O (novo) marco civil da telemedicina: a construção de um ambiente regulatório saudável para as novas práticas telemédicas

AutorMarco Aurélio Fernandes Garcia, José Augusto Fontoura Costa
CargoUniversidade de São Paulo. Faculdade de Direito. São Paulo/SP, Brasil / Universidadade de São Paulo. Faculdade de Direito
Páginas1-17
1
R. Dir. sanit., São Paulo v.22n2, e0003, 2022
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.rdisan.2022.173191
Artigo Original
O (novo) marco civil da telemedicina: a
construção de um ambiente regulatório
saudável para as novas práticas
telemédicas
The (New) Civil Telemedicine Framework: Construction of a
Healthy Regulatory Environment for New Telemedicine Practices
http://www.revistas.usp.br/rdisan
RESUMO
O presente trabalho t eve como objetivo principal
fornecer subsídios para a regulamentação da
telemedicina no Brasil. Com o advento da
pandemia de covid-19, instrumentos normativos
foram elaborados às pre ssas para regular a
oferta de atenção médica a distância, com o
uso de tecnologias da infor mação sincrônicas.
Contudo, tanto a Lei da Telemedicina quanto
a resolução do Conselho Federal de Medicina
n. 2.227/2018 que a seguiu, autorizando o uso
da telemedicina, foram omissas em relação
às balizas e aos parâmetros que a oferta de
serviços telemédicos deveriam seguir. Embora
não seja propriamente um fenômeno novo no
Brasil, a telemedicina his toricamente se deu em
um ambiente de forte inseguranç a jurídica. Esse
cenário é deletério t anto para as empresas, que
deixam de se capacitar p ara prestar ser viços
telemédicos, como para os p acientes, que se
veem obrigados a de sfrutar desses serv iços em
um ambiente pouco regulad o e potencialmente
lesivo. Com base nisso, este artigo elencou
pontos sensíveis que mere cem atenção do
legislador e das par tes interessadas para que
haja regulamentação d a telemedicina, incluindo
temas como a relação telemédico-paciente,
responsabilidade telemédica e das plataformas,
prontuário telemédico eletrônico, entre outros.
Essa regulamentação pode proporcionar
mais segurança jurídica e clareza regulatória,
apontando para a cons trução de um ambiente
regulatório saudável para as novas práticas
telemédicas.
Palavras-Chave: Plataformas Digitais;
Regulação; Telemedicina; Telessaúde.
ABSTRACT
The present work seeks to provide subsidies
for the regulation of telemedicine in Brazil.
With the outbreak of Covid-19, new normative
instruments were created in a hurr y to regulate
the offer remote me dical attention, with the use of
synchronous information technologies. However,
both the Brazilian Law on Telemedicine, and
the Brazilian Federal Council of Medicine
Regulation that followed it and authorized the
use of telemedicine, were sile nt in relation to the
limits and parameter s applicable for the offer of
telemedicine services. Although telemedicine
services are not a new phenomenon in Brazil,
they have historically been provided in an
environment of strong le gal uncertaint y. This
scenario is detrimental both for the companie s
that lose the oppor tunity to invest into capacitie s
to offer these ser vices, and for the p atients
who are obliged to use telemedicine services
in a lightly regulated and p otentially damaging
regulatory environment. Based on these
considerations, we present certain sensitive
points that deser ve further attention from
legislators and main stakeholders concerning
the regulation of telemedicine, including
themes such as telephysician-patient relations,
telephysician responsibility, electronic medical
records, among other s. The regulation of
these topics can increase legal certainty and
regulatory clarity and step into the direction
of the construction of a healthy regulator y
environment for these new telemedicine
practices.
Keywords: Digital Platforms; Regulation;
Telemedicine; Telehealth.
Marco Aurélio Fernandes Garcia1
https://orcid.org/0000-0002-5717-3792
José Augusto Fontoura Costa1
https://orcid.org/0000-0003-2300-3258
1Universidade de São Paulo. Faculdade de Direito. São Paulo/SP, Brasil.
Correspondência:
Marco Aurélio Fernandes Garcia
E-mail: marcofg0@hotmail.com
Recebido: 01/08/2020
Aprovado: 1 4/07/2 021
Conito de interesses:
Os autores declaram não haver
conflito de interesses.
