Parâmetros legais para o tratamento posterior compatível de dados pessoais disponíveis publicamente

AutorGiovanna Milanez Tavares
Páginas163-212
PARÂMETROS LEGAIS PARA O
TRATAMENTO POSTERIOR COMPATÍVEL
DE DADOS PESSOAIS DISPONÍVEIS
PUBLICAMENTE
I. OS RISCOS DO TRATAMENTO POSTERIOR INCOMPATÍ-
VEL DOS DADOS PESSOAIS DISPONÍVEIS PUBLICAMEN-
TE
A premissa fundamental deste trabalho, como pôde ser visto
nos dois primeiros capítulos, é o reconhecimento de que o dado
pessoal é um importante e estratégico ativo econômico para as em-
presas na atual sociedade da informação.355 Nesse sentido, mesmo
que não seja possível, ainda, compreender a extensão exata do po-
der econômico, político e social decorrente da sua utilização, é bas-
163
355 “Os dados pessoais passam a ser considerados um ativo dentro dessa
nova estrutura econômica. Por meio da coleta e tratamento dos dados pes-
soais se tornou possível não só segmentar o mercado de consumo por meio da
criação de perfis, como destacado anteriormente, mas também promover de
forma eficiente a publicidade direcionada de produtos e serviços, baseada
justamente no profiling realizado com base na reunião daqueles dados. O
titular dos dados fornecidos passa a ser um ‘consumidor de vidro’, que, de
acordo com Susanne Lace, é aquele que ‘others know só much about us, they
can almost see through us’”. TERRA, Aline de Miranda Valverde; MULHOL-
LAND, Caitlin. A utilização econômica de rastreadores e identificadores
on-line de dados pessoais. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.); FRAZÃO,
Ana (coord.); DONATO, Milena (coord.). Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais e suas repercussões no Direito Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Thomson
Reuters, 2020, pp. 609-610.
tante visível o quão grande ele pode ser, especialmente diante das
novas possibilidades de sua utilização, que surgiram a partir do
crescimento exponencial do Big Data e do Big Analytics.356
Exatamente por isso, inclusive, foi cunhada a expressão data-
driven economy, isto é, economia movida a dados, que representa,
no final das contas, a própria forma de organização econômica, so-
cial e política das sociedades contemporâneas, centradas no pro-
cessamento massivo de dados pessoais e na extração de informa-
ções estratégicas e relevantes deles.357
164
356 “Entretanto, o Big Data e o Big Analytics possibilitaram que tais ativida-
des [obter, registrar e acessar dados] ocorressem de maneira muito mais
eficiente, com mais veracidade, velocidade, variedade e volume. Mais do que
isso, o Big Data e o Big Analytics permitiram que, a partir da coleta e do
registro de dados, fossem a eles atribuídas utilizações e aplicações que não
seriam sequer imagináveis há pouco tempo e que, na ausência de uma regu-
lação adequada, passaram a ser realizadas sem limites e com resultados que
podem se projetar para sempre. Por mais que ainda não seja possível com-
preender a total extensão do poder econômico, político e social que decorre
dos dados e da sua utilização, já se percebe quão grande ele pode ser. Daí a
afirmação de Alec Ross de que as escolhas sobre como vamos gerenciar e
administrar os dados na atualidade são tão importantes quanto as decisões
sobre o gerenciamento da terra durante a era agrícola ou da indústria durante
a era industrial”. FRAZÃO, Ana. Fundamentos da proteção dos dados pes-
soais – Noções Introdutórias para a compreensão da importância da Lei
Geral de Proteção de Dados. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.); FRAZÃO,
Ana (coord.); DONATO, Milena (coord.). Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais e suas repercussões no Direito Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Thomson
Reuters, 2020, pp. 24-25.
357 “A manchete da capa da revista The Economist de 06.05.2017 – The
world’s most valuable resource –, ao apontar os dados pessoais como os
principais recursos econômicos da nossa época, revela importante ponto de
partida para a compreensão da necessidade de proteção dos dados pessoais.
Vistos já como novo petróleo, os dados são hoje insumos essenciais para pratica-
mente todas as atividades econômicas e se tornaram, eles próprios, objetos de
crescente e pujante mercado. Não é sem razão que se cunhou a expressão
data-driven economy, ou seja, economia movida a dados, para designar o fato
de que, como aponta Nick Srnicek, o capitalismo do século XXI passou a
centrar-se na extração e no uso de dados pessoais”. Ibidem, p. 24.
Somado a isso, há que se destacar também o crescimento – em
termos de variedade – e a modernização – em termos de funciona-
lidades – das tecnologias e técnicas de processamento, cruzamento
e refinamento de dados pessoais. É possível afirmar, inclusive, que
tais tecnologias são cada vez mais sofisticadas e permitem análises
ainda mais completas e pormenorizadas do titular a que se refe-
rem, permitindo que empresas consigam estruturar uma complexa
estratégia de análise de dados para fortalecer e expandir suas redes
de relacionamento.358
Portanto, torna-se evidente que o intenso e apurado processa-
mento de dados pessoais tem permitido a extração de informações
cada vez mais precisas dos indivíduos, oferecendo previsibilidade
de mercado e fornecendo informações valiosas e estratégicas para
as empresas.359 O quadro a seguir, nesse sentido, sintetiza algumas
das principais técnicas de processamento de dados pessoais utiliza-
das atualmente.
165
358 “Diante da importância que o conhecimento sobre os consumidores
adquiriu na economia atual, os dados pessoais tornaram-se capital essencial
para o sucesso de inúmeros negócios. Assim, no contexto da economia de
produção flexível, emerge uma verdadeira ‘indústria de bancos de dados’,
nos termos de Daniel Solove, cuja finalidade principal é a de propiciar aos
setores interessados os dados pessoais de categorias de consumidores, por
meio da comercialização ou cessão. O resultado é a ampla circulação das
informações pessoais na sociedade, gerando benefícios aos setores envolvi-
dos, mas também grandes riscos aos consumidores, cujos dados são coleta-
dos, processados e transferidos”. SCHERTEL, Laura. Privacidade, proteção
de dados e defesa do consumidor. Linhas gerais de um novo direito fundamen-
tal. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 117.
359 Ibidem, pp. 107-108.

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