Constituição, tempo e narrativa: da crise da aceleração das mudanças normativas ao seu enfrentamento

AutorErnane Salles da Costa Junior
Páginas81-106
CONSTITUIÇÃO, TEMPO E NARRATIVA: DA CRISE DA
ACELERAÇÃO DAS MUDANÇAS NORMATIVAS AO SEU ENFRENTAMENTO
CONSTITUTION, TIME AND NARRATIVE: FROM THE CRISIS OF
THE ACCELERATION OF THE LEGAL CHANGES TO HIS CONFRONTATION
Ernane Salles da Costa Junior
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Mestre em Teoria do Direito pela Pon tif íci a Universidade Católica de Minas
Gerais com a distinção magna cum laude. Foi bolsista do CNPq no
mestrado pela mesma instituição. Atualmente é professor de Filosofia do
Direito, Ética, Política e Soc ied ade e Teoria da Constituição na F acu lda de
Pitágoras. E-mail: ernane.salles@hotmail.com
Resumo
O presente artigo procurou investigar a dimensão temporal e narrativa
das Constituições, tendo como fundamento uma leitura da teoria
narrativa e política de Paul Ricoeur. Nesse caminho, aponta-se para a
necessidade de se pensar as mudanças normativas dentro da história
de uma comunidade política, inserindo-as numa trama jurídico-
narrativa que liga passado, presente e futuro. Visa-se, com isso,
fundamentar uma crítica consistente e embasada em relação à
aceleração desenfreada dos ritmos das transformações das normas
jurídicas, tão comum nos dias de hoje.
Palavras-Chave: Constituição; Narrativa; Tempo e Direito.
Abstract
This paper seeked to investigate the temporal and narrative dimension
of the Constitutions, based upon a reading of the narrative and political
theory of Paul Ricoeur. In this way, it points to the need of thinking the
legal changes within the history of a political community, inserting them
in a narrative-juridical intrigue that links past, present and future. The
aim is, thus, establish a consistent and solid critique about runaway
acceleration of the rhythms of the changes of the legal standards, so
common nowadays.
Keywords: Constitution; Narrative; Time and Law.
Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p. 81-106, janeiro/junho de 2013.
ERNANE SALLES DA COSTA JUNIOR 82
INTRODUÇÃO
O presente artigo procura compreender adequadamente as imbricações
existentes entre tempo e Constituição.
Um dos principais aspectos dessa relação que podemos notar é que a
Constituição, apesar de sua pretensão de permanecer durável na história, está imersa
na temporalidade, sofre seus efeitos, submetendo-se à possibilidade contínua de
alteração.
Por isso mesmo, presume-se que ela não se encontra presa a um momento
fundador único situado no passado, mas experimenta, no transcurso do tempo, a
necessidade de transformação, de reajustamento à estrutura cambiante da
comunidade histórica: a Constituição dura, mas se modifica; permanece, mas flui
(VERDÚ, 1984, p.187-188).
Nasce aqui uma questão importante que nos serviu de fio condutor em todo o
percurso de nossa análise: como, de fato, a Constituição é capaz de se modificar, de se
alterar, sem, contudo, perder o fio do tempo?
É precisamente a partir dessa indagação e à luz das reflexões do filósofo
francês Paul Ricoeur que procuraremos demonstrar que o desenvolvimento de uma
Constituição ao longo da história precisa articular narrativamente passado e futuro,
experiência e expectativa, memória e projeto, de modo a criar um padrão consistente
que torna possível pensar e regular a sua própria mudança.
1. O TEMPO DA CONSTITUIÇÃO FORA DOS EIXOS
Tem sido enfatizado reiteradamente o fato das Constituições serem
consideradas textos normativos “abertos ao futuro” (LUHMANN, 1996; CATTONI DE
OLIVEIRA, 2009) o que significaria dizer que tais normas são passíveis de modificação
no tempo de modo a adaptar-se aos contextos históricos vindouros. Desse modo, a
Constituição não poderia ser pensada como o resultado de uma construção única,
acontecida de uma única vez, mas como um projeto que transforma o ato fundador
político num procedimento que tem continuidade por meio de sucessivas gerações,
seja a partir da interpretação do texto constitucional seja a partir da sua reforma
(CATTONI DE OLIVEIRA, 2009).
Esse aspecto coloca em evidência a própria possibilidade de uma Constituição
contemplar o dinamismo do seu tempo histórico como o resultado de um
desenvolvimento evolutivo do direito e da sociedade. Não há dúvidas, portanto, acerca
da imprescindibilidade da abertura do texto constitucional às mudanças, tendo em vista
especialmente que a Constituição é produto de um processo sempre passível de maior
elaboração e aperfeiçoamento no futuro.
No entanto, a situação da mutabilidade constitucional no tempo é mais
complexa do que parece. Dizer que as Constituições encontram-se sempre suscetíveis
de sofrer modificações ou que elas são “abertas ao futuro” exige ainda maiores
precauções no sentido de que precisamos estar atentos ao modo e ao grau dessa
abertura (CATTONI DE OLIVEIRA, 2009, p. 388).
Quanto mais a produção normativa caminha nessa linha, aumentando o
Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p. 81-106, janeiro/junho de 2013.

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