ODR como meio propício à solução de conflitos de consumo. Contornos procedimentais e limitações satisfativas
Autor | Antônio Pereira Gaio Junior |
Ocupação do Autor | Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra ? POR. Pós-Doutor em Democracia e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae ? Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra-POR. Doutor em Direito pela UGF. Mestre em Direito pela UGF. Pós-Graduado em Direito Processual pela UGF. Visiting Professor no Ius Gentium Conimbrigae ? FDUC-POR. ... |
Páginas | 89-120 |
ODR COMO MEIO PROPÍCIO
À SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE CONSUMO.
CONTORNOS PROCEDIMENTAIS E
LIMITAÇÕES SATISFATIVAS
Antônio Pereira Gaio Junior*
Sumário: 1. Considerações sobre a proteção jurídica do consumidor – 2. A crise da jurisdição
estatal e os meios propícios à solução de conitos. Pontos relativamente preambulares às
odrs – 3. Online dispute resolution no contexto da resolução de conitos consumeristas; 3.1
Aproximação conceitual das ODRs; 3.2 Litígios consumeristas e experiências em ODR; 3.2.1
Procedimentos de ODRs Institucionalizados – 4. Contextualizações procedimentais e satisfa-
tivas em sede das ODRS – 5. Conclusão – Referências.
1. CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROTEÇÃO JURÍDICA DO
CONSUMIDOR
O senso comum, muitas vezes, transforma fenômenos históricos em reali-
dades naturais que teriam existido sempre ou que surgiram de repente em sua
forma atual. É o caso do mercado e das relações de consumo, estes que foram
construídos de forma não linear pela soma de invenções realizadas em contextos
e lugares diferentes, continuando ainda em mutação.
Certo é que, ao se utilizar as mesmas palavras para denir fenômenos em
constante transformação, gera-se a ilusão de que são eles a-históricos.1
O surgimento e o desenvolvimento dos mercados, relacionados a mecanis-
mos de troca de bens e serviços realizados por agentes com capacidade autônoma
* Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra – POR. Pós-Doutor em Democracia e Direitos
Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra-POR.
Doutor em Direito pela UGF. Mestre em Direito pela UGF. Pós-Graduado em Direito Processual pela
UGF. Visiting Professor no Ius Gentium Conimbrigae – FDUC-POR. Professor Associado de Direito
Processual Civil e Teoria Geral do Processo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ.
Coordenador da Pós-Graduação em Direito Processual Contemporâneo – UFRRJ. Membro da Interna-
tional Association of Procedural Law-IAPL. Membro da International Bar Association – IBA. Membro
do Instituto Iberoamericano de Direito Processual – IIDP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito
Processual – IBDP. Membro da Associação de Direito e Economia Europeia – ADEE. Membro Efetivo
da Comissão Permanente de Processo Civil do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB Nacional.
Líder do Grupo de Pesquisa Processo Civil e Desenvolvimento (UFRRJ/CNPq). Advogado, Consultor
Jurídico e Parecerista. www.gaiojr.com. jgaio@terra.com.br
1. SORJ, Bernardo. A Nova Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, p. 44.
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ANTôNIO PErEIrA GAIO JuNIOr
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– indivíduos, empresas – dentro de um espaço normativo comum, são oriundos
de larga história2 e também de processos sociais e políticos complexos,3 sendo
a proteção do consumidor consequência direta de tais processos, ante as novas
situações decorrentes do desenvolvimento.4
A despeito de toda historicidade antecedente, Kotler5 destaca três períodos
marcantes para o movimento de consumidores, ensejando, inclusive, sua devida
proteção:
2. Para uma análise mais especíca acerca da historicidade do consumo e da proteção consumista, ver,
dentre outros, AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. História e fundamentos do direito do consumidor.
São Paulo: Ed. RT, v.78, n.648, out. 1989, p. 31-45; HERMANN, Robert O. e Consumer Moment in
Historical Perspective. Pennsylvania: Pennsylvania State University, 1970; ANGELIVE, Erma. History
of the National Consumers League. Washington: NCL, 1979; CALAIS-AULOY, Jean. Droit de lá con-
sommation. Paris: Dalloz, 1986.
3. Ao tratar de um estudo acerca da evolução de mercado e sociedade de consumo, BERNARDO SORJ
investe na ideia de que nunca existiu, nem mesmo atualmente, um “mercado” como sujeito de uma
racionalidade que se impõe por si mesma.
Adverte o aludido autor:
“(...) A criação das formas modernas de mercado e sua constante transformação são produtos da in-
venção constante de novas instituições que mobilizam os interesses sociais e geram conitos em torno
da sua implantação.”
A m de complementar o referido raciocínio, o autor enumera, pelo menos, seis grandes áreas de inven-
ção e conito social, em torno das quais se deram e ainda se dão, no capitalismo, a noção de formação
e transformação dos mercados:
“– A criação de espaços físicos onde pessoas, bens e produtos podem circular livremente (antes Estados
nacionais, hoje regiões e/ou o globo).
– A criação de moeda, de impostos, de novas formas de propriedade e pagamento (sociedade anônima,
conta bancária, promissórias etc.).
– A denição do que é objeto legítimo de troca (força de trabalho, seguros, sexo, genes, informação,
tecnologias, tudo isso são objetos que se transformaram em produtos comerciais após longos processos
de conito, negociação e modicação de valores).
– A constituição e disciplinamento de agentes sociais que internalizaram a racionalidade de mercado.
– O estabelecimento de um sistema legal e sua aplicação por funcionários especializados, com monopólio
dos mecanismos de regulamentação, punição, controle e uso da violência em determinado espaço.
– A invenção de categorias sociais através das quais os participantes das relações mercantis se auto-
representam e organizam sua participação social e política (empresários, trabalhadores, sindicatos,
empregados, funcionários, autônomos, vendedores, ambulantes etc.)”. Idem, p. 44-45.
4. Dentro do contexto de desenvolvimento da proteção consumista, de forma ainda mais especíca, sustenta
Othon Sidou que “o que deu dimensão enormíssima ao imperativo cogente de proteção ao consumidor,
ao ponto de impor-se como tema de segurança do Estado no mundo moderno, em razão dos atritos
sociais que o problema pode gerar e ao Estado incumbe delir, foi o extraordinário desenvolvimento do
comércio e a consequente ampliação da publicidade, do que igualmente resultou, isto sim, o fenômeno
conhecido dos economistas do passado – a sociedade do consumo, ou o desfrute pelo simples desfrute,
a ampliação da riqueza por mera sugestão consciente ou inconsciente.” SIDOU, Othon. Proteção ao
consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 5.
5. KOTLER, Philip. Marketing. São Paulo: Atlas, 1986, p. 555. Vale ressaltar que os Estados Unidos devem
ser considerados os vanguardeiros na difusão do movimento consumerista em todo mundo, justicando,
neste sentido, a incidência dos períodos marcantes citados por Kotler a partir daquele país.
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