O papel da linguagem para a construção da verdade no processo penal

AutorFelipe Martins Pinto
Ocupação do AutorAdvogado Criminalista. Pós-Doutorado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Páginas131-172
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O PAPEL DA LINGUAGEM PARA A
CONSTRUÇÃO DA VERDADE NO
PROCESSO PENAL
A relatividade da verdade aferida como resultado do
exercício da atividade jurisdicional lhe é imanente, da
mesma maneira como ocorre com a obtenção de qual-
quer outro tipo de conhecimento.
Vistos a partir do meio da linguagem, o procedimento
objetivador do conhecimento da natureza e o conceito
do ser em si, que corresponde à intenção de todo co-
nhecimento, mostraram não passar de um resultado de
mera abstração.1
A estabilidade de um sistema jurídico-político ja-
mais pode depender da satisfação individual da concep-
ção de justiça e de verdade.
Necessário formalizar o conceito de aceitação para
se generalizar o reconhecimento de decisões para que
os indivíduos as assumam como premissas do próprio
comportamento.2
A construção do conhecimento produzido no pro-
cesso jurisdicional não autoriza, ao contrário do que
1 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais
de uma hermêutico losóca. op cit. p. 613/614.
2 LUHMANN, Niklas. op cit. p. 33.
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alguns sustentam, a se falar em uma verdade mais pró-
xima da realidade e outra menos, pois, a verdade advirá
de uma “conversação hermenêutica3, em que os parti-
cipantes através do “intercâmbio de opiniões”4 alcança-
rão uma linguagem e um resultado comuns.
A mediação pela linguagem impõe, obrigatoriamen-
te, à formação da verdade no processo, uma carga de
relativismo e de incerteza e de ambiguidade5, diante da
elevada complexidade, variabilidade e inclinação à con-
tradição dos temas e das premissas de decisão.
Os agentes interlocutores estabelecerão no processo
uma “fusão de horizontes”6 a partir de signos pré-de-
nidos segundo a natureza jurídica do Estado e cons-
truirão, através da conversação, um novo ponto de vista
fruto das visões e percepções de cada um dos interlocu-
tores e que será algo comum a todos.
Os signos diante da estrutura especulativa da lin-
guagem estão escancarados para a innidade de experi-
ências de mundo presentes e futuras e virão à fala por
indeterminadas vezes, convertidos em sentidos que se-
rão o fruto da fusão dos horizontes do passado do texto
escrito e do presente de cada intérprete.
O movimento de conversão dos signos em sentidos,
mais que a expressão de uma singela opinião, oportuni-
za o surgimento de uma verdade possível e constitui a
essência da compreensão, descortinando o “verdadeiro
3 GADAMER, Hans-Georg. op cit. p. 502.
4 Ibdem. P. 501.
5 No original, … carga de relativismo y de incertidumbre y ambigüe-
dad… ANDRÉS IBÁÑEZ. Acerca de la motivación de los hechos en la
sentencia penal. P. 124.
6 GADAMER, Hans-Georg. op cit. p. 503.
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INTRODUÇÃO CRÍTICA AO PROCESSO PENAL
sentido hermenêutico”7, uma vez que propulsiona o lei-
tor a produzir, a introduzir novos pontos de vista car-
regados de preconceitos e a defender uma pretensão de
verdade própria.
Só assim os participantes podem ser motivados a toma-
rem, eles próprios, os riscos da sua ação, a cooperarem,
sob controle, na absorção da incerteza e dessa forma a
contraírem gradualmente um compromisso.8
O intérprete, no momento em que compreende um
conjunto de signos, passa a integrar um jogo de com-
preensão, “um espaço potencial de criatividade9, em
que o jogador incorpora à tradição as suas concepções
pessoais e se insere em um acontecer da verdade.
Assim, “a legitimação pelo procedimento e pela igual-
dade de probabilidades de obter decisões satisfatórias
substitui os antigos fundamentos jusnaturalistas ou os
métodos variáveis de estabelecimento do consenso”10.
Em análises históricas, como é o caso do processo
jurisdicional, a formação do argumento está visceral-
mente coligada aos conceitos escolhidos para descrever
o objeto investigado e tal seleção guarda sintonia com a
visão de mundo do próprio intérprete.
Dessa forma, cada um dos sujeitos processuais cons-
truirá um conhecimento a partir da harmonização de
dados históricos com as suas informações, experiências
e sentimentos pessoais.
A percepção nita de cada um dos sujeitos proces-
suais avançará além da limitação interpretativa inicial e
7 Ibdem. p. 509.
8 LUHMANN, Niklas. op cit. p. 64.
9 OST, Françoi, Kerchove, Michel van de (Coord.) op cit. p. 259.
10 LUHMANN, Niklas. op cit. p. 31.
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