Novo Regime Fiscal, autonomia financeira e separação de poderes: uma leitura em favor de sua constitucionalidade

AutorVanice Lírio do Valle
CargoProfessora Permanente do PPGD da Universidade Estácio de Sá ? UNESA (Rio de Janeiro-RJ, Brasil). Doutorado em Direito pela Universidade Gama Filho (Rio de Janeiro, Brasil)
Páginas227-258
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Como citar esse artigo/How to cite this article: VALLE, Vanice Regina Lírio do. Novo Regime Fiscal, autonomia nanceira e sepa-
ração de poderes: uma leitura em favor de sua constitucionalidade. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol.
4, n. 1, p. 227-258, jan./abr. 2017. DOI:10.5380/rinc.v4i1.50340.
* Professora Permanente do PPGD da Universidade Estácio de Sá – UNESA (Rio de Janeiro-RJ, Brasil). Doutorado em Direito pela
Universidade Gama Filho (Rio de Janeiro, Brasil). Visiting Fellow junto ao Human Rights Program da Harvard Law School (USA).
Pós-doutorado em Administração pela EBAPE – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV/Rio). Membro
do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Procuradora do Município do Rio de Janeiro. E-mail: vanicevalle@gmail.com.
Novo Regime Fiscal, autonomia nanceira e separação de
poderes: uma leitura em favor de sua constitucionalidade
New Fiscal Regime, nancial autonomy and separation
of powers: a reading in favor of its constitutionality
VANICE REGINA LÍRIO DO VALLE*
Universidade Estácio de Sá - UNESA (Brasil)
vanicevalle@gmail.com
Recebido/Received: 26.01.2017 / January 26th, 2017
Aprovado/Approved: 08.02.2017 / February 8th, 2017
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Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 4, n. 1, p. 227-258, jan./abr. 2017.
Abstract:
The introduction of an expenditure limitation to all politi-
cal structures in the federal level of government brought by
the New Fiscal Regime is already submit to judicial abstract
control based on an alleged violation of the separation of
powers clause. The discussion also involve the preservation
of nancial autonomy granted by constitution to the Judi-
ciary and other institutions in the control system. The case
law in the Constitutional Court about the meaning of the
nancial autonomy examined in that article provides some
guidance to the analysis of the unconstitutionality allega-
tion. The article also examines the alleged violation of the
separation of power clause, considering its instrumental
role when it comes to preserving constitutional values as
democracy, eciency and human rights. The conclusion is
that there are not substantive elements to allow, based in
such a vague clause as separation of powers, an a priori
ruling of unconstitutionality.Time alone, can present in the
Resumo
A introdução de um limite de gastos às estruturas políti-
ca no nível federal trazida pelo Novo Regime Fiscal já foi
objeto de controle judicial em abstrato, baseado na ale-
gada violação do princípio de separação de poderes. A
discussão também envolve a preservação da autonomia
nanceira assegurada pela Constituição ao Judiciário e
outras instituições integrantes do sistema de controle. A
casuística do Supremo Tribunal Federal acerca do sentido
da autonomia nanceira examinada neste artigo provê
critérios para a análise de constitucionalidade requerida.
O artigo também examina a alegação de violação à sepa-
ração de poderes, considerando seu papel instrumental
na preservação de valores constitucionais como demo-
cracia, eciência institucional e direitos fundamentais. A
conclusão é de que não há elemento substantivos su-
cientes a permitir, baseado numa cláusula indeterminada
como o é a de separação de poderes, uma proclamação
Revista de Investigações Constitucionais
ISSN 2359-5639
DOI:10.5380/rinc.v4i1.50340
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Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 4, n. 1, p. 227-258,, jan./abr. 2017.
Vanice Regina Lírio do Valle
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application level, substantive elements that might corrobo-
rate the alleged unconstitutionality.
Keywords: New Fiscal Regime; Constitutional Amend-
ment 95; scal balance; nancial autonomy; separation of
powers.
apriorística da inconstitucionalidade do Novo Regime
Fiscal. Só o tempo poderá apresentar, no plano da apli-
cação, elementos substantivos que possa corroborar a
imputação de inconstitucionalidade.
Palavras-chave: Novo Regime Fiscal; Emenda Constitu-
cional 95; equilíbrio scal; autonomia nanceira; separa-
ção de poderes.
SUMÁRIO
1. Introdução; 2. A Emenda 95 no movimento contínuo de disciplina da matéria nanceira pela via do
poder constituinte reformador; 3. Desenho geral de conteúdo da Emenda 95; 3.1. A xação do limite
de gastos; 3.2. A atualização do limite de gastos; 3.3. Mecanismos de transparência associados ao Novo
Regime Fiscal; 3.4. Efeitos jurídicos da violação dos limites xados; 4. Autonomia nanceira e prerroga-
tivas dela decorrentes na jurisprudência do STF; 5. Autonomia orçamentária e separação de poderes: os
temas primários de debate; 5.1. Novo Regime Fiscal e alegada violação à autonomia orçamentária; 5.2.
