A persistência da cultura escravocrata nas relações de trabalho do Brasil

AutorKátia Magalhães Arruda
CargoDoutora em Políticas Públicas. Professora da Escola Nacional da Magistratura do Trabalho. Ministra do Tribunal Superior do Trabalho
Páginas107-118
REVISTA TRABALHISTA DIREITO E PROCESSO — ANO 16 — N. 58
107
A persistência da cultura escravocrata
nas relações de trabalho do Brasil
Kátia Magalhães Arruda(*)
Índice dos Temas:
1. Introdução
2. As marcas da escravidão na construção da ética do trabalho no Brasil
3. Relações de trabalho no Brasil moderno: quem é o trabalhador brasileiro?
3.1. Nível de escolaridade do trabalhador
3.2. Jornada média dos trabalhadores
3.3. Rendimento médio dos trabalhadores
4. Uma questão nal: há igualdade nas negociações coletivas e nas relações de trabalho
no Brasil?
5. Referências bibliográcas
(*) Autora convidada. Doutora em Políticas Públicas.
Professora da Escola Nacional da Magistratura do
Trabalho. Ministra do Tribunal Superior do Trabalho.
1. Introdução
Após extensos debates na década de 1990,
ressurge no Brasil, mais forte do que antes, a
velha discussão sobre o que deve prevalecer
nas relações entre empregados e empregadores:
o negociado ou o legislado, ou seja, em que
medida a liberdade de contratar prevalece
sobre a lei? Em que hipótese seria possível essa
prevalência se na base de tais negociações não
houver igualdade?
Esse tema, de profunda complexidade dou-
trinária e que envolve não apenas a concepção
sobre o que é justiça, como também o alcance
dos direitos fundamentais e o papel da legisla-
ção e do Estado, tem sido apresentado de forma
supercial e maniqueísta, movido muito mais
por interesses econômicos do que por interes-
ses de renovação ou modernização do direito
do trabalho, e, muitas vezes, sem amparo na
realidade social em que estão inseridos os
milhares de trabalhadores, motivo pelo qual
este texto procura contribuir com uma análise
sobre quem é o trabalhador brasileiro e qual a
ética do trabalho existente no país.
Sabe-se que o tema da proteção ao trabalho
humano é antiga, encontrada inclusive em
relatos bíblicos, portanto, está presente histo-
ricamente há pelo menos sete mil anos, mas
o direito do trabalho, enquanto conjunto de
normas e regulações teve sua origem a partir
da revolução industrial, calcado no que hoje
seria considerado como tema intrinsecamente
vinculado aos direitos humanos, ou seja, a
exploração e morte de crianças nas fábricas da
Inglaterra. As Factory acts foram constituídas
por cinco leis aprovadas pelo parlamento inglês,
de 1802 a 1833(1), com o objetivo de regular as
(1) A primeira lei, de 1802 previa a figura do inspetor do
trabalho, a factory act de 1819, proibia o trabalho
infantil abaixo de nove anos, mas somente com a
08 - Anamatra 58 D 17.indd 107 09/04/2018 19:35:49

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT