O papel do Direito do Trabalho no capitalismo

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas115-122

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O Direito do Trabalho é o ramo jurídico especializado que regula o principal tipo de vínculo entre a pessoa humana que trabalha e o sistema econômico capitalista: a relação de emprego.

É, pois, o conjunto de regras, institutos e princípios jurídicos reguladores da relação de emprego (além de outros vínculos jurídi cos, de menor impacto social, se especificados em lei).1

A ordem jurídica como um todo, na qualidade de instrumento de regulação de instituições e vínculos entre pessoas, atende a fins preestabelecidos em determinado contexto histórico. Sendo as re gras e os diplomas jurídicos resultado de processos políticos bem-sucedidos em determinado quadro sociopolítico, tendem a corresponder ao estuário cultural hegemônico ou, pelo menos, importante no desenrolar de seu processo criador. Todo Direito é, por isso, finalístico, à proporção que incorpora e realiza um conjunto de valores socialmente considerados relevantes.

O Direito do Trabalho não escapa a essa configuração a que se submete genericamente o fenômeno jurídico. Na verdade, o ramo trabalhista destaca-se por levar a um ponto alto esse caráter teleológico que caracteriza o fenômeno do Direito. De fato, esse ramo incorpora, no conjunto de seus princípios, regras e institutos, al guns cruciais valores e fins, que respondem por sua formatação e existência.

A realização de tais valores e fins concretiza-se por meio das funções do segmento jurídico enfocado.

As principais funções do Direito do Trabalho, afirmadas na ex periência capitalista dos países desenvolvidos, consistem, em sín tese, na melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na vida econômico-social, no caráter modernizante e progressista, do ponto de vista econômico e social, desse ramo jurídico, ao lado de seu papel civilizatório e democrático no contexto do capitalismo. Em aparente contraponto a tudo isso, desponta a função política conservadora desse segmento jurídico especializado.

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A função de melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica é a que mais claramente se percebe na evolução de 150 anos do Direito do Trabalho. Na verdade, sem ela, esse campo do Direito sequer poderia ser compreendido historicamente e tampouco iria se justificar, socialmente, deixando, pois, de cumprir sua função mais notável na sociedade contemporânea.

Essa função central, evidentemente, tem sido desempenhada no capitalismo de modo diferenciado e com intensidade distinta, segundo cada experiência histórica específica.

Esclareça-se que essa função não pode ser apreendida sob uma ótica meramente individualista, enfocando o trabalhador isolado. Como é próprio ao Direito - e fundamentalmente ao Direito do Trabalho, em que o ser coletivo prepondera sobre o ser individual -, a lógica básica do sistema jurídico deve ser captada, tomando-se o conjunto de situações envolvidas, jamais sua fração isolada. Assim, deve-se considerar, no exame do cumprimento da função jurídico- trabalhista, o ser coletivo obreiro, o universo mais global de trabalhadores, independentemente dos estritos efeitos sobre o ser indivi dual destacado.

Discorra-se um pouco mais sobre essa função decisiva: é pela norma jurídica trabalhista, interventora no contrato de emprego, que a sociedade capitalista, estruturalmente desigual, consegue realizar certo padrão genérico de justiça social, distribuindo a um número significativo de indivíduos (os empregados), em alguma medida, ganhos do sistema econômico.

Na medida em que o contrato empregatício desponta como o princi pal veículo de conexão do indivíduo com a economia, seu ramo jurídico regulador - o

Direito do Trabalho - torna-se um dos mais eficientes e genéricos mecanismos de realização de justiça social no sistema capitalista.

Ora, sabe-se que a economia de mercado não visa à procura de equidade, de justiça social, porém à busca da eficiência, da produtividade e do lucro. Nesse contexto o Direito do Trabalho tem se afirmado na História como uma racional intervenção da ideia de justiça social, por meio da norma jurídica, no quadro genérico de toda a sociedade e economia capitalista, sem inviabilizar o próprio avanço desse sistema socioeconômico.

A segunda função relevante do Direito do Trabalho é seu caráter modernizante e progressista, do ponto de vista econômico e social.

Isso significa que, nas formações socioeconômicas centrais - a Europa Ocidental, em particular -, a legislação trabalhista, desde seu nascimento, cumpriu o relevante papel de generalizar ao con junto do mercado de trabalho aquelas condutas e direitos alcança dos pelos trabalhadores nos segmentos mais avançados da economia, impondo, desse modo, a partir do setor mais moderno e dinâmico da economia, condições mais modernas, dinâmicas e civilizadas de gestão da força de trabalho.

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É verdade que esse caráter progressista não se percebe com tanta clareza no caso brasileiro, principalmente em vista de não ter merecido aqui o Direito do Trabalho generalização significativa no âmbito do mercado laborativo do País. De fato, curiosamente, em nossa economia e sociedade, o padrão normativo trabalhista tende a...

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