A prevalência do negociado sobre o legislado e seu impacto nas relações de trabalho. A mitigação da intervenção do judiciário trabalhista

AutorVólia Bomfim Cassar
Páginas305-312

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A reforma trabalhista começou timidamente com um projeto de poucos artigos e se transformou numa grande mudança, não só da legislação trabalhista, mas também da estrutura do Direito do Trabalho, seus princípios e fundamentos.

O conteúdo da Lei n. 13.467/17, ao contrário do afirmado pela imprensa, desconstrói o Direito do Trabalho como conhecemos, contraria alguns de seus princípios básicos, suprime regras favoráveis ao trabalhador, prioriza a norma menos favorável ao empregado, autoriza a livre autonomia da vontade individual; permite que o negociado individualmente e coletivamente prevaleça sobre o legislado (para reduzir direitos trabalhistas), valoriza a imprevisibilidade do trabalho intermitente, exclui regras protetoras de direito civil e de processo civil ao direito e processo do trabalho.

O presente artigo visa explorar o tema sob a ótica do direito coletivo abordando os pontos da reforma que tratam ou influenciam na matéria.

De acordo com os novos parágrafos do art. 8º da CLT:

Art. 8º (...)

§ 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.

§ 2º Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.

§ 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

O art. 8º, § 2º da CLT, acrescido pela Lei n. 13.467/17, proíbe os tribunais de criarem ou restringirem direitos por meio das súmulas ou outros enunciados de jurisprudência.

Portanto, a lei limita a interpretação normativa dos tribunais e impede que a Súmulas e demais enunciados de jurisprudência sejam fontes formais de direito.

De fato, pelo princípio da separação dos poderes, compete ao legislativo legislar e ao Judiciário resolver conflitos e julgar, observando as normas existentes — art. 2º da CF.

Todavia, na função interpretativa da lei há cunho normativo, principalmente nas lacunas, nos vazios. Por outro lado, o juiz não pode deixar de sentenciar ao argumento de lacuna ou obscuridade da lei (art. 140 do CPC c/c art. 15 do CPC), nem julgar de forma contrária às normas constitucionais, nem deixar de atender os objetivos sociais da Justiça (art. 8º do CPC c/c art. 15 do CPC).

Além disso, a interpretação da lei à luz da Constituição pode dar sentido à letra da lei diversa da vontade do legislador.

Por outro lado, a obrigatoriedade de observância dos precedentes obrigatórios e de uniformização da jurisprudência está contida nos arts. 489, p. 1º, VI e arts. 926 e 927 do CPC e obriga o julgador à observância dos respectivos precedentes obrigatórios.

Diante do todo exposto, percebe-se que o § 2º do art. 8º da CLT aparentemente conflita com os mencionados artigos do CPC, aplicáveis ao processo do trabalho por força do art. 15 do CPC, 769 da CLT e com o caput do art. 8º da CLT.

Os métodos tradicionais de solução de conflitos de normas não resolvem a questão, a antinomia, a contradição entre os comandos legais referidos. Logo, a solução é compatibilizá-los.

Explico.

Em se tratando de normas de mesma hierarquia, a hermenêutica nos ensina que a posterior revoga a anterior quando tratar da mesma matéria de forma diversa. Ora, o § 2º do art. 8º da CLT não exclui a aplicação do CPC nem revoga a regra do art. 15 do CPC, que deter-mina sua aplicação supletiva.

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Lado outro, o § 1º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) dispõe:

Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

Ora, o p. 2º do art. 8º da CLT não declara expressamente a revogação, não regula inteiramente a matéria e não é totalmente incompatível com os dispositivos do CPC a respeito do tema e não regula totalmente a matéria.

Assim, a solução é compatibilizar as normas, entendendo que o que quis o novo comando legal foi restringir o ativismo judicial, a atuação do Judiciário Trabalhista, mas não eliminá-lo.

Por outro lado, a Lei n. 13.467/17 dificultou ao máximo a intervenção do Judiciário na análise das cláusulas contidas nas convenções coletivas e acordos coletivos, limitando as hipóteses de nulidade. Adotou como o princípio a intervenção mínima (do Judiciário) na autonomia da vontade coletiva, dando maior segurança às convenções coletivas e acordos coletivos e liberdade (poder) aos seres coletivos. Isto está refietido tanto no § 3º do art. 8º, quanto no art. 611-A da CLT.

Apesar da limitação acima imposta e da expressão “exclusivamente” contida no caput do art. 611-B da CLT, por óbvio que há outros vícios capazes de anular a norma coletiva ou uma cláusula contida no instrumento coletivo, como veremos abaixo.

Para validade da negociação coletiva e, consequentemente, da convenção coletiva e do acordo coletivo, é necessário observar o requisito contido no art. 612 da CLT (quórum da assembleia ou do estatuto), com ampla divulgação da convocação para a assembleia, registro em ata, bem como os requisitos dos arts. 613, 614, 616 da CLT. Além disso, devem ser observados os princípios, valores e regras constitucionais no seu conteúdo, sob pena de nulidade da cláusula violadora deste direito, mesmo que ele não esteja expressamente apontado em um dos muitos incisos do art. 611-B da CLT. Por exemplo, será nula a cláusula redutora do salário se o instrumento coletivo não garantiu a contrapartida legal exigida (garantia de emprego durante a vigência da norma).

Enfim, de fato foi limitado o poder do Judiciário de anular cláusulas contidas nas normas coletivas, e, com isso, o poder der interferir na autonomia coletiva. Entretanto, não é taxativo, como aparenta, o art. 611-B da CLT, mas sim restritivo. Logo, a limitação do juiz não está apenas na análise dos requisitos do art. 104 do CC.

É claro que a medida visou dar garantia e segurança ao empresário que se valeu das normas coletivas para reduzir direitos (fiexibilização).

Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho, observados os incisos III e VI do caput do art. 8º da Constituição, têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:

I — pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;

II — banco de horas anual;

III — intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;

IV — adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei n. 13.189, de 19 de novembro de 2015;

V — plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;

VI — regulamento empresarial;

VII — representante dos trabalhadores no local de trabalho;

VIII — teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho inter-mitente;

IX — remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;

X — modalidade de registro de jornada de trabalho;

XI — troca do dia de feriado;

XII — enquadramento do grau de insalubridade e prorrogação de jornada em locais insalubres, incluída a possibilidade de contratação de perícia, afastada a licença prévia das auto-ridades competentes do Ministério do Trabalho, desde que respeitadas, na integralidade, as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;

XIII — REVOGADO e incorporado no inciso XII pela MP 808/17;

XIV — prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventual-mente concedidos em programas de incentivo;

XV — participação nos lucros ou resultados da empresa.

§ 1º No exame da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho observará o disposto no § 3º do art. 8º desta Consolidação.

§ 2º A inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico.

§ 3º Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo.

§ 4º Na hipótese de procedência de ação anulatória de cláusula de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, quando houver a cláusula compensatória, esta deverá ser igualmente anulada, sem repetição do indébito.

§ 5º Os sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho participarão, como litisconsortes necessários, em ação coletiva que tenha como objeto a anulação de cláusulas desses instrumentos, vedada a apreciação por ação individual.” (NR)

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Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:

I — normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social;

II — seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;

III — valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);

IV — salário mínimo;

V — valor nominal do décimo terceiro salário;

VI — remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

VII — proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

VIII —...

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