Penhorabilidade de cotas sociais nas sociedades por cotas de responsabilidade limitada

AutorUinie Caminha
Páginas104-126

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Ementa: Processo Civil e Direito Comercial. Penhorabilidade das cotas de sociedade de responsabilidade limitada por dívida particular do sócio. Doutrina. Precedentes. Recurso não conhecido.

I - A penhorabilidade das cotas pertencentes ao sócio de sociedade de responsabilidade limitada, por dívida particular deste, porque não vedada em lei, é de ser reconhecida.

II - Os efeitos da penhora incidente sobre as cotas sociais hão de ser determinados em atenção aos princípios societários, considerando-se haver, ou não, no contrato social, proibição à livre alienação das mesmas.

III - Havendo restrição contratual, deve ser facultado à sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou conceder-se a ela e aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto (CPC, arts. 1.117, 1.118 e 1.119).

IV - Não havendo limitação no ato constitutivo, nada impede que a cota seja arrematada com inclusão de todos os direitos a ela concernentes, inclusive o status de sócio. Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigrá-ficas a seguir, por maioria, não conhecer do recurso, vencido o Ministro António Torreão Braz. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, Dias Trindade, convocados nos termos do art. 1º da Emenda Regimental 3/93, e Fontes de Alencar.

Brasília, 14 de março de 1994 (data do julgamento).

Ministro Fontes de Alencar, Presidente. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo: Proferida nos autos da execução ajuizada pelo recorrido decisão indeferitória da penhora das cotas de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, de propriedade dos executados, foi interposto agravo pelo exeqiiente.

O Eg. Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, sob a relatoria do Juiz Ópice Blum, ao dar provimento ao recurso lançou acórdão do qual extraio este excerto:

"A postulação de fls. 58, não redigida com a perfeição desejada e, por isso, causadora do indeferimento de penhora, em realidade, pretende que sejam penhoradas cotas sociais, pertencentes ao património do sócio. E, tal pretensão é viável, mormente porque o que se pretende penhorar são

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os direitos decorrentes da utilização desse património, principalmente seus eventuais créditos.

"O C. Supremo Tribunal Federal já decidiu, no RE 90.910, publicado in RTJ 95/ 837, que 'o argumento de que o capital pertence à sociedade, e não aos sócios, traduz apenas meia verdade. É ele pertencente à sociedade, sem dúvida, mas, não sendo fruto de geração espontânea, formam-se necessariamente pelas contribuições dos sócios que o integralizam. Por essas contribuições, traduzidas pelas cotas, a sociedade deve aos sócios, que junto a ela possuem créditos correspondentes. Esses créditos são direitos que compõem os patrimónios individuais dos sócios, integrando-se na garantia geral com que contam seus respectivos credores'.

"Esta mesma Câmara, como salientado em razões de recurso, já decidiu que 'o quinhão social integra o património do sócio e responde pelas suas dívidas, com a ressalva de que a eventual arrematação ou adjudicação do quinhão penhorado não importa em transmissão da qualidade de sócio, mas apenas de direitos orientados à solução da dívida, ainda que à custa da dissolução da sociedade5 (cf. RT 520/159).

A notícia de alienação das quotas a terceiros (fls. 108/114), sob pena de suprir-se um grau de jurisdição, será apreciada e decidida no juízo de primeiro grau.

Foram oferecidos pelos executados embargos declaratórios. que restaram rejeitados.

Irresignados, manifestaram os executados recurso especial fundamentado em ambas as alíneas do autorizativo constitucional, argumentando, além do dissenso interpretativo, com afronta aos arts. 648 e 649, CPC, 292 do Código Comercial e 59, LIV, da Constituição, alinhando em suas razões argumentos do seguinte teor:

"Ora, ínclitos julgadores, na hipótese dos autos, verifica-se claramente ter havido equívoco na apreciação dos fatos, uma vez que além do recorrido pretender a pe-nhora das cotas sociais da empresa Stemcar, estranha à execução, certamente também não foi considerado que a referida sociedade por cotas de responsabilidade limitada é constituída por apenas 02 (dois) sócios, e que somente um deles faz parte da relação processual executiva.

"Nesse passo, a afirmativa de que 'a eventual arrematação ou adjudicação do quinhão penhorado não importa em transmissão da qualidade de sócio, mas apenas de direitos orientados à solução da dívida, ainda que à custa da dissolução da sociedade', necessariamente, implica dizer que na defesa do direito do credor é possível ser violado o direito do outro sócio, Sr. Carlos Wasserstein, cuja arrematação da penhora a concretizar-se, restará como único sócio da empresa Stemcar, fato que obrigatoriamente acarretará a extinção da sociedade, uma vez que nesse caso específico, de sociedade com apenas dois sócios, não será possível a sua resolução parcial, com vistas à exclusão do sócio indesejado.

