Pena e Delito

AutorFrancesco Carnelutti
Ocupação do AutorAdvogado e jurista italiano
Páginas25-44

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1. A experiência da réplica

Para realizar uma investigação científica, necessita-se, antes de tudo, da redução do dado aos termos mínimos ou, em outras palavras, sua simplificação.

O dado penal, na fase atual da civilização, está complicado por algumas superestruturas, as quais ocultam, como uma casca, a forma originária. Para simplificá-lo, um ex-

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pediente útil é a observação daqueles povos e daquelas pessoas sobre os quais ainda não operou a civilização; tais são, por exemplo, as crianças.

É raro que uma criança não reaja diante de uma ofensa; se observarmos a sua reação, descobrem-se facilmente nela os caracteres da pena. Quando um companheiro de brincadeiras lhe diz uma palavra insolente, que ele considera não ter mere cido, a reação consiste em devolvê-la, o que quer dizer injuriar, por sua vez, com frequência, com a mesma palavra, ao injuriador; se alguém o censura pela injúria proferida, ele ime diatamente se justifica alegando a injúria recebida.

Tentemos refletir um pouco acerca desta experiência elementar.

2. A pena como dano

Uma observação elementar nos mostra que a segunda injúria, assim como a primeira, é um mal. Enquanto cada uma delas é considerada em si mesma, independentemente da relação recíproca, nenhuma dife-

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rença pode se apre ciar entre uma e outra: se a quem me dirige uma palavra injuriosa lhe respondo com a mesma palavra, cada um de nós faz exatamente a mesma coisa.

Se, no segundo destes atos, como se dirá daqui a pouco, se deve ver uma pena, isso significa que também a pena, assim como o delito, é um mal ou, em termos econômicos, um dano; quando o homicida, por sua vez, é morto pelo carrasco, em lugar de uma só, há duas mortes: parece, por isso, à primeira vista, que o castigo, a um mal, agrega outro.

3. Relação causal entre delito e pena

Entre os dois males agora observados, aprecia-se, porém, uma relação cronológica no sentido de que um desses precede ao outro. Se dois males, ou se quer dizer danos, são simultâneos, nenhum dos dois pode ser uma pena com respeito ao outro. Verdadeiramente, a relação entre delito e pena é tal que o delito é um prius e a pena um posterius.

Mas é também certo que a relação cronológica entre dois males, mesmo quando

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seja necessária, não é suficiente para fazer de um desses com relação ao outro uma pena: se as injú rias proferidas por mim são várias, mesmo quando uma delas não possa deixar de ser produzida depois da outra, qualquer um compreende que a segunda poderá ser outro delito, mas uma pena não.

É, portanto, fácil intuir que um mal, para ser uma pena, não deve ser a respeito de outro somente um post hoc, porém um propter hoc; a relação cronológica entre eles é um aspecto da relação causal. Se, segundo a lei penal, quem injuria aquele que o injuriou, concorrendo certas condições, não comete um delito precisamente porque, como veremos, inflige uma pena; isso depende de que a segunda injúria deriva da primeira. A alegação que, perante a censura pela injúria proferida, a criança faz da injúria recebida, quer dizer precisamente isto: que a causa do que ele fez está fora dele, que não fez mais do que dar continuação a algo não começado por ele; por isso ele, com frequência, antepõe ou conclui não ter sido causa ou não ter culpa do que ocorreu.

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4. Relação entre o ofendido e o que inflige o castigo

Da relação causal entre um mal e o outro, de onde provém para este último o caráter de pena, encontra-se, no caso que estamos observando, um sintoma na identidade da pessoa, que sofre o primeiro e inflige o segundo; aparece assim que o segundo mal é, como se diz, uma reação contra o primeiro.

Por agora basta que tal identidade seja observada. Veremos que, com a evolução do instituto penal, a qual em primeiro lugar se resolve na substituição da pena pú blica pela pena privada, este caráter parece ter-se per-dido; mas não se trata mais que de uma aparência, e uma observação mais atenta poderá nos mostrar até que ponto a mesma corresponda à realidade.

5. Relação formal entre pena e delito

Outro sintoma da relação causal no dado proposto é a identidade, não só entre a pes-

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soa que padece de um mal e produz outro, mas também entre o mal sofrido e o mal infligido: identidade, pois, objetiva além de subjetiva. No exemplo sobre o qual até agora trabalhamos, também, sob este aspecto, a identidade é manifesta: embora não seja essencial, é natural que a réplica da injúria – a qual precisamente se explica pelo caráter de pena reconhecido à injúria lançada pelo injuriado –, consista no ato de retribuir, que este realiza com respeito ao inju riador, a mesma ofensa que recebeu dele.

Também este é um modo de ser da pena, o qual, no caminho do progresso do instituto penal...

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