Pausa longa: aspectos científicos fundamentais para o direito. O problema do conhecimento e suas conexões com a hermenêutica jurídica

AutorFernanda Mara de Oliveira Macedo Carneiro Pacobahyba
Páginas55-87
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CAPÍTULO 2
PAUSA LONGA: ASPECTOS CIENTÍFICOS
FUNDAMENTAIS PARA O DIREITO. O PROBLEMA
DO CONHECIMENTO E SUAS CONEXÕES COM A
HERMENÊUTICA JURÍDICA
Este segmento da tese funda-se em uma necessidade
que há de ser explorada intensamente na configuração desse
“passado que ainda se faz presente”, mormente com origem
na dificuldade em se separar, dentro do que se denominou
de Ciência do Direito Tributário, aquilo que é efetivamente
conhecimento científico, distanciando-se dos meros recursos
retóricos-argumentativos que não estabelecem as bases de
aproximação com o seu objeto ou de sua constituição, con-
siderando-se que ele é sempre pela linguagem. E isso não se
faz com assomos de precisão. De tal sorte, mister se faz per-
passar o próprio problema do conhecimento e a identificação,
certamente sem pretensões de definitividade, do conceito de
conhecimento científico.
O problema do conhecimento é suscitado por Aristóte-
les (1984, p. 11). Inaugurando sua “Metafísica”, enuncia que
“[...] todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer:
uma prova disso é o prazer das sensações, pois, fora até da
sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas e, mais que
todas as outras, as visuais”. Sendo assim, em conexão com o
ensinamento que, de tão repetido, transformou-se em bordão
“Conhece a ti mesmo”, inaugura uma das temáticas mais pro-
fundas em sede de conhecimento filosófico.
Percebe-se que, de início, o ato de conhecimento em Aris-
tóteles não deve se confundir com o próprio conhecimento,
misturando-se ao exercício dos sentidos, especialmente ao
enaltecer a prevalência da visão38 sobre as demais modalida-
38. Revela-se interessante destacar o fato de que Lucia Santaella (2012c, pp. 1-2) defende a
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FERNANDA MARA DE OLIVEIRA MACEDO CARNEIRO PACOBAHYBA
des de captura do mundo exterior. Conforme alerta Ortega y
Gasset (2016a, p. 68), no entanto, a verdadeira questão sobre
a origem do conhecimento sempre se viu suplantada pela in-
vestigação de seus mecanismos.
É lugar comum ao se tratar do conhecimento, desde
já identificá-lo como um conceito, no sentido pesado da
palavra, o qual se situa em limites sobejamente difíceis de
serem divisados, ou, na melhor das possibilidades, o qual se
encontra em uma dinâmica incessante de identificação dos
novos contornos do saber.
Efetivamente, se questionar acerca do conhecimento
aponta para o fato de se estar em uma dialética incessante
entre o saber e o não saber39, reconhecendo esse esta(n)do
(KELLER, 2009, p. 25), em uma atividade gerundial ao infini-
to. Sob a perspectiva de Bachelard (2004, p. 13), ressaltando
um caráter racionalista, seria possível reconhecer a perfeição
do conhecimento, a qual reuniria duas condições opostas: a
minúcia e a clareza. Perfaz, assim, uma noção à luz do racio-
nalismo de Leibniz, para quem o conhecimento, se for simul-
taneamente adequado e intuitivo, será perfeitíssimo.
Ao representar o maior milagre do universo, Karl Popper
(1999, p. 7) assevera que o fenômeno do conhecimento cons-
tituiria um problema que não será resolvido em breve (talvez
nunca o seja), mas demonstrando um certo otimismo na concei-
tuação do fenômeno do conhecimento e desde já reconhecendo
existência de um grande número de teorias da percepção que demonstram a predominância
massiva do sentido da “visão”, a qual é responsável por cerca de 75% (setenta e cinco por cen-
to) da percepção humana. Em segundo lugar, ficaria a audição, a qual se mostra responsável,
aproximadamente, por 20% (vinte por cento) da percepção. A autora justifica essa predomi-
nância quase absoluta da visão e da audição pelo fato de que os olhos e os ouvidos são órgãos
do sentido diretamente ligados ao cérebro, “[...] ou melhor, são buracos que se conectam dire-
tamente com o cérebro, em oposição aos outros sentidos que são buracos ligados às vísceras,
sendo sentidos mais viscerais, portanto”.
