O novo Plano Diretor do Recife e o direito à moradia: um olhar crítico sobre o processo de revisão e alguns dos instrumentos urbanísticos propostos
Autor | Danielle de Melo Rocha, Fabiano Rocha Diniz, Felipe Jardim |
Cargo | Arquiteta-urbanista (UFPE, 1990) com especialização em Cartografia Aplicada ao Geoprocessamento (UFPE, 1994), mestrado em Geografia (UFPE, 2000) e doutorado em Geografia e Ordenamento Territorial (Universidade Paris 3 - Sorbonne Nouvelle, França, 2010), pós-doutorado de fixação de Pesquisador (FACEPE/CNPQ, 2012 a 2014). Atuou por 15 anos (1991... |
Páginas | 455-485 |
Revista de Direito da Cidade vol. 13, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2021.58570
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Revista de Direito da Cidade, vol. 13, nº 1. ISSN 2317-7721. pp.427-445 437
e especialmente dos bens comuns , por sua vez, não prescinde
da identificação das peculiaridades de cada bem individualmente considerado, das
sociedade em que se insere. Assim, os instrumentos jurídicos de acesso e,
consequentemente, de gestão dos bens comuns somente podem ser concebidos à
luz de problemas concretos, delimitando-
VIÉGAS, 2020).
4. RESTRIÇÃO DOS ATOS DE DESAFETAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS E DOS ATOS QUE AMEACEM O REGIME
DOS COMMONS: ANÁLISE DE CASOS
O repertório jurisprudencial é rico na análise que envolve o controle das desafetações de bens de
titularidade pública praticados pela Administração Pública. Embora nem sempre se associe a discussão ao
regime dos bens comuns, trata-se de expediente de suma relevância que, mesmo indiretamente, traz ao
debate democrático temas que tocam a essencialidade de certos bens, esbarrando na teoria dos bens
comuns. Il ustrativamente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo analisou pouco tempo atrás a
regularidade de desafetação, realizada com base na Lei Municipal 133/2011, de certa área que deveria ser
destinada ao uso comum, para fins de construção de estacionamento de caminhões. O terreno sob exame
havia sido doado ao Município de Guarujá, em São Paulo, com encargo de construção de praças e jardins
de loteamento.
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Entendeu-se, no caso, pela inconstitucionalidade da lei que promovia a desafetação, em face do
artigo 180, VII, da Constituição do Estado de São Paulo
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e art. 225,§ 1º, IV, da Constituiç ão Federal,
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TJSP, 5ª C.Dir. Púb., Ap. Cív. 0009353-31.2010.8.26.0223, Rel. Min. Helísa Martins Mimessi, julg. 6.2.2017, publ. DJ
bens públicos de uso comum do povo, nos termos do art. 99, I, do Código Ci vil. Trata-se de bens essenciais à sadia
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s e normas relativas ao
desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão: (...) VII - as áreas definidas em projetos de
loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão ter sua destinação, fim e objetivos originariamente
alterados, excet o quando a alteração da destinação tiver como finalidade a regularização de: loteamentos, cujas
áreas verdes ou institucionais estejam total ou parcialmente ocupadas por núcleos habitacionais de interesse social
destinados à população de baixa renda, e cuja situação esteja consolidada ou seja de difícil reversão; equipamentos
públicos implantados com uso diverso da destinação, fim e objetivos originariamente previstos quando da aprovação
do loteamento; imóveis ocupados por organizações religiosas para su
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e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-
lo para as presentes e f uturas gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...) IV - exigir, na forma da lei , para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambient
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mantendo-se os t ermos da sentença que determinou a recomposição integral do meio ambiente
indevidamente degradado e declarou a nulidade dos atos que autorizaram o aterro e a construção do
estacionamento de caminhões. Vale notar que a proteção do uso coletivo do bem se deu, mesmo diante
de terreno apenas abstratamente destinado a tal. Protegeu-se a mera finalidade de acessibilidade a todos,
em detrimento de outra que impedisse a potencial destinação coletiva do bem. Assim, destacou-se que a
afirmação de escasso uso do espaço de lazer pela coletividade não é justificativa apta a legitimar o ato de
desafetação pelo Poder Público, visto que a finalidade desses espaços não se esgota na utilização, mas na
mera disponibilidade do bem à coletividade.
Na mesma direção, o Superior Tribunal de Ju stiça analisou Ação Civil Pública
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que questionava a
desafetação de bem de uso comum do povo, in casu, uma praça, para a categoria de bem dominical, o que
viabilizou a doação do imóvel ao Instituto Nacional do Seguro Social INSS, com o propósito de instalação
de nova agência do órgão federal. Destacou-se que o não uso ou pouco uso do espaço público pela
população não pode servir de justificativa para o ato de desafetação, uma vez que a finalidade desses
locais públicos não se resume, nem se esgota na efetiva utilização do bem pela comunidade, mas no mero
acesso e disponibilização do espaço à coletividade do presente e do futuro. O Tribunal afirmou, ainda, que
a desafetação do bem público, se efetuada sem critérios sólidos e objetivos, como no caso em tela, torna-
público deveria encontrar no Estado o seu maior protetor.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, sob relatoria do Min. Herman Benjamin, merece
destaque o REsp 1.391.271/RJ,
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em que foi considerada inviável a alienação de certa área reservada a
estacionamento público, bem como a sua desafetação ou alteração de sua finalidade para torná -la
edificável. Tratando de questão urbanística, entendeu-se pela necessidade de que se proceda levando em
conta sempre o interesse coletivo, à luz da função socioecológica prevista na Constituição da República.
Na ocasião, afirmou-se que:
cumpre p arcialmente seu dever, visto que tais atributos requerem gestão,
conservação, melhoramento, fiscalização, defesa e garantia da isonomia entre os
beneficiários. Mas, sabemos, o Estado zela mal por seu próprio patrimônio, até
porque ocorre de encarnar, ele mesmo, o maior destruidor ou degradador, direto ou
indireto, da coisa pública, sendo o urbanismo e o meio ambiente duas de suas
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STJ, 2ª T., REsp 1.135.807/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julg. 15.4.2010.
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STJ, 2ª T., REsp 1.391.271/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julg. 3.11.2015.
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