Contribuição dos autores:
Todos os autores contribuíram
igualmente para o
desenvolvimento do artigo.
Copyright: Esta licença permite
que outros remixem, adaptem
e criem a partir do seu trabalho
para fins não comerciais, desde
que atribuam a você o devido
crédito e que licenciem as novas
criações sob termos idênticos.
2
Marco civil da telemedicina e a construção de um ambiente regulatório saudável Garcia M. A. F., Costa J. A. F.
R. Dir. sanit., São Paulo v.22n2, e0003, 2022
I Breve cronologia da autorização legal da telemedicina
A novel autorização para uso da telemedicina durante a crise ocasionada pela covid-
19, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n. 13.989/2020 (Lei da
Telemedicina) (BRASIL, 2020), representou uma forma de ampliar a atenção médica
em tempos de pandemia e, concomitantemente, a (re)abertura para comercialização
de serviços relacionados à atenção médica para um enorme mercado consumidor.
Apesar de ser um tema de alta sensibilidade, a Lei da Telemedicina foi excessivamente
sucinta em relação à regulação dessa prática. Em seis breves artigos, a lei apenas
autoriza, em caráter emergencial, o uso da telemedicina, impondo ao médico que
informe o paciente sobre as limitações inerentes ao uso da telemedicina e determinando
que sejam observados os padrões normativos e éticos usualmente aplicáveis ao
atendimento presencial.
A Portaria n. 467/2020 do Ministério da Saúde (MS, 2020), aprovada às pressas
poucas semanas antes da Lei da Telemedicina, apresenta o mesmo texto generalista,
mas adiciona certos detalhes em relação à elaboração de prontuário clínico, ao uso
de mecanismos de autenticação eletrônica, à prescrição médica e aos documentos
a serem enviados em caso de medida de isolamento determinada pelo médico,
entre outros temas.
Antes disso, a telemedicina fora autorizada em 2018 pela resolução do Conselho
Federal de Medicina (CFM) n. 2.227/2018, posteriormente revogada – ainda durante
seu período de vacatio legis pela Resolução CFM n. 2.228/2019. Anteriormente à
Resolução CFM n. 2.227/2018, a telemedicina já tinha sido objeto de outra resolução
delineando as balizas para seu emprego no Brasil, a Resolução CFM n. 1.643/2002.
Ocorre que, embora a Resolução CFM n. 2.228/2019 tenha revogado por completo
a Resolução CFM n. 2.227/2018, ela também reestabeleceu integralmente a vigência
da Resolução CFM n. 1.643/2002. O resultado é um verdadeiro imbróglio jurídico,
já que, tecnicamente, a telemedicina permanecia autorizada pela resolução de 2002,
apesar de a Lei da Telemedicina e a Portaria n. 467/2020 do Ministério da Saúde a
ela subsequentes tenham tratado da “autorização” do uso da telemedicina no Brasil.
Até o momento em que este artigo foi escrito, não havia definição acerca do uso da
telemedicina passado o período crítico de enfrentamento à covid-19, tendo em vista que
o dispositivo que previa a regulamentação futura da telemedicina pelo CFM foi vetado
sob a justificativa de que o tema deveria ser regulado por meio de lei. Argumentou-se,
nesse sentido, haver proteção constitucional da liberdade de exercício das profissões nos
termos do artigo 5o, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988 (CF/88) (BRASIL, 1988).
Apesar da insegurança jurídica do momento, espera-se que os principais atores do
mercado comecem prontamente a se posicionar para atender a esse grande público
viabilizado pela autorização da telemedicina.
A utilização de tecnologias da informação sincrônicas, tais como software de
videoconferência, potencializa o alcance da atenção médica. Exemplos internacionais
apontam para a possibilidade de implantação de grandes plataformas dedicadas à
prestação desses serviços. Trata-se, por conseguinte, de momento importante para a
definição das regras que serão aplicáveis a essas atividades, com o fito de caminharmos
para uma construção juridicamente segura de serviços que têm alto potencial de
impacto na sociedade.
II Por que regular a telemedicina?
A Lei da Telemedicina foi formulada para gerar efeitos por um período determinável,
qual seja, o de duração da pandemia de covid-19. Dessarte, a autorização geral para

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT