Neoconstitucionalismo como método para a desconstrução do direito penal do inimigo

AutorGustavo Souza Preussler
Páginas2-21

"Das simples considerações das verdades até aqui expressadas advém a evidência de que a finalidade das penalidades não é torturar e afligir um ser sensível, nem desfazer um crime que já está praticado. Como pode um organismo político que, em lugar de se dar às paixões, de ocupar-se exclusivamente em colocar um freio nos particulares, exercer crueldades inócuas e utilizar o instrumento do furor, do fanatismo e da covardia dos tiranos? Poderão os gritos de um desgraçado nas torturas tirar do seio do passado, que não volta mais, uma ação já praticada? Não. Os castigos têm por finalidade única obstar o culpado de tornar-se futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus concidadãos do caminho do crime".

(Beccaria, 2005, p. 49)

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1 Introdução

Em data de 11 de setembro de 2001, o mundo presenciou um verdadeiro espetáculo anti-humanidade, era o ataque terrorista investido contra os Estados Unidos da América, nas torres gêmeas do World Trade Center, um centro que representava a estabilidade, soberania econômica e capitalista do Estado atacado, que era até então considerado como impenetrável.1

Tanto estes elementos de faticidade, como outros, são diretamente modus operandi de influenciar o legislador em modificar o seu atuar legiferante. Um exemplo é o endurecimento de penas por práticas de crimes hediondos, contra a criminalidade organizada e outras modalidades criminosas, cujo bem jurídico afetado acarrete uma ofensividade difusa ou coletiva e nos inconstitucionais delitos denominados crimes contra a soberania nacional.

A política pública repressiva de exceção como regra tem recebido força em progressão geométrica, e as garantias constitucionais dos imputados, sofrido os efeitos da inflação legislativa das leis de luta e de contenção social excludente.

No presente trabalho, em um primeiro momento será tratada a conexão dos valores e princípios constitucionais, e sua coexistência em um postulado pós-positivista do ius puniendi com sua relação dialética para com o sistema punitivo de exceção como regra (infra 2). Posteriormente, será abordada como tema o neoconstitucionalismo (infra 2.1) e de seus instrumentos de efetivação no sistema jurídico (infra 2.1.2.1 e 2.1.2.2), bem como a existência e necessidade da ductibilidade do direito. Por fim, mas sem a pretensão de exaurir a temática, será abordada a desconstrução ou desemulsão do direito penal do inimigo com a dissolução do ato patriótico norte-americano (infra 3).

Os efeitos desta postura totalitária de exclusão social através do sistema penal -cuja inspiração é o próprio fenômeno expansionista - enseja a própria desconstrução de um sistema de garantias-penais, consagrado através de tanto tempo de luta e Page 3 consolidação de preceitos éticos-constitucionais e de direitos humanos. Diferente do postulado jakobiano que pretende inaugurar o Direito penal do inimigo como categoria autônoma de Direito Penal, legitimando o antigarantismo em decorrência da não aplicabilidade dos Direitos e Garantias Fundamentais àqueles etiquetados como não pessoas, também denominados de inimigos. Sendo este a do expansionismo e do punitivismo.

As argumentações, apesar de bem construídas, orientadas por um momento de extremismo e revolta cosmopolita e cosmopolitizada, trata-se de uma modalidade de legitimar o Direito alternativo (político) para fins subversivos, construção teórica que não deve ser mantida em adequação ao que disponibiliza o (neo)constitucionalismo (garantismo).

O objetivo fim do presente trabalho, sem pretender antecipar o final na integralidade ao leitor é demonstrar que o direito penal do inimigo é violador do princípio da dignidade da pessoa humana e que o neoconstitucionalismo é a sua antítese, sendo essencial para a reafirmação de um Estado Democrático de Direito.

2 Do método e da desconstrução

Acima de tudo, em um momento abstrato e principiológico, pode-se dizer que os valores constitucionais de garantia detêm força e influência sobre o sistema penal2, relação dialética que por um lado defende a liberdade e de outro a sua restrição. Não é diferente no Direito penal do inimigo, pois mesmo em um regime de exceção constituído por Poderes Soberanos o Estado de Direito ainda existe, pois a exceção seria uma forma de subsistência do Estado de Direito e do afastamento do caos absoluto3. A grande problemática tratada no respectivo trabalho é certamente a justaposição da exceção como regra permanente4, retornando aos sombrios tempos de guerra de todos contra todos5 (Caos Beligerante), cujo maior incentivador foi o imperialismo estadunidense pós-11 de setembro e a política da tolerância zero.