Novo Regime Fiscal e alegada violação ao equilíbrio e harmonia entre os poderes; 5.2.1. Novo Regime
Fiscal e harmonia com o princípio democrático; 5.2.2. Novo Regime Fiscal, equilíbrio e harmonia en-
tre poderes e especialização funcional; 5.2.3. Novo Regime Fiscal, equilíbrio e harmonia entre poderes
proteção a direitos fundamentais; 6. Conclusão; 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Novo Regime Fiscal, instituído pela Emenda 95 de 15 de dezembro de 2016 se
apresenta como fato novo no quadro normativo nacional que já nasce imerso em po-
lêmica. O intenso debate acerca da conveniência e oportunidade da proposição, seus
efeitos na curva de efetividade dos direitos sociais e ainda na integridade e funciona-
mento do sistema de controle determinou a judicialização preventiva da proposição,
com a impetração por Deputados do PT e do PC do B do Mandado de Segurança nº
34.4481, que pretendia o trancamento do processamento legislativo da referida iniciati-
va. Promulgada a Emenda, já se tem o ajuizamento de ADIN 56332 ofertada pela AJUFE,
AMB e ANAMATRA, onde se sustenta sob vários ângulos, o vício de raiz da proposição
com ênfase nos preceitos que estariam, a ver dos autores, a minar a autonomia nan-
ceira do Poder Judiciário e/ou o equilíbrio e harmonia entre os poderes.
Não se pretende, nos limites de um artigo cientíco, enfrentar um quadro tão
amplo de debates sensíveis e de alta complexidade. De outro lado, a Emenda 95 vige,
e reclamará dos gestores públicos um esforço de compreensão – ao menos até que se
1
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 34448 MC, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em
10/10/2016, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-218 DIVULG 11/10/2016 PUBLIC 13/10/2016.
2
A ação de controle abstrato, distribuída à Ministra Rosa Weber, teve seu processamento remetido ao rito
do art. 12 da Lei 9868/99, com a remessa da apreciação da liminar requerida ao Plenário do Supremo Tribunal
Federal.
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tenha nova intervenção esclarecedora originária do Parlamento ou mesmo do Supre-
mo Tribunal Federal. Nestes termos, elege-se como objeto do presente artigo a análise
dessas duas principais alegações de vício de raiz – violação à autonomia nanceira e ao
equilíbrio entre poderes – eis que o reconhecimento de qualquer dos dois fundamen-
tos importaria em lançar por terra se não a íntegra, ao menos a essência da proposição
convertida em Emenda 95.
Distingue-se igualmente, para os ns dessa análise, os preceitos que constituem
a estrutura principal do Novo Regime Fiscal, e aqueles que regulam a transição para
este modelo3 ou a sua modicação futura.4 Os argumentos aqui expendidos se repor-
tam a este corpo principal, reservando-se a análise dos demais preceitos para outra
ocasião.
O texto se desenvolverá da seguinte maneira. Na Parte 1 formulam-se as consi-
derações introdutórias e metodológicas. Na Parte 2 explora-se o percurso de tratamen-
to da temática das nanças públicas por intermédio do poder constituinte reformador,
evidenciando o espraiamento da matéria para o ADCT, numa curiosa tredestinação
dessa espécie normativa. A Parte 3 empreende a um breve percurso da estrutura pro-
posta pela Emenda 95 ao chamado Novo Regime Fiscal, de modo a que se possa com-
preender o sistema pretendido instituir, premissa à formulação de qualquer juízo crítico
na matéria. A Parte 4 percorre a jurisprudência constitucional no tema da autonomia
nanceira das estruturas institucionais a quem a constituição conferiu esse atributo.
A lógica é de que a interpretação constitucional se benecie de um saber construído
por agregação, sendo imprescindível conhecer as premissas já rmadas pela Corte para
prosseguir no enfrentamento da questão judicializada. Finalmente, a Parte 5 analisa os
dois eixos argumentativos da violação à autonomia nanceira e ao equilíbrio e harmo-
nia entre poderes, tendo em conta os preceitos identicados como corpo principal do
Novo Regime Fiscal, que instituem a mecânica do limite de gastos em si.
Não se formula aqui qualquer consideração sobre a oportunidade da iniciativa,
ou o seu potencial eventualmente regressivo em relação a direitos sociais. A crítica à
oportunidade é do campo da política; e a regressividade na seara dos direitos humanos
é um exercício de prognóstico que só o tempo poderá conrmar. O que se busca é apre-
sentar os pontos da Emenda 95 que estarão a reclamar um esforço interpretativo mais
expressivo, construindo com isso uma pauta reexiva. O objetivo desse mapeamento
de pontos de tensão exegética propostos pela Emenda 95 é permitir uma desejável
3
As normas aqui indicadas como de transição para o Novo Regime Fiscal situam-se no art. 107, § 7º e 8º do
ADCT.
4
Esta matéria se tem especicamente regrada no art. 108 ADCT.
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