Noções gerais

Páginas3-37
I
NOÇÕES GERAIS
1. Uma Introdução necessária:
Direito, Processo e Desenvolvimento
Já bem pronunciava a genialidade chiovendiana acerca do legítimo papel do
processo em nossos tempo: “Il processo deve dare per quanto è possibile pratica-
mente a chi ha um diritto quello e próprio quello chegli há diritto di conseguire.1
A dimensão social pela qual o processo deva ser vetorizado, hodiernamente,
é noção necessária deste instrumento da jurisdição, exatamente porque nele é que
o jurisdicionado deposita conança– ainda que, por vezes, em forma diminuta
- esperando alcançar sua verdade em tempos onde o descumprimento de uma
obrigação acertada é bom negócio para muitos. Espera o cidadão ainda mais: a
satisfação decorrente desta verdade, na medida em que, uma vez reconhecida e
não cumprida pela parte recalcitrante, necessitará ele, novamente – em que pese
as recentes reformas , sobretudo na esfera da execução - de um instrumento apto
a transformar a declaração formal de seu direito em atividade dinâmica e realiza-
dora concreta, no mundo dos fatos, do direto devido.
Aliás, é exatamente em tal perspectiva que Cappelletti, em estudos de van-
guarda, já apontava para a aludida dimensão social do processo: “Sob esta nova
perspectiva, o direito não é encarado apenas do ponto de vista dos seus produ-
tores e de seu produto (as normas gerais e especiais), mas é encarado, principal-
mente, pelo ângulo dos consumidores do direito e da Justiça, enm, sob o ponto
de vista dos usuários dos serviços processuais.2
1 CHIOVENDA, Giuseppe. Dell A zione Nascente dal Contratto Prel iminare In: Saggi d i Diritto
Processuale Civile. 2 ed. Roma: Foro It., 1930, n.3, p.110.
2 CAPPELLETTI, Mau ro. Problemas de reforma do processo civil na s sociedades contemporâ-
neas. In: GR INOVER, Ada Pellegrini et ali. O Processo Civil Contemporâneo. Cur itiba: Juruá,
1994, p.15.
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ANTÔNIO PEREIRA GAIO JÚNIOR
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Não olvidando as fundamentais transformações conceituais e pragmáticas pe-
las quais vem a Ciência Processual experimentando, a partir, sobretudo, de novos
contornos em institutos formadores de sua própria “Trilogia Estrutural” - Ação,
Jurisdição e Processo – impende notar que o próprio alcance desta “nova“ pers-
pectiva metodológica do processo e o movimento pela sua instrumentalidade3
rumo a um processo civil de resultados, marca a urgência na modicação de pos-
turas não somente dos operadores do direito, como também de todo o aparato
estatal, seja por meio de inovadoras performances na estrutura física e adminis-
trativa dos foros em geral e ainda na produção legiferante qualitativa, apta a mirar,
indubitavelmente, como centro das atenções, a efetividade, entendida aqui como
instrumentalização racional e razoável de entrega do bem da vida a quem, exata-
mente, dele necessita. Anal, o Direito (aqui, o Processo) deve ser instrumento a
tornar as pessoas mais felizes ou menos infelizes!
Por outro lado, há que se debruçar sobre a perspectiva do direito como instru-
mento estatal potencializador de reais e efetivas políticas armativas no sentido
de propiciar melhoria na qualidade de vida do cidadão comum, aptidão hoje ine-
vitável, inclusive do próprio desenvolvimento do Estado.
Despiciendo é dizer que o conceito de desenvolvimento, hodiernamente, se
relaciona não somente com a tradicional ótica de crescimento econômico, sobre-
tudo na perspectiva de um avanço signicativo no quadro das políticas sociais
voltadas à edicação da cultura de melhoria das condições daquela sociedade des-
tinatária de tais políticas. 4
3 Cf. DINAMARCO, Câ ndido Rangel. A Instr umentalidade do Pro cesso. 4 ed. São Paulo: Ma-
lheiros Editores , 1994, p.17-24.
4 Raticando ta l concepção desenvolvimentista , VASCONCELOS, Marco Antonio;
GARCIA, Manuel Enriquez. (Fundamentos de economia. São Paulo:Saraiva, 1998, p.
205 ) apontam para a idéia de que , em qualquer conceitua ção de desenvolvimento, há
de se levar em conta e mesmo, deva incluir “as a lterações da composição do produto
e a alocação de recursos pelos diferentes setores da economia, de forma a melhorar
os indicadores de bem-estar ec onômico e social (pobreza, desemprego, desigualdade,
condições de saúde, alimentaç ão, educação e moradia).
