Nova morfologia salarial: análise do art. 457 da CLT

AutorCamilla de Lellis Mendonça
Páginas115-120

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Camilla de Lellis Mendonga 1

Introducto

O tema da remuneracao assume releváncia no ordena-mento jurídico brasileiro. Em razao disso, é mencionado em diversos artigos da CLT, mas encontra-se balizado em capítulo próprio - Capítulo II - onde tem-se delineada a morfologia salarial e as diretrizes gerais acerca da contraprestacao recebi-da pelo empregado no ámbito da relacao de emprego.

A Lei n. 13.467/2017 e a Medida Provisória n. 808/2017, consubstanciadas no que se convencionou por "Reforma trabalhista", trouxeram modificacóes relevantes nesse capítulo, das quais trataremos especialmente do artigo 457 da CLT, no que diz respeito á natureza jurídica das princi-pais verbas presentes no cotidiano do Direito do Trabalho a serem discutidas a seguir.

Remuneracao

Na Reforma Trabalhista o conceito de remuneracao previsto na lei anterior foi mantido. Estabelece o caput do artigo 457 da CLT que "a remuneracao do empregado é compreendida, para todos os efeitos legais, pelo salário devido e pago diretamente pelo empregador, como con-traprestacao do servico, e as gorjetas que receber". Nesse sentido, nao se deve confundir a nomenclatura relativa á espécie- salário-com o genero-remuneracao.

2. 1 Alteracao da composicao do salário

O complexo salarial deve ser composto por parcelas harmónicas, de mesma natureza jurídica, de caráter contrapres-tativo, as quais sao pagas diretamente pelo empregador2. Assim, na Reforma Trabalhista houve a alteracao da compo-sicao do salário definida pelo artigo 457, § 1º da CLT com a finalidade de afastar de seu conceito as possíveis verbas de caráter indenizatório que eram tidas como salariais pela antiga legislacao. Em verdade, segundo Mauricio Godinho Delgado, as parcelas de natureza salarial foram artificialmente consideradas como nao salariais pela nova lei3.

De acordo com sua atual redacao, o salário abrange a importáncia fixa estipulada, as gratificacóes legais e de funcao e as comissóes pagas pelo empregador, tendo sido excluídas do texto anterior as percentagens, as diá-rias para viagens e os abonos. Desse modo, permanecem inalteradas a importáncia fixa estipulada e as comissóes, tendo como novidade a substituicao da nomenclatura "gratificacóes ajustadas", que traz um caráter generalizado, por "gratificacóes legais e de funcao", com caráteres mais específicos. Como exemplos, por gratificacao legal, temos o décimo terceiro salário e pela gratificacao de funcao, temos a de confianca, expressa pelo artigo 62, parágrafo único, e a de quebra de caixa, delineada pela Súmula n. 247 do TST4.

Seguindo-se a lógica da Reforma Trabalhista, a qual privilegia o negociado sobre o legislado, bem como o princípio da norma mais favorável, nao se pode olvidar das gratificacóes concedidas por meio de quaisquer tipos de negociacao, as quais também terao caráter remuneratório se assim estabe-lecido5. Por outro lado, as gratificacóes derivadas da libe-ralidade do empregador deixaram de integrar o salário do empregado. As Súmulas 1526 e 2037 do TST, da maneira como estao escritas, passam a ter sua aplicacao prejudicada.

Em um primeiro momento, quando o legislador acrescenta e exclui parcelas do § 1º do artigo 457, tem-se a impressao de que o novo dispositivo apresentará um rol taxativo. Contudo, existem verbas de caráter salarial nao especificadas pelo legislador, a exemplo dos adicionais noturnos, de insalubridade e de periculosidade, os quais tem natureza de salário-condicao, o que permite a interpretacao de que o artigo 457, § 1º da CLT estabelece um rol meramente exemplificativo8.

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Quanto ás parcelas excluídas do artigo 457, § 1º, Vólia Bomfim Cassar9 entende que as percentagens equivalem ás comissóes, de modo que sua retirada nao acarretou em consequencia prática ás partes, haja vista que as co-missóes continuam sendo tratadas como verbas salariais. Em relacao ás diárias para viagens, houve tentativa do legislador de anular qualquer possibilidade de natureza salarial, porquanto sao verbas indenizatórias ainda quando os valores ultrapassarem 50% do salário do empregado, conforme detalharemos adiante.

