A perda da obrigação do cultivo como marco inicial da propriedade moderna no Brasil

AutorAlbenir Itaboraí Querubini Gonçalves
Páginas122-125

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Um ponto teórico inovador verificado na historiografia das sesmarias corresponde ao posicionamento alinhado à ideia de que a perda da obrigação do cultivo pelo proprietário marcaria o início da propriedade moderna no Brasil. Na obra Das Sesmarias à Propriedade Moderna: Um Estudo de História do Direito Brasileiro, de autoria de Laura BECK VARELA5, realiza-se uma abordagem voltada a demonstrar que o cultivo foi o fundamento jurídico para a apropriação da terra no Direito luso-brasileiro, justificando que o afastamento do dever de cultivo teria sido o marco jurídico do nascimento do direito de propriedade moderno de traço absolutista (caracterizando o chamado "dominum sine usu"), quando da aprovação da Lei de Terras de 1850 e da reforma hipotecária de 18646. a autora sustenta a ideia de que "a história do

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direito de propriedade no Brasil corresponde a um processo de ruptura em relação à propriedade sesmarial, de natureza pública e condicionada por deveres como o de cultivo e moradia habitual"7.

Segundo defende VARELA, o direito de propriedade como poder da vontade (direito absoluto) firmou-se na experiência brasileira no momento em que se abandonou o fundamento do cultivo, que era o cerne do instituto sesmarial, trazido desde a legislação agrária de Dom Fernando I, pois seria característica do absolutismo da propriedade moderna o dominium sine uso8. Conforme expõe RICARDO FONSECA, até a edição da Lei de Terras, "poder-se-ia falar de posseiro, concessionário ou sesmeiro, mas não de proprietário (nos moldes em que modernamente esse termo é compreendido)", razão pela

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qual o autor define como "pré-moderno" o regime jurídico da propriedade existente até então9.

Desta forma, para os referidos autores, a perda da finalidade do cultivo (dominium sine uso) seria o traço marcante do início da propriedade moderna no Brasil, pois até então existiam o dever de cultivo pelo proprietário, elemento que condicionava o uso da terra em benefício do bem comum da sociedade, o qual é deixado de lado a partir da instauração da ideia de propriedade moderna.

A tese trabalhada pelos referidos autores é muito coerente com os fatos históricos. No entanto, a conclusão de considerar a perda do cultivo ao início da propriedade imobiliária no Brasil é realizada em termos amplos, compreendendo tanto a propriedade imobiliária rural quanto a urbana. Nesse

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sentido, pode ser suscitada dúvida quanto a sua abrangência, em consideração ao...

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