Obamacare e a linguagem dos 'direitos dos estados': federalismo não cooperativo ou constitucionalismo 'dinossauro

AutorAnne Richardson Oakes, Ilaria Di-Gioia
CargoDiretora do Center for American Legal Studies da Birmingham City University Law School (Birmingham, Reino Unido)/Professora e Doutoranda em Direito no Center for American Legal Studies da Birmingham City University Law School (Birmingham, Reino Unido)
Páginas119-143
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Licensed under Creative Commons
Como citar esse artigo/How to cite this article: OAKES, Anne Richardson; DI-GIOIA, Ilaria. Obamacare e a linguagem dos “direi-
tos dos estados”: federalismo não cooperativo ou constitucionalismo “dinossauro”. Revista de Investigações Constitucionais,
Curitiba, vol. 4, n. 3, p 119-143, set./dez. 2017. DOI: 10.5380/rinc.v4i3.54376.
* Texto originariamente publicado sob o título Uncooperative Federalism or Dinosaur Constitutionalism: The Aordable Care Act
and the Language of States Rights na Rivista “Nomos. Le attualità nel diritto”, Roma, n. 1, p. 1-20, 2017. Tradução por Carolina
de Freitas Chehab, graduada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), e revisão por
Ricardo Perlingeiro, Doutor em Direito, Professor da Faculdade de Direito da UFF e Desembargador Federal do TRF2; Alexandre
Arruda, Doutorando do Programa de Pós-Graduação Justiça Administrativa da UFF e Juiz Federal no Rio de Janeiro; e Renato
Pessanha, Juiz Federal no Rio de Janeiro. E-mail: anne.oakes@bcu.ac.uk.
** Diretora do Center for American Legal Studies da Birmingham City University Law School (Birmingham, Reino Unido). Douto-
ra em Direito pela Birmingham City University Law School.
*** Professora e Doutoranda em Direito no Center for American Legal Studies da Birmingham City University Law School (Bir-
mingham, Reino Unido). E-mail: ilaria.di-gioia@bcu.ac.uk.
Revista de Investigações Constitucionais
ISSN 2359-5639
DOI: 10.5380/rinc.v4i3.54376
119
Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 4, n. 3, p. 119-143, set./dez. 2017.
Obamacare e a linguagem dos “direitos dos estados”: federalismo
não cooperativo ou constitucionalismo “dinossauro”*
Obamacare and the language of the “states’ rights”:
uncooperative federalism or “dinosaur” constitutionalism
ANNE RICHARDSON OAKES**
Birmingham Law School (Reino Unido)
anne.oakes@bcu.ac.uk
ILARIA DIGIOIA***
Birmingham Law School (Reino Unido)
ilaria.di-gioia@bcu.ac.uk
Recebido/Received: 07.08.2017 / August 07th, 2017
Aprovado/Approved: 23.08.2017 / August 23th, 2017
Resumo
A oposição legislativa dos estados às reformas do sistema
de saúde do Presidente Obama nos convida para uma
atenção renovada sobre a dinâmica da partição de Poder
e sobre a distribuição da soberania na Constituição Fed-
eral dos Estados Unidos. Entre 2010 e o início de 2016, 22
legislaturas de estados promulgaram leis e medidas de-
saando ou excluindo-se das amplas reformas de saúde
relacionadas com as disposições obrigatórias da Patient
Protection and Aordable Care Act (Lei de Proteção
Abstract
State legislative opposition to President Obama’s health-
care reforms invites renewed attention to the dynamics
of power sharing and the allocation of sovereignty in the
U.S. federal constitution. Between 2010 and early 2016, 22
state legislatures enacted laws and measures challenging
or opting out of broad health reforms related to man da-
tory provisions of the Patient Protection and Aordable
Care Act (PPACA). Some scholars have seen in these bills
a resurgence of the doctrine of nullication, discredited
120
ANNE RICHARDSON OAKES | ILARIA DI-GIOIA
Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 4, n. 3, p. 119-143, set./dez. 2017.
ao Paciente e Cuidados Acessíveis - PPACA). Alguns
acadêmicos têm visto esses projetos de lei como uma
ressurgência da ‘doctrine of nullication’, desacreditada
em razão de conexões históricas, especicamente com
aquelas da secessão, Jim Crow e Resistência Massiva.
