Execução no brasil de sentença de indenização compensatória proferida pelacorteinteramericana dedireitoshumanos

AutorRodolpho Randow
CargoAdvogado
Páginas17-20

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I- Introdução

A execução de sentenças proferidas por cortes internacionais contra Estados estrangeiros esbarra normalmente na dificuldade de reconhecimento de tais sentenças pelas jurisdições nacionais, em razão da alegação de controle interno da validade delas, e nas restrições postas à execução dos bens do Estado estrangeiro para a concretização do comando decisório, pois é comum que as legislações nacionais atribuam a este uma imunidade de execução sobre sua propriedade.

Cumpre ressaltar que a imunidade de jurisdição cuida da possibilidade de Estados, seus órgãos ou empresas poderem ser submetidos às cortes de outros países.

No Brasil, segundo o ministro Francisco Rezek, a imunidade de jurisdição de Estados resultava de uma "antiga e sólida regra costumeira", que "deixou de existir na década de setenta"1.

O voto do ministro Rezek sepultou a aplicação da teoria da imunidade a todos os casos em que Estados estrangeiros estavam envolvidos (teoria da imunidade absoluta), restringindo-a a hipóteses em que o país estivesse agindo como "ente soberano" (teoria da imunidade relativa). Consolidou-se, a partir de então, a aplicação da teoria da imunidade relativa de jurisdição dos Estados, revertendo posicionamento anterior, que consagrava a imunidade absoluta.

Ateoriado ato de Estado (actof Statedoctrine), por sua vez, é uma criação do common lawanglo-americano, segundo o qual "a teoria dos atos de Estado estipula que, sujeito a exceções, as cortes dos Estados Unidos não julgarão a validade de atos oficiais de governos estrangeiros realizados em seu próprio território"2.

Também não se deve confundir a imunidade de jurisdição estatal com as imunidades e privilégios diplomáticos e consulares. Tais garantias são conferidas, respectivamente, aos agentes diplomáticos e consulares, sendo regulamentadas nas Convenções de Viena de 1961 e 1963.

Por fim, a imunidade de execução concerne à impossibilidade de adoção de medidas executórias contra os bens do Estado3.Page 18

O presente trabalho tem como objetivo a análise da execução, no Brasil, de sentença de indenização compensatória proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

II - A Corte Interamericana de Direitos Humanos

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede em San José, Costa Rica4, é o órgão jurisdicional da Convenção Americana de Direitos Humanos5.

É composta de sete juízes, nacionais dos Estados-membros da Organização, eleitos na Assembleia-Geral da OEA para um período de seis anos, permitida uma reeleição, sendo proibida a existência de juízes da mesma nacionalidade na Corte6.

No plano consultivo, a competência da Corte é exercida por meio de pareceres recomendatórios que consistem em interpretações da Convenção e de outros Tratados sobre Direitos Humanos nos Estados americanos. Qualquer Estado-membro da OEA tem capacidade para suscitar a competência consultiva da Corte7.

Já no plano contencioso, somente os Estados-partes e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos têm o direito de submeter um caso à decisão da Corte. O indivíduo, portanto, não tem capacidade processualperante a Corte Interamericana, ao contrário do que ocorre na Comissão.

Importante destacar que somente os Estados que aprovaram a cláusula facultativa prevista na Convenção é que se sujeitam às decisões da Corte8.

Dos 35 países membros da OEA9, apenas 21 reconheceram a competência da Corte10.

Através do Decreto Legislativo n° 89/98, o Brasil aprovou a Competência da Corte Interamericana para atuar em todos os casos de aplicação ou interpretação da Convenção Americana de Direitos Humanos, sendo que, em 2002, foi promulgado o Decreto de Execução pelo Presidente da República (Decreto n° 4.463).

O procedimento perante a Corte compreende as seguintes fases: propositura da ação, conciliatória, probatória, decisória, reparatória e executória.

Proposta a ação, será feito o exame preliminar de admissibilidade. No caso de falta de algum requisito, o Presidente da Corte pode determinar que o suscitante sane o problema no prazo de 20 dias. A seguir, é determinada a citação do Estado violador e a intimação da Comissão (se esta não for a demandante). Após, a Corte decidirá a respeito, podendo arquivar o caso ou ordenar seu prosseguimento.

A controvérsia também poderá ser solucionada através da conciliação.

Dentro do prazo de quatro meses contados da citação, o Estado violador poderá apresentar, por escrito, contestação, sendo, após, dado início à instrução processual, com determinação de audiência.

Em atenção ao princípio da verdade material, a Corte tem o poder de produzir provas ex officio.

Às testemunhas e peritos que participem do processo é assegurada proteção, além de não poderem ser processados ou intimidados pelos Estados envolvidos com a causa em razão de suas declarações ou laudos11.

Encerrada a instrução processual, inicia-se a fase decisória. A sentença exarada pela Corte é similar ao acórdão dos tribunais nacionais e, por isso, deve ser fundamentada. Entretanto, ao contrário das decisões internas, que se sujeitam ao princípio do duplo grau de jurisdição, a sentença exarada pela Corte Interamericana é definitiva e inapelável. No entanto, havendo divergência, pode a Corte interpretá-la a pedido dos interessados no prazo de 90 dias da notificação da sentença.

Os Estados-partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão proferida pela Corte12.

Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos na Convenção Americana, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados, e, se for o caso, que sejam reparadas as consequências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada13.

Um outro ponto importante de ser lembrado é que a Corte não atua como uma instância revisora das decisões dos tribunais nacionais dos Estados-partes. Não se admite que, no exercício de sua função jurisdicional, avalie se uma decisão foi equivocada ou injusta em si mesma. Ou seja, as vítimas de supostas violações aos direitos humanos não poderão submeter um caso à Corte, motivadas por mera inconformidade com uma decisão nacional, sem que exista uma clara violação a algum dos direitos consagrados na Convenção Americana de Direitos Humanos. Sendo competente para julgar se o Estado é ou não responsável por violações à Convenção, poderá apreciar se uma sentença judicial nacional foi...

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