Por outro lado, avançando no conceito de desenvolvimento como liberdade, nu ma vi-
são do próprio desenvolvimento como um processo de expa nsão das liberdades reais,
e ainda estas, t anto um meio de garantia quanto um m si mesma, através d a fruição
de outras importantes l iberdades, fundamental a obra de SEN, Amartya. Develop-
ment as freedom. New York: Anchor Books, 20 00, p. 297.
Sobre o assunto ver também o nosso Direito, Processo e Desenvolvimento: Pacto de
Estado e a Reforma do Judiciário. In: Revista Magis ter de Direito Empresarial, Concor-
rencial e do Consumidor, v.19, fev/mar., Magister : Porto Alegre, 20 08, p.31-34.
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NOÇÕES GERAIS
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Na verdade, ainda que pese esforços hercúleos do Direito no sentido de se regu-
lar condutas – sua primordial gênese - há de prosperar avanços na Ciência Jurídica,
mais precisamente junto à noção de norma como cadenciadora de políticas públi-
cas voltadas ao desenvolvimento como propiciadora de melhoria das condições de
vida, depositando-se na norma a proteção, regulação e concessão de direitos e ainda
condicionando-a ao aprimoramento do tecido social a ela submetida, depositando
então em dimensões largas, crescentes, o próprio exercício e respeito aos direitos,
como rotina. Aliás, em um sentido mediato, a serventia da norma jurídica em sua
dinâmica é o convívio social harmônico, no entanto há de vir esta acompanhada da
perspectiva social do aludido convívio, de forma a viabilizar condições de melhoria
das relações socioeconômicas e estruturais nas mais variadas dimensões, seja cida-
dão-cidadão; cidadão – Estado; Estado – cidadão; Estado – Estado etc.
Cappelletti, em importantíssima obra5 acerca das temáticas que envolvem,
entre outras, a construção de idéias em torno dos aspectos sociais e políticos pra-
ticados no contexto do Processo Civil contemporâneo, aponta, dentre os eventos
e tendências evolutivas nos ordenamentos jurídicos do nosso tempo, três movi-
mentos de ação de pensamento na temática por ele denominada “Dimensões do
Direito da Justiça.6
Dentre as dimensões pontuadas pelo festejado jurista, aqui merece atenção es-
pecial aquela por ele denominada “Dimensão Social”, representada pelo problema
do acesso à justiça apresentada sob dois aspectos principais: a) a “efetividade dos
direitos sociais que não têm de car no plano das declarações meramente teóricas,
senão, devem, efetivamente, inuir na situação econômico-social dos membros da
sociedade, que exige um vasto aparato governamental de realização”7; b) a “busca
de formas e métodos, a miúde, novos e alternativos, perante os tradicionais, pela
racionalização e controle de tal aparato e, por conseguinte, para a proteção contra
os abusos aos quais o mesmo aparato pode ocasionar, direta ou indiretamente.8
5 CAPPELLETTI, Mau ro. Processo, Ideologias e Socie dade. Trad. de Elício de Cresce Sobrinho.
Vol. I. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabr is Editor, 2008.
6 Observa Cappel letti: “Trata-se, em primeiro lugar, da d imensão ‘constitucional’, que consiste
na busca de certos va lores fundamentais que muito s ordenamentos modernos armar am com
normas às quais a ssina-se força de Lex superior vi nculando o próprio legi slador (ordinário),
impondo sua observâ ncia através de formas e mecanismos jur isdicionais especiais. (...). Uma
segunda di mensão é a ‘transnac ional’, quer dizer, a tentativa de s uperar os rígidos cr itérios
das soberani as nacionais com a criaç ão do primeiro núcleo de uma L ex universalis e com a
constituição, por tanto, do primeiro núcleo d e um ‘governo universal ’ ou transnaciona l (...).
Esta tentativa reet e-se, em partic ular, na Declaração Univer sal dos Direitos do Homem de
1948 e nos Pactos que na mesma Decla ração vieram; (...). Uma terceira dimensão do Direito e
da Justiça é a ‘socia l’ que nas suas manifes tações mais avançada s pode ser expressa na fórmula
de uso corrente nos últi mos anos: acesso ao Direito e à Justiça .”Ob. cit.,p.379-381.
7 Idem, p.385.
8 Ibidem.
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