O plano diretor como instrumento de concreção do estado socioambiental de direito ante a função social e ambiental da propriedade

AutorJuliana Castro Torres, Lucas de Souza Lehfeld
CargoPossui graduação em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto (1999), graduação em Ciências Contábeis pela Universidade de São Paulo (1999), mestrado em Direito das Obrigações pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2001) e doutorado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2006). Pós- Doutor em ...
Páginas554-579
Revista de Direito da Cidade vol. 13, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/ rdc.2021.44259
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Revista de Direito da Cidade, vol. 13, nº 1. ISSN 2317-7721. pp.447-485 476
a ordem socioeconômica e cultural pré-existente e o meio de vida de parte das populações locais,
o consórcio responsável pelo empreendimento realizou um cadastro, por iniciativa do Ministério
Público, para indenizar os pescadores. O processo de cadastramento, no entanto, colocava em
dúvida a habilitação de vários cadastrados, além de não reconhecer o prejuízo material das
marisqueiras.
Conforme analisam Carvalho e Heimer (2015) e Soares et al. (2009), a BTS já sinalizava uma
diminuição expressiva de pescados em 2002, 2005 e 2006, conforme Figura 04, e após a
implantação das obras foi verificado o desaparecimento de várias espécies de peixes, crustáceos e
mariscos, como bagre, tainha, xangó, entre outros, além de mariscos, entre eles o siris. Uma espécie
de algas jamais encontrada na região passou a se proliferar, causando o apodrecimento das redes
de pesca (CARVALHO; HEIMER, 2015), evidência constante do parecer técnico elaborado pela
Comissão Pró-Iguapé, que interferia nas atividades econômicas da comunidade pesqueira e
marisqueira.
Figura 04 - Médias e Desvios Padrão da Produção extrativista marinha de pescados dos municípios
da Baía de Todos os Santos, BA - 2002, 2005 e 2006.
Fonte: Adaptado de Soares et al. (2009, p. 178).
Outro impacto relevante identificado por esses autores em função da sobreposição do
empreendimento em área da Comunidade Remanescente de Quilombo de São Francisco do
Paraguaçu, localizada em Cachoeira, resultou em transferência de competência de desapropriação
da área, antes realizada pelo INCRA para o ICMBio. Essa mudança implicou deslocamento de
responsabilidade pública no acompanhamento do empreendimento sobre o território, uma vez que
a concessão das comunidades tradicionais no interior da RESEX torna-se propriedade da União,
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DOI: 10.12957/ rdc.2021.44259
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facilita que fazendeiros pleiteiem terrenos dentro desta área e que populações quilombolas que
não pratiquem atividades extrativistas percam o direito sobre elas.
Silva (2015) já denotava a preocupação com o fato de o empreendimento ter sido proposto
numa Área de Influência Direta onde vivem 18 comunidades pesqueiras e 13 comunidades
remanescentes de quilombos, a exemplo da comunidade Quilombo Enseada do Paraguaçu, objeto
do seu estudo.
Uma vez rede limitada a poligonal (BRASIL, 2009), outras restrições foram impostas aos
quilombolas, afetando a organização de vida e trabalho dessa população, como a proibição de criar
animais de grande porte. Por outro lado, o novo quadro de regulação institucional impõe exigências
de permissão do IC     
Meio Ambiente havia se comprometido (com a preservação do modo de vida das comunidades
tradicionais) na ocasião da modificação dos limites da RESEX, o que não foi devidamente cumprido,
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(CARVALHO, HEIMER, 2015).
A RESEX, como especificado no capítulo do EIA, é uma unidade de conservação cujo
objetivo de proteção inclui as populações locais as quais, junto ao órgão ambiental, o ICMBio,
cogerenciam o território onde estas vivem, participando da gestão e contribuindo com o
conhecimento ambiental tradicional. Essas áreas são registradas como propriedade real de us o
coletivo. Mesmo assim, têm sido cenário de disputas fundiárias e de outros interesses econômicos,
conforme analisa Prost (2010) em estudo sobre a RESEX Baía do Iguape, que antecipou a instalação
do empreendimento do estaleiro.
Nesse estudo Prost identificou um total de 20.000 pessoas, divididas em 20 comunidades,
vivendo essencialmente da pesca artesanal, tanto no consumo direto quanto na comercialização
dos pescados. Ela destaca o caráter contraditório do agente público, o Estado, que deveria cumprir
o papel de proteção ambiental e das populações tradicionais e que, ao invés disso, abre concessões
econômicas e legais que interferem na dinâmica e na sobrevivência dessas populações.
Como colocado na parte dedicada à zona costeira, para ordenar a ocupação
e o uso do espaço é preciso que um agente público, o Estado, intervenha de
modo a prevenir ou resolver conflitos. Na área de estudo, no intuito de
proteger o ambiente natural e cultural da Baía do Iguape, uma RESEX marinha
criada por decreto, em 2000. A criação expressa o reconhecimento do valor
ecológico da área, mas também o das populações tradicionais e, enquanto
tal, portadoras do direito de fixar sua territorialidade. (PROST, 2010, p. 58).

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