O Direito penal e o Direito Constitucional possuem pontos de contatos. Logo, há evidente influência da vontade política desta espécie de tutela jurídica. Neste foco, o etiquetamento como modelo de sistema punitivo não deve ser admitido, devendo o ius puniendi ser permeado de eticidade, pois é a pessoa humana que deve ser respeitado neste tipo de proteção estatal, para que não se converta o agir comunicativo em um Page 4 atuar punitivo. Neste aspecto, Francesco C. PALAZZO, preconiza sobre o perene problema da justificação política da pena:

"É perene problema da justificação da pena que se apresenta, dificilmente podendo adequar-se à idéia de que, de novo uma pena terrena, expressão de um sistema de justiça e de uma ordem de valores tidos como absolutos só porque impostos pelo Estado (a punição quia peccatum est), ou, ainda, expressão de uma filosofia utilitarista que não hesita em instrumentalizar o homem - programando, verdadeiramente, a transformação de sua personalidade - para evitar o cometimento de novos ilícitos (a punição ne peccetur)."6.

A subtração de todas as garantias fundamentais da pessoa humana converte o indivíduo para o status de homos normativus garantidor, acarretando evidente desconsideração do valor-fonte da dignidade da pessoa humana.

Existem diversas formas de desconstrução do Direito penal do inimigo. Porém, a meta-forma é o garantismo constitucional, que engloba todas as demais formas de rupturas, principalmente no que concerne para com a intangibilidade da pessoa humana, aporte que liga as barreiras intransponíveis das garantias fundamentais como limite da atuação do Estado, ou simplesmente, penetração dos valores constitucionais no sistema penal7.

Poderiam ser elencados os seguintes submétodos do neoconstitucionalismo: força normativa dos princípios constitucionais de garantias, hermenêutica constitucional garantista-penal e controle difuso de constitucionalidade. Todos estes instrumentos consolidados com o mandato de otimização vetorial-axiomático da dignidade da pessoa humana e o fator político de desemulsão do direito penal do cidadão e do direito penal do inimigo na era pós-Bush - tendo em vista o fechamento da prisão estadunidense em Cuba (Guantánamo)-, demonstra, a priori a junção dos dois pólos do ius puniendi, extinguindo o estado punitivo de exceção como regra. Page 5

2. 1 (Neo)Constitucionalismo

O neoconstitucionalismo inaugura uma nova cultura jurídica, calcada no ideário metateórico de isonomia, simétrico para com a materialidade constitucional e sistêmica com os seus direitos e garantias fundamentais. Consiste ainda nestes, a própria interpretação da moral pública8, que deve irradiar, inundar ou impregnar o sistema jurídico9.

Por outro lado, apesar de integrar um sistema protetivo ao ser humano, o próprio sistema fundamental do neoconstitucionalismo acaba incidindo como uma forma de justificação ou argumentação sobre as restrições impostas, isto se dá de forma clara na seletividade de bens jurídicos na construção da tutela penal, que não é livre, mas sim deve possuir dignidade, merecimento e necessidade de transposição ao ius puniendi, sob pena de ser uma tutela supérflua. Por outro lado, não teria a soberania Estatal a capacidade integral para a construção da tutela penal? Ou simplesmente o poder de punir é contido em sua integralidade no momento da criminalização (em uma visão libertária)? Existe uma ponderação fiscalizante deste poder? São todas estas questões que pretendem responder o neoconstitucionalismo no foco do ius puniendi10.

Apesar do poder legiferante possuir margem de discricionariedade para criminalizar condutas, que muitas vezes acaba convertendo-se em liberdade absoluta ou libertinagem absurda, existem elementos de conteúdo moral-pública que conterá a pena. Como exemplo, pode-se citar o princípio da proporcionalidade em que um sentido estrito, que limita a pena sob o pressuposto de que nenhum caso pode sobrepor-se ao ponto de lesionar o valor fundamental da justiça inerente ao Estado Democrático de Direito, bem como conter a atividade pública arbitrária e violadora da dignidade da pessoa humana11. Assim, a ponderação, método de aplicabilidade do neoconstitucionalismo na factibilidade, trata-se de uma referência de concretização do princípio da proporcionalidade. Neste aspecto cita Luís Pietro Sanchís:

"(...) o exercício do ius puniendi não representa um espaço isento ao controle de constitucionalidade através do juízo de ponderação, e ocorre por duas razões: porque toda a pena deve considerar-se como uma afeição de direitos fundamentais, e toda afeição desta classe detém uma carga de justificação; e porque o próprio tipo penal, na medida em que seja ou possa conceber-se como um limite ao exercício de...

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