A necessidade de novos discursos teóricos frente à crise do Estado Social

AutorGiancarlo Montagner Copelli, Jose Luis Bolzan Morais
CargoDoutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)/Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, com período sanduíche na Universidade de de Montpellier I ? França
Páginas99-115
Direito, Estado e Sociedade n. 61 jul/dez 2022
A necessidade de novos discursos teóricos
frente à crise do Estado Social
The need for new theoretical speeches in front of the Social
State crisis
Giancarlo Montagner Copelli*
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo RS, Brasil
Jose Luis Bolzan Morais**
Faculdade de Direito de Vitória, Vitória ES, Brasil
1. Introdução
Das possibilidades de organização político-jurídicas surgidas após as revoluções ditas liberais,
a História aponta para diferentes modelos de Estado Constitucional, ao longo de dois séculos.
Do ponto de vista do embasamento teórico, várias foram as correntes da filosofia política
que influenciaram o surgimento de tal modelo, com destaque para o posicionamento
contratualista, à luz nos séculos XVII e XVIII. É desse ideário, afinal, que se origina o poder
baseado no contrato entre e com a sociedade, fazendo a passagem de um modelo em que o
Estado se identifica com a figura do soberano L’État c’est moi para uma segunda
possibilidade, em que o ideário era o da livre iniciativa para a satisfação de liberdades
econômicas. Contudo, essa organização estatal, o chamado Estado Liberal, assim como
anteriormente o de viés absoluto, também encontrou os seus limites, transitando em que
pese sua continuidade após a Segunda Grande Guerra, para sua conformação social,
visando, grosso modo, a igualdade. Daí o acerto em, quando se falar em crise do Estado,
pensar não exclusivamente em um viés negativo, mas de transição, de um caminhar para o
novo.
O percurso histórico de formação do Welfare State ou seja, da transição entre os
modelos liberal clássico e liberal social embora vinculado aos movimentos operários, não
ficou restrito à c lasse dos trabalhadores, estendendo-se, por certo, a todos aqueles com
vínculo de pertença a determinado Estado com esses contornos. Assim, o Welfare State pode
ser compreendido como aquele que garante mínimos existenciais, não como caridade, mas
* Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Estágio pós-doutoral com Bolsa
CAPES/PNPD, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito, na mesma universidade.
** Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, com período sanduíche na Universidade de de
Montpellier I França. Pós-Doutoramento junto à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Evandro Piza Duarte
Direito, Estado e Sociedade n. 61 jul/dez 2022
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como direito. Ocorre entretanto, que esse modelo também encontrou, ao longo do tempo,
obstáculos que podem enquadrá-lo em um contexto de crise.
Aqui, três enfoques podem ser evocados, na esteira de Rosanvallon
1
(e, na
especificidade brasileira, por Jose Luis Bolzan de Morais): um fiscal-financeiro, em que se
observam questões relacionadas a uma espécie de problema de caixa; um ideo lógico, em
que se questiona a legitimidade da organização e da gestão estatal; e, por fim, um filosófico,
em que se questiona o próprio fundamento teórico do Welfare State, ou seja, a
solidariedade, que pressupõe ou deveria pressupor o Estado como organização social
constituída por cidadãos que compartilham um ideário de bem-estar coletivo.
Importante, nesse sentido, observar que o Estado Liberal Social, ao passo em que é
a alternativa mais contundente para a edificação de uma sociedade mais igualitária, é
também a continuidade de um projeto liberal-econômico. Daí, limites sequenciais: a cris e
filosófica é em grande medida, produto da crise ideológica, e estas duas, atreladas à crise
financeira. De outro modo, havendo recursos, há solidariedade, e a ideia de um porvir
compartilhado é assim, mais fácil.
Há, portanto, uma tensão difícil de ser dissolvida no enfrentamento das crises que
limitam o Estado Liberal Social e que em boa medida explica a não satisfação das demandas
sociais. Por isso, e talvez nesse mesmo sentido, Dardot e Laval, em seu Comum: Ensaio sobre
a revolução no século XXI
2
, projetem um (re)pensar além do projeto neoliberal. Uma
revolução, de fato, considerando haver uma espécie de doxa implacável e negativa
surgida a partir da trágica experiência dos Estados Comunistas, bloqueando qualquer outra
possibilidade além e, sobretudo, à margem do neoliberalismo.
Há, assim, um duplo problema a enfrentar: De um lado, constata-se que o Estado
Liberal Social está em crise, e se considerarmos os aspectos centrais dessa crise, teríamos
como pilares limites financeiros, ideológicos e filosóficos. Destes, o primeiro parece não
apenas fator gerador dos demais, mas também a extensão própria do projeto liberal,
marcado por uma contemporânea espécie de transposição de capitalismos, do industrial ao
financeiro, que não mais retorna ao sistema produtivo e sequer é tributado
3
. É a chave da
tensão (cada vez mais agudizada, portanto) que opõe um projeto político-jurídico e um
projeto político-econômico. De outro lado, o caráter revolucionário de um (re)pensar tais
questões, diante do fantasma da reabilitação de projetos típicos da tragédia do comunismo
burocrático como única via alternativa.
Considerando, portanto, haver uma crise que impõe limites ao Estado no
atendimento às garantias constitucionais de ordem social, caracterizadas, aqui, como de viés
financeiro, ideológico e filosófico, importa, como problema, ensaiar caminhos de superação
para tal crise, dado o, ainda, contemporâneo protagonismo do Estado na tarefa de minimizar
as desigualdades. A hipótese desenhada, nesse sentido, aponta para a necessidade de se
pensar alternativas para além do ideário liberal, aproximando o dever-ser do
constitucionalismo inaugurado no pós-Guerra, sem prejuízo de suas conquistas, ao ser da
realidade.
Para, dessa forma, provocar o debate voltado à criação de novos arranjos
institucionais, o objetivo central, longe da pretensão de abarcar todas as possibilidades ou
1
ROSANVALLON, 1997.
2
LAVAL; DARDOT, 2014.
3
HARVEY, 2010. Não esquecendo as fórmulas mais contemporâneas de capitalismo, como os dito “cognitivo”, “de
plataforma” etc.

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