39. É importante ressaltar que, conforme defende Ortega y Gasset (2016a, p. 69), apenas Platão
“[...] entreviu que a raiz do conhecer, diríamos, sua substância mesma, está precisamente na in-
suficiência dos dotes humanos, que está no fato terrível de que o homem ‘não sabe’. Nem o Deus
nem a besta têm essa condição. Deus sabe tudo e por isso não conhece. A besta não sabe nada e
por isso tampouco conhece. Mas o homem é a insuficiência vivente, o homem precisa saber,
percebe desesperadamente que ignora. Isso é o que convém analisar. Por que ao homem lhe
dói sua ignorância, como pode doer-lhe um membro que nunca teve?” (destacado).
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CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO,
ENTRE O PASSADO E O FUTURO
que é um debate que há mais três séculos está “atolado em pre-
liminares”. De efeito, prossegue o autor, ao pontuar a neces-
sidade de refazer a distinção entre dois problemas do conhe-
cimento: “[...] sua gênese ou história, de um lado e, do outro,
os problemas de sua verdade, validez e ‘justificação’” 40, o que
quer representar os três componentes essenciais da definição
tradicional de conhecimento, que são a justificação, a verdade
e a crença (MOSER; MULDER; TROUT, 2011, p. 17)
Defende, ainda, o argumento de que, desde Descartes, a
Teoria do Conhecimento é amplamente subjetivista, ao se to-
mar o conhecimento como um tipo “[...] especialmente seguro
de crença humana, e o conhecimento científico como um tipo
especialmente seguro de conhecimento humano”. Apesar de
se declarar admirador do senso comum, propõe uma teoria
objetiva do conhecimento, a qual visa a erradicar a teoria do
senso comum do conhecimento, por considerá-la uma “asnei-
ra subjetivista”. (POPPER, 1999, p. 7).
Defender a ideia de que conhecer é sempre “conhecer
algo”, Miguel Reale (1977, p. 44) deixa refletir sua posição on-
tognosiológica no sentido da “[...] intencionalidade como sen-
tido vetorial do espírito”, na esteira da concepção husserliana,
inspirada nos escolásticos, e em Franz Bretano, os quais indi-
cam o caráter intencional da consciência: esse algo, todavia,
não indica uma realidade em si transcendente, plena e defini-
da, que seria apenas “refletida” pela consciência41.
Ainda mais, lembre-se de que a existência do conheci-
mento nas sociedades é por demais diversa: assume desde
40. Nesse sentido, Agostinho Ramalho Marques Neto (2001, p. 2) afirma que “[...] a história do
conhecimento é, portanto, um permanente processo de retificação e superação de conceitos,
explicações, teorias, técnicas e modos de pensar, agir e fazer”.
41. É importante ressaltar que, ao se reportar à relação sujeito-objeto, citando N. Hartmann,
o qual ressalta a imbricação necessária de ambos, Miguel Reale (1977, pp. 44-46) esclarece que
“[...] a análise fenomenológica do ato de conhecer – admiravelmente levada a cabo por Hus-
serl e N. Hartmann – não só nos revela o caráter intencional da consciência e, por conseguin-
te, a correlação funcional subjetivo-objetiva, como condição do conhecimento, mas também, a
meu ver, a dialeticidade que lhe é inerente, muito embora assim não o pensem esses dois filó-
sofos”. Nesse ponto, este trabalho, ao fugir do esquema tradicional sujeito-objeto e focar em
uma relação que se estabelece sempre entre sujeitos, afeiçoa-se a uma relação dialógica, que
se instaura na e pela linguagem, e que é uma infinita conversa entre sujeitos.

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