Outros têm uma visão mais matizada e argumentam que
as chamadas “Leis de Liberdade aos Cuidados de Saúde”
foram pragmaticamente concebidas para desencadear
desaos à PPACA que podem funcionar dentro da estru-
tura contemporânea da ortodoxia constitucional. O pre-
sente artigo analisa a linguagem das Leis de Liberdade
aos Cuidados de Saúde e as compara com as resoluções
da Resistência Massiva para inquirir se os estados assimi-
laram, a partir das lições do passado, o desenvolvimento
de estratégias mais bem-sucedidas para desaar o esco-
po indesejado da lei e regulamentação federal.
Palavras-chave: direito à saúde; federalismo; Obama-
care; cooperação; Estados Unidos.
because of its historical associations, specically with tho-
se of secession, Jim Crow and Massive Resistance. Others
take a more nuanced view and argue that the so called
“Health Care Freedom Acts” were pragmatically designed
to trigger challenges to the PPACA that can work within
the contemporary framework of constitutional orthodoxy.
This paper analyses the language of the Health Care Free-
dom Acts and compares them with the Massive Resistance
resolutions to enquire whether states have learned from
the lessons of the past to develop more successful stra-
tegies for challenging the unwanted reach of federal law
and regulation.
Keywords: right to health; federalism; Obamacare; coope-
rative; United States.
O presente artigo é uma reexão sobre a natureza da oposição dos estados à
Lei PPACA (2010), popularmente conhecida como Lei de Cuidados Acessíveis ou simples-
mente Obamacare. A Lei, sancionada pelo Presidente Obama em 23 de março de 2010,
representou a revisão regulatória mais signicativa do sistema de saúde americano
desde a aprovação do Medicare e do Medicaid em 1965, mas uma impugnação consti-
tucional multiestadual ao individual mandate1 e a expansão do medicaid começaram
apenas alguns minutos após o Presidente ter sancionado a Lei. No momento em que
o caso chegou à Suprema Corte dos EUA, vinte e seis estados e seus Procuradores e/
ou Governadores se uniram a dois cidadãos particulares, além do National Federation
of Independent Business (NFIB), em uma ação judicial que, de acordo com o Juiz Distrital
Sênior da Flórida, Vinson, foi “não exatamente sobre o sistema de saúde como um todo.
[Foi] principalmente sobre o nosso sistema federalista, e isso levanta questões muito
importantes com relação ao papel constitucional do governo federal.2
Na ocasião, a decisão da Suprema Corte americana no caso NFIB versus Sebelius3
manteve a previsão legal do individual mandate. No entanto, a Corte derrubou as dis-
posições legais complementares que requeriam dos estados a expansão da cobertura
1 Nota dos tradutores: individual mandate refere-se à obrigatoriedade imposta pela lei à maioria dos americanos de contratar
um seguro saúde, sob pena de sanção pecuniária.
2 Ver ESTADOS UNIDOS. United States District Court. N.D. Miami. Florida ex rel. Bondi v. U.S. Dept of Health & Human Ser-
vices, 780 F. Supp. 2d, 1256, 1263. Miami, 31 janeiro 2011 (ajuizada pelo Procurador Geral da Flórida, Bill McCollum, no Distrito
do Norte da Flórida, e chamados ao processo inicialmente o Procurador Geral de Idaho, Lawrence Wasden, e o Procurador Geral
de Utah, Shurtle, mais onze outros procuradores gerais. No mesmo dia, o Procurador Geral da Virginia, Kenneth Cuccinelli,
ajuizou ação no Distrito Leste da Virginia, desaando a constitucionalidade das previsões legais do individual mandate da ACA:
United States District Court, Eastern District of Virginia. Commonwealth v. Sebelius. No. 3:10-CV-00188-HEH, Virginia, 23 de
março de 2010.
3 ESTADOS UNIDOS. U.S. Supreme Court. National Federation of Independent Business v. Sebelius. 567 U.S. ___. 132 S. Ct.
2566, Washington, 28 junho 2012.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT