Parecer técnico - EPI de ruído no STF: ineficácia absoluta

AutorPaulo Rogério Albuquerque de Oliveira
Páginas132-158

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Nesta quadra da obra, faz-se um regaste dos fatos que antecederam a decisão do STF, em sede do ARE n. 66433563, que resultou no entendimento em duas linhas: uma para EPI em geral; outra para os auriculares. O Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 664335, com repercussão geral reconhecida fixou duas teses que são aplicadas em todo o país sobre os efeitos da utilização de EPI sobre o direito à aposentadoria especial, a conferir:

1- Tese: O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial.

2- Tese: Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário — PPP, no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual — EPI, não descaracteriza o tempo especial para aposentadoria. Juizados Especiais Federais — Turma de Uniformização das decisões das turmas recursais dos Juizados Especiais Federais — Súmula n. 9: "Aposentadoria especial. Equipamento de proteção individual. O uso de equipamento de proteção individual (EPI), ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o tempo de serviço especial prestado.

Registre-se que na condição de convidado do amicus curiae, Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário — IBDP, este autor teve a oportunidade de conversar, em audiência institucional, com dois ministros da Suprema Corte, oportunidades nas quais logrou êxito em permitir que os juízes usassem um EPI tipo concha. Com um certo humor no ar, dada a condição prosaica da cena, ambos se manifestaram surpresos com a parafernália às orelhas. Nessa interlocução perguntei a um deles enquanto usava o dispositivo: ministro, por que ainda escutas (inclusive a si mesmo) se estás a usar um EPI? Ele não soube responder! Acrescentei então que se em ambiente tão confortável como o gabinete do Supremo, os ruídos ainda se transmitiam, imagine nos ambientes de trabalho? Ao final, confessou-nos o quão desagradável deve ser a experiência de usar uma "trapizonga" dessa, todos os dias, o dia todo, e pior, obrigado a fazê-lo sob pena de justa causa! Ao longo desse processo o IBDP fez constar nos autos o parecer por mim emitido, em 29 de setembro de 2014, na condição de acadêmico, cujo teor integral é a seguir transcrito.

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Parecer técnico. Ref.: ARE n. 664335 — STF. Ass.: Posicionamento quanto à descaracterização da aposentadoria especial por uso de Equipamento de Proteção Individual — EPI para todos os fatores de risco à saúde, com destaque ao ruído. O presente Parecer Técnico apresenta os argumentos sobre o uso de EPIs no tocante à concessão do benefício e financiamento da aposentadoria especial.

De pronto, tem-se que etimologicamente o vocábulo proteger representa o nível mais raso da Saúde do Trabalhador: o bem jurídico tutelado pela Constituição da República de 1988. Nesses termos leciona o Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3- Região Dr. Sebastião Geraldo de Oliveira, na obra "Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional". 8. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 47, conforme figura abaixo:

Os EPIs são projetados para mitigar apenas os efeitos sendo meramente protetivo dadas as específicas combinações de requisitos. Serve para atenuar lesões aos usuários decorrentes da exposição a agentes específicos durante o processo de trabalho. A produção e a comercialização dos EPIs são autorizadas, tecnicamente, pela emissão de Certificados de Aprovação (NR-6). Essa autorização é amparada exclusivamente em ensaios laboratoriais relativos a agentes específicos, implicando uma orientação ao projeto de EPIs por agente.

A legislação não requer validação do projeto dos EPIs em testes de campo que simulariam a sua utilização em condições reais e que, facilmente, evidenciariam deficiências provocadas por essa orientação especializada nos projetos dos EPIs. Segundo alguns autores, existem algumas divergências entre a atenuação de ruídos e desempenho dos protetores auditivos encontrados em laboratório e no campo (Gerges, 1992)64.

Berger(1993)65 verificou em vinte estudos sobre o real nível de atenuação de ruídos dos protetores auriculares, em que foram apresentados os níveis de redução contidos nos rótulos, dos protetores auriculares tipo plug e concha, medidos por testes em laboratório, e os níveis efetivamente reduzidos no ambiente real.

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Os protetores foram testados em mais de oitenta indústrias de sete países. Em todos os testes foram verificados menores níveis reais de redução de ruído em relação àqueles informados, com maior disparidade para os protetores tipo plug. Para os protetores tipo plug, as reduções reais foram de 6% a 52% do valor rotulado, enquanto que nos protetores tipo concha as amostras oscilaram entre 33% a 74%. Concluiu-se também que, mesmo assim, os protetores mais eficazes para a proteção a 10 dB são os de tipo concha.

Existe, ainda, uma deficiência na concepção dos EPIs desde a sua fase de projeto. Grande parte dos EPIs é projetada para proteger contra agentes isolados, ignorando os potenciais efeitos sinérgicos.

Além das dificuldades decorrentes do emprego de metodologias de projeto obsoletas, as indicações para uso e manutenção dos EPIs atendem a sugestões de Serviços de Saúde e Segurança no Trabalho (SST) e a indicações em rótulos e manuais de instrução elaborados por fabricantes diversos, sem validação das indicações em testes de campo e sem referências para avaliação da adequação do estado do produto. EPIs são concebidos como produtos descartáveis, mas não são encontradas usualmente indicações de métodos de avaliação do fim da sua vida útil.66

Diversos problemas podem acarretar a inadequação dos EPIs a certas condições de trabalho. Algumas das características desejáveis aos EPIs e que foram projetadas para conferir maior segurança podem estar introduzindo dificuldades operacionais em muitas situações de trabalho. Por exemplo, uma maior resistência de um tecido à permeabilidade, uma maior resistência ao choque elétrico, uma maior resistência ao calor podem estar associadas a aumento de peso, menor conforto térmico e menos portabilidade dos EPIs. Outro aspecto importante é a dificuldade da adequação dos EPIs às características antropométricas e ambientais de cada localidade.

A legislação brasileira que define as atividades ou operações consideradas insalubres é a Norma Regulamentadora n. 15 (NR-15). Porém, esta mesma NR-15 deixa uma brecha que permite ao empregador "eliminar ou neutralizar a insalubridade" mediante a utilização de EPI. Isso explicaria o fato de o uso de EPIs ser a solução mais utilizada pelos empregadores para eliminar ou neutralizar os riscos em detrimento do estabelecido pelo InternationalLabour Office (ILO, 2001)67.

Sabe-se que os EPIs têm a finalidade de proteção, ou seja, reduzir/ controlar e não de evitar os riscos à saúde e à segurança dos trabalhadores.

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Consequentemente, na maioria dos casos, a utilização de EPIs só deve ser considerada como um dos últimos recursos de tecnologia de proteção/ controle de riscos aos trabalhadores (ILO, 2001). As medidas de prevenção seriam aquelas que eliminam ou reduzem os riscos e perigos, atuando na sua fonte, ou seja, evitam e/ ou reduzem a geração do risco ou do perigo. A prevenção deveria ser priorizada em relação a medidas de proteção ou atenuação dos riscos ou dos perigos. Na maioria das situações, "proteger" parece ser mais "económico" do que prevenir.

A falta de estímulo para a adoção de medidas de prevenção como solução viável para controlar situações insalubres ou perigosas estimula a utilização dos EPIs como solução paliativa, uma vez que os EPIs, normalmente, parecem ser a solução economicamente mais vantajosa. Um indicador dessa falta de incentivos para medidas de prevenção é a carência de estudos sobre desenvolvimento tecnológico de EPIs. Vale ressaltar que o estado da técnica dos EPIs está bem distante da utilização desses equipamentos em situações reais.

Grande parte dos EPIs não seria adequada à sua utilização e/ou finalidade. A função do EPI passa a ser de reduzir o risco ou mitigar a consequência. A legislação brasileira não é efetivamente protetiva em relação aos EPIs quando aceita universalmente que o uso desses produtos deve eliminar ou neutralizar a insalubridade, assumindo que a proteção do trabalhador ao usar o EPI é eficiente. (VEIGA, 2007)68.

Outro aspecto que impacta diretamente na qualidade e na eficiência dos EPIs é o económico. Normalmente, na escolha do EPI são consideradas variáveis financeiras, muitas vezes ignorando custos socioeconómicos (e. g. custos para a saúde dos trabalhadores e custos de responsabilização trabalhista). A decisão de qual EPI utilizar é bastante influenciada pelo custo deste EPI (CROCKFORD, 1999)69.

O uso de EPIs ainda requer necessariamente treinamento. Não basta determinar sua necessidade, ocasião de emprego e a indicação apropriada do equipamento específico para cada condição, é preciso prepará-los para utilizar corretamente esses equipamentos. É necessário que saibam checar os equipamentos antes do uso, vestir corretamente para propiciar boa proteção, desvestir e higienizar os equipamentos apropriadamente para evitar contaminações, além de fazer a manutenção e guardá-los adequadamente, sob o risco de os usuários, por não utilizá-los corre-tamente, sofrerem problemas de saúde e desacreditarem completamente desses equipamentos, dificultando ainda mais os trabalhos de prevenção de acidentes que possam vir a ser desenvolvidos.

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Em trabalho realizado por VEIGA, foi analisada a eficiência e a adequação dos Equipamentos de Proteção Individual utilizados na manipulação e na aplicação de agrotóxicos nas agriculturas brasileira e francesa. As evidências encontradas mostraram que os EPIs...

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