Em acordos e convencóes coletivas, o abono era fre-quentemente concedido como verba indenizatória e de-sencadeava, com isso, inúmeras acóes trabalhistas cujo objeto de discussao era a sua natureza jurídica, muito em razao da habitualidade. Com base nisso e em outras normas específicas, como o artigo 144 da CLT10, a nova redacao desfez a regra de que o abono possui natureza remuneratória sem, contudo, trazer especificado o seu conceito e, com isso, evitar o seu mau uso.

Apesar da mudanca em sua natureza jurídica, por meio de interpretacao lógico-racional, sistemática e teleológica, persiste a possibilidade de que os efeitos da interpretacao gramatical e literalista sejam amenizados11. Dessa manei-ra, o abono pode ser caracterizado como verba salarial em razao de dois motivos: o primeiro porque o artigo 457, § 1º da CLT deve ser compreendido como um rol exem-plificativo; o segundo porque a interpretacao a contrário sensu do artigo 457, § 2º da CLT, que traz em numerus clausus as importáncias que nao integram a remuneracao, permite concluir que á medida em que o abono nao está elencado no referido rol, é possível a sua caracterizacao como parcela de natureza remuneratória.

Parcelas indenizatórias

De acordo com Mauricio Godinho Delgado12, há duas modalidades principais de parcelas indenizatórias, quais se-jam, as que se referem ás despesas reais do empregado em funcao de contrato e aquelas construídas com o intuito de ressarcir um direito do obreiro nao fruído em sua integral-idade ou de reparar uma garantia jurídica desrespeitada.

A Reforma Trabalhista elencou no artigo 457, §2º da CLT as parcelas de caráter indenizatório, assim dispondo:

As importáncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, limitadas a cinquenta por cento da remuneracao mensal, o auxílio-alimentacao, vedado o seu pagamento em dinheiro, as diárias para viagem e os premios nao integram a remunera-cao do empregado, nao se incorporam ao contrato de trabalho e nao constituem base de incidencia de encargo trabalhista e previdenciário.

O requisito da habitualidade, que era, muitas vezes, o epicentro da discussao acerca da natureza jurídica de determinada parcela, foi expressamente neutralizado pela Lei n. 13.419/2017. Assim, em regra, qualquer que seja a frequencia em que determinada verba indenizatória for concedida ao trabalhador, sua natureza jurídica nao será alterada.

A incorporacao de determinada parcela ao contrato de trabalho também era uma questao muito discutida judicialmente em razao dos princípios da condicao mais benéfica ao trabalhador e da inalterabilidade contratual lesiva. Com a nova redacao do artigo 457 §2º da CLT, as verbas elencadas nao integrarao o contrato de trabalho, o que significa dizer que poderao ser modificadas ou suprimidas unilateralmente pelo empregador nas situacóes em que ficar evidente a inexistencia de fraude.

A redacao anterior á Reforma Trabalhista excluía das parcelas salariais apenas a ajuda de custo e diárias para viagens nao excedentes a 50% do salário do empregado e, conforme observa-se o artigo 457, §2º, o legislador am-pliou o rol das verbas de caráter indenizatório ao acrescen-tar o auxílio-alimentacao e os premios.

3. 1 Ajuda de custo

Em regra, a ajuda de custo é uma verba indenizatória cujo objetivo é ressarcir o empregado das despesas de-correntes do trabalho. Assim, a alteracao do artigo 457, §2º da CLT mostra-se adequada ao conceito do benefício e limita o seu valor a 50% do salário do empregado. Na redacao anterior á Reforma Trabalhista, esse limite recaía sobre as diárias para viagens e, com a reforma, foi transferido para a ajuda de custo.

A ajuda de custo será caracterizada como imprópria13 quando a empresa fornece ao empregado determinada importáncia a qual nao se destina á cobertura de gastos

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efetivos á prestacao do servico, por exemplo, um cartao combustível para o trabalhador locomover-se de casa para o trabalho. Nesse sentido, tal verba deve ser compreen-dida como salário in natura aos moldes do artigo 458 da CLT. Por outro lado, caso o benefício seja oferecido ao trabalhador com o intuito de ressarcimento de gastos efe-tuados para a execucao de sua...

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