Nota ao leitor

AutorHugo de Brito Machado Segundo
Páginas3-4
NOTA AO LEITOR
A ideia de escrever este livro surgiu em Viena, Áustria. Realizei pesquisa em torno
da tributação indireta, em 2012, e, analisando seus resultados, foi possível perceber o
que poderia ser uma questão de princípio, talvez extensível a situações diversas: a tensão,
no âmbito do direito da União Europeia, entre autonomia e efetividade, e a importância
do devido processo legal a conectar o direito processual ao direito material. Isso levou a
uma nova pesquisa, também no Institut für Österreichisches und Internationales Steuerrecht
da Wirtschaftsuniversität, desta vez sobre os precedentes da Corte de Justiça Europeia
em torno da apontada tensão, em outras questões envolvendo o Direito Público. Em
síntese, pelo princípio da autonomia considera-se que cada Estado membro da União
Europeia é livre para disciplinar a forma como o Direito da União será implementado
(enforcement) em seu território. A def‌inição das atribuições das autoridades adminis-
trativas, dos procedimentos a serem seguidos, da forma como a legalidade de seus atos
será controlada etc., tudo isso é matéria a ser livremente disciplinada por cada Estado.
Daí a existência, nos distintos Países da União Europeia, de estruturas bem diversas,
sejam elas judiciárias ou administrativas, além de processos, ritos, prazos etc. também
diferentes. A questão é que, embora tenham liberdade nesse quesito, os Estados membros
têm, por igual, de dar efetividade ao Direito da União Europeia. Podem escolher apenas
como. Isso levou à formação de uma jurisprudência, na Corte de Justiça Europeia (que
conhece apenas de questões relacionadas à interpretação do Direito da União), sobre
disposições processuais domésticas de diversos países da Europa. Ou seja, embora, em
tese, não conheça de questões processuais, pois elas são internas a cada país, a Corte,
que apenas trata de aspectos relacionados ao Direito da União, passou excepcionalmen-
te a tratar das tais questões processuais internas aos países, quando elas inviabilizam a
efetividade do Direito da União.
Percebeu-se, assim, a existência de toda uma jurisprudência que dá sinais, a contra-
rio, a respeito do conteúdo do princípio do devido processo legal. Conf‌irmou-se, ainda,
algo que já havia sido constatado na pesquisa sobre a tributação indireta: os Tribunais
internos, ou domésticos, são geralmente mais f‌lexíveis às exigências do Estado que
integram, curvando-se a elas, do que a Corte Europeia de Justiça, talvez dotada de mais
independência e imparcialidade. E isso ocorre, muitas vezes, de maneira disfarçada, ou
sub-reptícia: em vez de a Corte nacional simplesmente dar razão ao Poder Público, em
casos nos quais ele não a tem, o julgador resvala por questões processuais para deixar de
dar razão ao cidadão contribuinte. Preservam-se as aparências, e a ideia de que se vive
em um Estado de Direito.
Algum tempo depois, em 2017, iniciei, no Curso de Mestrado do Centro Universi-
tário Christus, a condução de uma disciplina dedicada a pesquisar a difícil tarefa de fazer
efetiva a jurisdição contra quem é encarregado de prestá-la, intitulada Poder Público e
Litigiosidade. Nesse ambiente, alimentada pelas ricas discussões com discentes e colegas

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