Os perigos da desdiferenciação e a pandemia da Covid-19: o caso da hidroxicloroquina no Brasil

AutorGermano André Doederlein Schwartz, Renata Almeida da Costa, Matteo Finco
CargoFundação Univesidade Caxias do Sul, Caxias do Sul/RS, Brasil / Universidade La Salle. Canoas/RS, Brasil / Universidade de Roma La Sapienza. Roma, Itália
Páginas1-16
1
R. Dir. sanit., São Paulo v. 23, n. 1, e0001, 2023
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.rdisan.2023.181682
Artigo Original
http://revistas.usp.br/rdisan
RESUMO
A pandemia de covid-19 representou um grande
desafio para a diferenciação dos sistemas
sociais. O Brasil foi a segunda n ação do mundo
em número de vítimas, e a influência das
decisões tomadas dentro de diferentes esferas
sociais (em particular saúde, ciência, direito e
mídia de massa) tenderam, no país, a afetar
as demais de maneria imprópria. O propósito
do presente estudo foi apresentar, com base
nas teorias dos sistemas sociais de Luhmann,
os perigos dessa desdiferenciação para a
sociedade e, também, para o indivíduo. A
metodologia consistiu na pesquisa bibliográfica.
O estudo concluiu que a pre servação da função
de cada um dos sistemas citados é essencial
para a preservação de suas respectivas
autonomias e da saúde colet iva e individual
em solo brasileiro.
Palavras-Chave: Covid-19; Desdiferenciação;
Direito; Hidroxicloroquina; Sistemas Sociais.
ABSTRACT
The COVID-19 pandemic represent s a major
challenge for the dif ferentiation of social
systems. Brazil is the third country in the world
in number of victims and the decisions of the
different sys tems in the country tend to be
expanded to other s. This reality occur s for the
health, science, law and mass media systems.
The purpose of this st udy was to present, based
on Luhmann’s theory of social systems, the
dangers of the mentioned differentiation for
society and for human be ings. The methodology
used was the bibliographic research. The
study concluded that the preservation of the
function of each of the s ystems is essential for
the preser vation of their respective autonomies
and for the preser vation of both collective and
individual health in the country.
Keywords: COVID-19; De-differentiation; Law;
Hydroxychloroquine; Social Systems.
Germano André Doederlein Schwartz1
https://orcid.org/0000-0002-1354-8839
Renata Almeida da Costa2
https://orcid.org/0000-0001-9744-4668
Matteo Finco3
https://orcid.org/0000-0002-6675-6594
1Fundação Univesidade Caxias do Sul. Caxias do Sul/RS, Brasil
2Universidade La Salle. Canoas/RS, Brasil
3Universidade de Roma La Sapienza. Roma, Itália
Correspondência:
Germano André Doederlein
Schwartz.
germano.schwartz@me.com
Recebido: 08/02/2021
Aprovado: 19 /10/20 21
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Os autores declaram não haver
conflito de interesses.
Contribuição dos autores:
Todos autores contribuíram
igualmente para o
desenvolvimento do artigo.
Copyright: Esta licença
permite compartilhar — copiar
e redistribuir o material em
qualquer suporte ou formato;
adaptar — remixar, transformar,
e criar a partir do material para
qualquer fim, mesmo
que comercial.
Os perigos da desdiferenciação e a
pandemia de covid-19: o caso da
hidroxicloroquina no Brasil
The dangers of dedifferentiation and the Covid-19 pandemic:
the case of hydroxychloroquine in Brazil
2
Os perigos da desdiferenciação e a pandemia de covid-19: o caso da hidroxicloroquina no Brasil Schwartz G. A. D., Costa R. A., Finco M.
R. Dir. sanit., São Paulo v. 23, n. 1, e0001, 2023
Introdução
A pandemia de covid-19, resultante da propagação do vírus 2019-nCoV, determinou
uma emergência de escala global (CSIS, 2012): apesar das diferenças importantes
entre os países do mundo, não há registro de que outro vírus tenha se espalhado
com tamanha velocidade, nem de que acontecimentos outros tenham ocorrido de
forma tão urgente em todos os setores do sistema social global (ESPOSITO, 2020).
Nesse sentido, a pandemia revelou que de fato se vive em uma sociedade mundial
(world society), o que não significa dizer que inexistam diferenças e desigualdades
entre os países e entre os indivíduos. As distinções mais relevantes são aquelas
provenientes dos diferentes âmbitos da sociedade, como economia, política e
direito, entre outros.
A pandemia teve efeitos diversos em diferentes lugares e pessoas, bem como nas
diferentes esferas da sociedade. Algumas sofreram uma parada quase total por um
tempo prolongado (direito, política parlamentar, esporte, arte, religião). Outras esferas
tiveram um choque profundo que gerou mudanças diferenciadas em sua própria auto-
organização (famílias, economia, educação escolar). Houve o caso, também, de esferas
com reação rápida (como foi o caso da mídia em geral e da educação), enquanto
outras foram forçadas a operar, mesmo renunciando parte de suas funções e suas
prestações (políticas de governo, medicina e saúde).
É exatamente essa diferenciação funcional da sociedade – em que cada esfera
(subsistema) desempenha uma função específica, diferente da das outras esferas –
que impossibilita sua plena integração. Não há uma estrita interconexão das partes
que formam a sociedade. Tal integração seria, inclusive, perigosa, na medida em que,
em uma sociedade mundial, complexa, diferenciada e sem cume, (i) por um lado, os
problemas se espalham rapidamente de uma esfera para as demais (ii) e, por outro
lado, os efeitos dentro de uma esfera manifestam-se independentemente das fronteiras
geográficas (ESPOSITO, 2020, p. 3-5).
No presente trabalho, os efeitos da pandemia no sistema da saúde foram observados
a partir de suas próprias reações à covid-19 e das de outros três sistemas (ciência, mídia
de massa e direito) que influenciaram o primeiro de forma direta: a ciência, com suas
descobertas; a mídia, com as informações fornecidas; e o direito, chamado a proteger
o direito/interesse à saúde.
Para conseguir tal intento, foram úteis os conceitos de diferenciação funcional e, por
conseguinte, de desdiferenciação funcional. Tal abordagem teórico-sistêmica permite
ao leitor olhar para um caso específico – os posicionamentos acerca do uso no Brasil
da hidroxicloroquina contra o vírus 2019-nCoV – com o intuito de observar uma possível
manifestação da politização da saúde. Em outras palavras: desdiferenciação entre
política e saúde.
I Pandemia, diferenciação funcional e desdiferenciação
O SARS-CoV-2 foi inicialmente considerado como um perigo. A origem do vírus – ou
a causa da disseminação da doença – foi atribuída aos hábitos das primeiras regiões
afetadas. Com a piora da situação, foi considerada uma pandemia, um risco (LUHMANN,
1991) para a sociedade mundial (PIGNUOLI OCAM PO, 2020a, p. 20). A partir desse
momento, instalou-se uma crise em vários âmbitos da sociedade mundial, não restando
dúvida de que o primeiro afetado foi o sanitário, seguido prontamente pelo econômico
e pelo político. Há autores, ainda, que incluem os âmbitos da “sociabilidade” e da
educação nesse diagnóstico (NEUENSCHWANDER; GIRALDES, 2020, p. 48).
De fato, a covid-19 tornou-se “o problema ecológico mais urgente da sociedade”
(NEUENSCHWANDER; GIRALDES, 2020, p. 46). “Ecológico” é compreendido para

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