A nova ofensiva ao sistema previdenciário brasileiro: um paralelo com o modelo privatista chileno

AutorAndré Alves Portella/Bruno Calil Nascimento de Souza
CargoUniversité de Paris Nanterre, Paris X - Paris, França/Universidade Católica do Salvador, Salvador - BA, Brasil
Páginas14-41
Direito, Estado e Sociedade n.58 p. 14 a 41 jan/jun 2021
A nova ofensiva ao sistema previdenciário
brasileiro: um paralelo com o modelo
privatista chileno
A new oensive to the Brazilian social security
system: a parallel with the Chilean privatist model
André Portella*
Université de Paris Nanterre, Paris X – Paris, França
Bruno Calil Nascimento de Souza**
Universidade Católica do Salvador, Salvador – BA, Brasil
1. Introdução
Em meio às crises econômicas sistêmicas, que são típicas do modo de pro-
dução capitalista, é comum a proposição de supressões de direitos sociais,
ou como preferem alguns teóricos “desmonte” de direitos fundamentais, a
serviço de uma alegada austeridade nas finanças públicas, e da retomada
do crescimento econômico que as alterações no sistema de atenção social
determinariam.
Foi assim na Grécia com o advento da crise do capital financeiro em
2008 e tem sido assim no Brasil após o início da crise política, econômica
e institucional que se arrasta desde 2015.
* Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2 (PQ2). Pós-doutor em Sociologia,
Filosofia e Antropologia Política pela Université de Paris Nanterre, Paris X, com bolsa CNPq
PDE – Pós-doutorado no Exterior. Mestre e Doutor em Direito Financeiro e Tributário pela
Universidad Complutense de Madrid (Menção Honrosa "Doctors Europeus"). Professor de
Direito Financeiro e Tributário da UFBA, UCSal e UNIFACS, coordenador do NEF – Tributação
e Finanças Públicas. E-mail: aaportella@pq.cnpq.br.
** Mestre em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador, membro do
NEF – Tributação e Finanças Públicas, Advogado e sócio do escritório Valter e Calil Advocacia
e Consultoria. E-mail: brunocalil@vecadvocacia.adv.br
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Direito, Estado e Sociedade n. 58 jan/jun 2021
A nova ofensiva ao sistema previdenciário brasileiro:
paralelo com o modelo privatista chileno
Frente ao contexto de desemprego, crise institucional e crise de repre-
sentatividade engendrados por tal situação, o Congresso Nacional e go-
vernantes inclinados mais à direita no espectro político passam a propor
as denominadas “medidas de austeridade”, sustentados pela retórica do
déficit fiscal propalada pela grande mídia,
Dentre tantas, apenas a título de exemplificação, cite-se a reforma Tra-
balhista, a Emenda Constitucional 95/2016, que congela por vinte anos os
gastos públicos e a controversa reforma da Previdência aprovada por inter-
médio da Emenda Constitucional 103/2019, esta última objeto de análise
neste trabalho.
Alterações significativas como estas propostas pelo Governo Federal,
em especial na previdência social, não são uma novidade, e encontram pa-
ralelo na história recente nacional e estrangeira. A Grécia, por exemplo, em
meio à crise financeira de 2008 e refém do Fundo Monetário Internacional
(FMI) e Banco Central Europeu (BCE), viu-se obrigada a promover uma
reforma estrutural em todo o sistema de financiamento público, em detri-
mento de direitos sociais fundamentais, o que acabou por desencadear for-
tes manifestações populares, em especial por parte dos aposentados, que
passaram a receber menos da metade do valor das suas pensões.
Embora o exemplo aqui seja a Grécia, é um engano imaginar que as
reformas no sistema de financiamento da Previdência Social sejam exclu-
sivas de países periféricos, ou de economias em recessão. Trata-se melhor
de uma medida a ser compreendida no contexto mais amplo, inerente ao
modo de produção capitalista, pautado na concentração de riqueza e na
submissão das finanças do Estado aos interesses desta concentração. Mes-
mo países como França, Suécia, Inglaterra, Alemanha e Japão já passaram
por alterações na legislação previdenciária, ainda que de maneira mais sutil
e menos gravosa à população, mas igualmente alinhadas aos interesses de
acumulação econômica e ao desequilíbrio na sua repartição.
Trata-se, em verdade, das ofensivas cíclicas do capital contra a Seguri-
dade Social, partindo da hipótese de que, a médio e longo prazo, o objetivo
é esvaziar o sistema público de aposentadorias, para que, ao final, o mer-
cado financeiro detenha o monopólio dos recursos disponibilizados pelos
contribuintes para financiamento das suas futuras pensões.
Não se trata de uma novidade, e a receita já foi testada inclusive na
América Latina. Na era Pinochet, o Chile serviu de laboratório à introdu-
ção de medidas neoliberais, tendo ali emergido uma reforma estruturante

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