Petição Inicial

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas207-228

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1. Comentário

A história do direito dos povos revela a existência de era prisca e nebulosa, em que ao individuo era lícito satisfazer, mediante o uso dos meios pessoais de que dispusesse, as suas pretensões relativas a bens ou utilidades da vida. Referimo-nos ao período da autodefesa ou da autotutela de direitos, caracterizado por uma absoluta indiferença dos governantes diante dos conflitos intersubjetivos de interesses ocorrentes entre os indivíduos integrantes do grupamento social.

A consequência disso era que, nesse sistema, prevalecia não o direito (como seria desejável), mas a astúcia, a velhacada, a vontade dos poderosos e dos dominadores — enfim, dos ocasionais detentores dos poderes político e econômico.

Convencendo-se, todavia, de que essa autotutela poderia colocar em risco a estabilidade das relações jurídicas e das próprias relações sociais, o Estado avocou o encargo de solucionar os conflitos de interesses, tornando proibida, a contar desse momento de extraordinária importância para o direito dos homens, a realização da justiça pelas próprias mãos. Institui-se, em razão disso, a Justiça Pública ou Oficial e, com ela, a tríade fundamental em que ainda se apoiam os modernos sistemas de solução de lides: jurisdição, ação e processo, consistindo, a primeira, no poder-dever de dizer com quem está o direito; a segunda, no direito público subjetivo de invocar a prestação da tutela jurisdicional, seja para evitar a lesão de um direito, seja para obter o restabelecimento do direito violado; o terceiro, no método ou técnica de solução estatal dos conflitos de interesses.

Como a jurisdição civil (e a trabalhista) se encontra em estado de inércia, há necessi-dade de que o interessado a faça ativa, ou seja, provoque a atuação do poder-dever estatal a que há pouco aludimos, uma vez que, em regra, no processo civil e no do trabalho o juiz não pode prestar essa tutela ex officio (CPC, art. 2.º). É o princípio da demanda de que nos fala a doutrina. Não conviria, efetivamente, à paz social e ao prestígio do próprio Poder Judiciário que se atribuísse aos magistrados a faculdade de fomentar lides, vale dizer, suscitar conflitos de interesses.

Posta a questão nesses termos, logo se percebe que a petição inicial representa o instrumento de que se vale o interessado para provocar o exercício da função jurisdicional do Estado. De outra parte, essa petição delimita a prestação jurisdicional a ser entregue, pois vem da lei a advertência de que o juiz não pode proferir sentença, em prol do autor, de natureza diversa da que foi solicitada, nem condenar o réu em quantidade superior ou em objeto distinto do que lhe foi demandado (CPC, arts. 141 e 492).

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Por sua notável importância como peça de deflagração do processo, a petição inicial tem a sua validade subordinada a determinados requisitos de ordem formal, que, se desatendidos, podem motivar o seu indeferimento por inépcia (CPC, art. 330, inciso I, e § 1.º).

Nessa petição, o autor formula requerimentos e pedidos, que são coisas diversas: aqueles concernem à relação jurídica processual (como o juiz ou tribunal a que a petição é dirigida; os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência das partes; o valor da causa, etc.); estes, ao mérito (como os fatos e os fundamentos do pedido e a especificação deste).

2. Requisitos da petição inicial

No tocante, em particular, à petição inicial da ação de segurança, diz a Lei n. 12.016/2009 que ela deverá “preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual” (art. 6.º, caput). Embora o art. 840, § 1.º, da CLT, indique os requisitos que a petição inicial deva conter, devemos considerar, para efeito da ação de mandado de segurança, os requisitos previstos no art. 319, do CPC. Ocorre que os requisitos mencionados no art. 840, § 1.º, da CLT, dizem respeito às petições trabalhistas típicas, não se amoldando, com perfeição, às petição relativas a ações reguladas pelo direito processual civil incidentes no do trabalho.

Examinemos esses requisitos.

2.1. O juízo a que é dirigida

Esse é o primeiro requisito objetivo, a que a petição inicial deve atender, nos termos do art. 319, I, do CPC. A CLT determina que essa petição contenha a “designação do presidente da Vara, ou do Juiz de Direito, a quem for dirigida” (art. 840, § 1º). Tratando-se, contudo, de matéria que integra a competência originária dos tribunais (ação rescisória, mandado de segurança, ação coletiva, etc.) a petição inicial, também no processo do trabalho, indicará, no seu cabeçalho, o tribunal a que é encaminhada. A propósito, o CPC revogado fazia referência à indicação do juiz (art. 282, I); o Código atual, em melhor técnica, se refere ao juízo.

O problema de se saber a quem a inicial deve ser dirigida se resolve, sem maiores dificuldades, segundo as normas legais definidoras da competência dos diversos órgãos jurisdicionais; algumas dessas normas são de ordem constitucional, como é o caso do art. 114, da Suprema Carta, que fixa a competência material da Justiça do Trabalho.

Na Justiça do Trabalho, anteriormente à Emenda Constitucional n. 45/2004, a competência para apreciar ação assecuratória era exclusiva dos tribunais (entrava na competência originária destes); desta maneira, o cabeçalho da petição inicial jamais faria menção ao juízo monocrático, e sim, ao tribunal competente.

Com o advento da precitada EC, os órgãos de primeiro grau da jurisdição trabalhista (Varas) passaram a ser dotados de competência para apreciar ações de mandado de segurança. Sendo assim, a petição inicial deverá mencionar o juízo monocrático ou o tribunal a que é dirigida, conforme seja a competência deste ou daquele.

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Seja como for, não deve a parte mencionar o nome do juiz, como destinatário da petição inicial, pois este não atua, na qualidade de diretor do processo, como pessoa física, senão como órgão estatal. Assim, no primeiro grau da jurisdição trabalhista a inicial deve ser dirigida à Vara do Trabalho ou ao Juiz de Direito que se encontrar, circunstancialmente, investido nessa jurisdição especializada — vale dizer, ao juízo. Demais, a referência nominal ao juiz pode insinuar uma certa intimidade da parte com o magistrado, o que é de todo desaconselhável, em decorrência do dever de neutralidade a que este se acha legalmente jungido. Sob este ângulo, podemos dizer que o juiz é sujeito não só desinteressado, como impessoal, do processo. É claro que o juiz não constitui uma abstração no mundo fenomênico, não é uma espécie de entidade mediúnica; ao contrário, ele é um elemento real e palpável, a quem a lei atribuiu o encargo de reger o processo, com vistas à solução dos conflitos de interesses que forem submetidos à sua cognição. Os traços pessoais da vida do magistrado só adquirem relevância para efeito de configurar a suspeição, proveniente, dentre outras coisas, de amizade íntima com o autor ou de inimizade com o réu.

De resto, a inaplicabilidade, ao processo do trabalho, do princípio da identidade física do juiz (TST, Súmula n. 136) demonstra a absoluta desrazão dos que costumam indicar, na petição inicial, o nome do magistrado que, naquele momento, está respondendo pelo órgão jurisdicional. Não só na inicial, mas em qualquer petição, portanto, deve ser evitada essa nominalidade, esse culto injustificável à personalidade do magistrado.

2.2. Nomes, prenomes, estado civil, existência de união estável, profissão, número de inscrição no CPF ou no CNPJ, domicílio e residência do autor e do réu

A CLT menciona, apenas, a qualificação das partes (art. 840, § 1º).

No tocante às petições iniciais, em princípio, a indicação do nome, prenome, estado civil, existência de união estável, número de inscrição no CPF, profissão, endereço eletrônico, domicílio e a residência dos litigantes se destina não só a propiciar o exame da legitimidade (ativa e passiva), como a verificar a configuração de litispendência ou de coisa julgada e a evitar certos problemas ligados à homonímia. A mera indicação do nome seria insuficiente para isso; daí por que a lei exige a consignação do prenome, ou apelido-de-família. A informação quanto ao estado civil, ou a existência de união estável, em rigor, só se justifica para definir se há necessidade de consentimento uxório ou marital ou de citação de ambos os cônjuges. Nas ações trabalhistas, quase sempre, o réu é pessoa jurídica; assim, caberá ao autor apontar a denominação do estabelecimento (“empresa”), e, de preferência, a sua forma de constituição (sociedade por quotas de responsabilidade limitada, sociedade anônima, etc.) e a sua natureza jurídica (de direito público ou de direito privado), assim como o número de inscrição no CNPJ do Ministério da Fazenda.

No caso de grupo econômico-financeiro, é indispensável a indicação de todas as sociedades que o integram, desde que o autor pretenda que elas se tornem responsáveis pelo adimplemento da obrigação que se contiver no título executivo emitido em seu favor. A pessoa jurídica que não fez parte da relação jurídica estabelecida no processo de conhecimento não terá legitimidade para figurar no polo passivo da relação processual

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que se constituir na execução. Embora a Súmula n. 205, do TST, tenha sido...

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