A polêmica acerca da força vinculante dos precedentes judiciais

AutorDélio Mota de Oliveira Júnior
Ocupação do AutorMestre em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
Páginas547-567
A POLÊMICA ACERCA DA
FORÇA VINCULANTE DOS
PRECEDENTES JUDICIAIS
Délio Mota de Oliveira Júnior1
Sumário: 1 - Introdução. 2 - A doutrina do stare decisis. 3 - Os efeitos vinculante e
persuasivo dos precedentes judiciais e a polêmica acerca da constitucionalidade da
previsão vinculativa do juiz pelo Código de Processo Civil. 4 - Conclusão
1. Introdução
A teoria do stare decisis, que fundamenta o sistema dos precedentes ju-
diciais, prevê a promoção da unidade do direito a partir do trabalho desen-
volvido pelos juízes e tribunais. Contudo, “para que a unidade do direito seja
promovida e para que o sistema jurídico se mantenha e desenvolva-se com
observância da segurança jurídica, da igualdade e da coerência, é essencial que
a doutrina organize um discurso jurídico a partir da decisão judicial capaz de
assegurar a correta identicação e aplicação dos precedentes judiciais.2
O ordenamento jurídico brasileiro, visando a estabelecer a unidade do di-
reito a partir dos precedentes judiciais, prevê que os tribunais devem unifor-
mizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente (art. 926 do
CPC).
Exigir a estabilidade do direito jurisprudencial impõe aos magistrados o
dever de uniformização, estabelecendo que decisões constantes e pacicadas
acerca de determinada matéria não podem ser aleatoriamente ignoradas ou
modicadas de forma arbitrária e discricionária.3 Ressalta-se que manter a ju-
risprudência estável não signica, de forma alguma, estabelecer um direito
1 Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Diretor Executi-
vo do Instituto de Direito Processual - IDPro. Professor universitário. Advogado.
2 MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e precedente - dois discursos a partir da decisão ju-
dicial. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012, n. 206, p. 68-69.
3 CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 2ª ed., São Paulo: Atlas,
2016, p. 429
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jurisprudencial estático, rígido e engessado, que não permita a evolução do en-
tendimento. Em relação à modicação do entendimento, a exigência de estabi-
lidade da jurisprudência apenas impõe que tal superação seja adequadamente
justicada, respeitando a segurança jurídica do jurisdicionado.
O dever de uniformização estabelece a vinculação vertical dos precedentes
judiciais, na qual o órgão julgador leva em consideração a tese jurídica xada
pelo tribunal hierarquicamente superior a ele; bem como a vinculação hori-
zontal, em que o tribunal que formou a ratio decidendi tem o dever de observar
os seus próprios precedentes.4
A coerência e integridade do direito jurisprudencial impõe aos magistra-
dos o dever de não contradição, de modo a evitar que os juízes e tribunais
decidam casos análogos contrariamente às decisões anteriores, salvo hipótese
de distinção ou superação da tese jurídica. A coerência e integridade também
se revela no enfrentamento dos argumentos suscitados na formação da tese
jurídica, na medida em que o dever de fundamentação racional, com a análise
de todos os argumentos suscitados pelas partes e interessados, torna o prece-
dente mais consistente.5
A integridade do direito exige do órgão julgador uma interpretação ade-
quada que leve em consideração tanto o texto normativo quanto a prática do
passado para a resolução de problemas contemporâneos. Há necessidade da
construção discursiva do processo decisório levando-se em consideração os
precedentes judiciais, de modo a estabelecer a integridade do direito e atribuir
coerência e consistência ao sistema jurídico.6
4 Hermes Zaneti Jr. pondera que “a teoria dos precedentes é uma teoria para Cortes Su-
premas. Isto quer dizer duas coisas: primeiro, que são as Cortes Supremas os principais
destinatários de uma teoria dos precedentes por serem cortes de vértice e delas depender
a uniformidade da interpretação do direito; segundo, porque também as Cortes Supremas
devem ser vinculadas aos próprios precedentes do ponto de vista do ônus argumentativo
para afastar a aplicação de um precedente ou superar um precedente antigo na aplicação
atual.” (ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Juspodivm,
2015, p. 311-312).
5 DIDIER JR. Fredie. Sistema brasileiro de precedentes judiciais obrigatórios e os deveres
institucionais dos tribunais: uniformidade, estabilidade, integridade e coerência da juris-
prudência. Precedentes. Coord: Fredie Didier Jr; Leonardo Carneiro da Cunha; Jaldemiro
Rodrigues de Ataíde Jr.; Lucas Buril de Macêdo. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 389.
6 Ronald Dworkin, ao defender a sua Teoria da Integridade do Direito, arma que a interpre-
tação adequada leva em consideração tanto o texto normativo quanto a prática do passado
para a resolução de problemas contemporâneos. Neste sentido, Ronald Dworkin compara,
metaforicamente, a atividade do juiz ao exercício de escrita de um romance em cadeia:
“Cada juiz, então, é como um romancista na corrente. (...)Ao decidir o novo caso, cada juiz
deve considerar-se como parceiro de um complexo empreendimento em cadeia, do qual
essas inúmeras decisões, estruturas e convenções e práticas são a história; é seu trabalho
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