"Inegavelmente, para proteger o direito de uma lei não pode prejudicar o direito de terceiro, sob pena de afrontar-se o dispositivo constitucional estabelecido no inciso LIV do artigo 5º, entre outros.

"Conforme também já decidiu o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, impossível, jurídica e economicamente, é a penhora da cota social por dívida particular do sócio (RT 140/541).

"Por sua vez, a doutrina, na lição do mestre comercialista Prof. Waldemar Ferreira, assim se expressou: 'Não são as cotas representadas por nenhum título especial. Porque elas não são títulos de crédito. Não podem, por isso mesmo, ser representadas ou convertidas em ações: nem em ações nominativas e nem em ações ao portador, o que desvirtuaria a sociedade. Ela é sociedade por cotas e não por ações' (Livro de Direito Comercial, Tipografia Siqueira, São Paulo, 1927, v. 1º/244)."

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As cotas, uma vez conferidas, desintegram-se do património dos sócios para constituírem fundo autónomo da sociedade. É o que nos ensina J. X. Carvalho Mendonça, in Tratado de Direito Comercial, v. III/108. Segundo esse autor, "por fundos líquidos cuja penhora a lei permite, entendem-se: a) os saldos à disposição do sócio; b) a parte ou cota apurada na liquidação da sociedade e partilhada ao sócio devedor".

Pertencendo à sociedade e não aos sócios que a compõem, se um deles se retira, salvo pacto em contrário, não tem direito a participar de qualquer parcela de tais fundos (mesmo autor e obra, v. III/536; "Pareceres", 11/47). Esse também é o pensamento do Prof. Waldemar Ferreira: "Não tem as cotas vida distinta da do património social. Desde que o sócio entre para a sociedade e formação de seu capital, com dinheiro, bens ou direitos, com que se obrigará a integralizar as cotas tomadas ou subscritas, a sua contribuição se integra no capital e, pois, no património social. Deixa de pertencer-lhe. Desintegra-se do seu património individual e transmuda-se no da sociedade, como pessoa jurídica de direito privado. Impossível, jurídica e economicamente, portanto, é a penhora da cota social por dívida particular do sócio. Não tem ela existência autónoma. Não constitui coisa distinta do património social. Não se representa por nenhum título, que, à semelhança da ação, pudesse ser objeto de penhora" (Compêndio das Sociedades Mercantis, v. 1º/279).

Na lição do mesmo autor, "o credor particular do sócio e, principalmente, do cotista, pela regra do artigo 292 do Código Comercial, só pode executar os fundos líquidos que o devedor possui na companhia ou sociedade, não tendo este outros bens desembargados" (Tratado de Direito Comercial, v. 39, n. 548) (grifamos).

Aos credores particulares de sócio de sociedade por cotas, para o caso de inexistência de bens para a penhora, assiste-lhes, pois, proceder à penhora do lucro verificado em favor do devedor, em balanço da sociedade de que é partícipe, na forma da lei. Não, porém, penhorar-lhe a cota social.

Dir-se-á que entre os bens absolutamente impenhoráveis enumerados no artigo 649 do CPC, não se encontram as cotas das sociedades por cotas de responsabilidade limitada. Pouco importa, porém, porque outros bens há que são impenhoráveis e que, não obstante, não foram contemplados pelo Código de Processo Civil, como, por exemplo, a Bandeira Nacional, quando fora das prateleiras dos comerciantes.

Aliás, embora não contemplados na restrição do artigo 649 do CPC, são também impenhoráveis os cheques que o Imposto de Renda emite a favor dos contribuintes com direito a restituição (cheques que não são títulos de crédito, porque inegociáveis, ou melhor, intransferíveis), o que comprova que a enumeração do precitado artigo 649 não é taxativa.

Não pode, pois, a penhora recair sobre a suposta parte imaginária do sócio no património da sociedade, apurável somente quando da sua liquidação.

Por outro lado, a penhorabilidade de direitos se submete ao pressuposto da livre transferibilidade dos mesmos, por subroga-ção, adjudicação ou arrematação, sem ofensa ao direito de terceiros. Inadmissível essa transferibilidade em relação à sociedade por cotas de responsabilidade limitada, tendo em vista que esta se constitui e se mantém pelo elemento efetivo, ou pela convergência dos interesses entre os sócios. Não seria lícito constranger os sócios a aceitar o ingresso de outro, ou forçar a dissolução da sociedade.

Sabido é que na constituição desse tipo de sociedade a lei exige expressamente que desse contrato fique constando que a responsabilidade do sócio está limitada à importância total do capital social. A obrigação principal dos sócios cotistas reside no dever de integralizarem eles o capital social pelos mesmos subscrito. O que distingue esse tipo de sociedade é justamente a circunstância de ter o seu capital integralizado.

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