outra, surgiu das necessidades da população, que se
aglomerava e carecia de governo, como surgiam as construções para agasalho dos habitantes, os fortes
para a defesa do litoral e os templos para o exercício do culto. COUTINHO, Mario Maia.” O Pai do
Municipalismo: Estudo biográfico do Dr. João de Azevedo Carneiro Maia. São Paulo: O Livreiro, 1962. p.
68.

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