Previdenciária entre o Estado Mínimo e Estado Justiça

AutorOcélio de Jesús C. Morais
Páginas113-166
Previdência e Dignidade Humana (A Caminho do Estado Mínimo?)
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4. Previdenciária entre o
Estado Mínimo e Estado Justiça
4.1. Liberalismo pós-moderno (estado mínimo) e a previ-
dência brasileira
O liberalismo é uma doutrina econômica que adota como funda-
mentos o livre mercado e mínima intervenção do Estado nas relações
econômicas.
O fundamento do livre mercado — a livre iniciativa empresarial
— é antítese aos fundamentos do Estado de serviços, este colocado dou-
trinariamente como Estado social ou Estado justiça com signicativa
intervenção nas relações econômicas.
A doutrina econômica liberal moderna não admitia qualquer es-
pécie ou tipo de inviolabilidade da liberdade econômica, como na livre
iniciativa. Por isso, o “liberalismo”, já o disse Bobbio, “exige que todo
poder (e, portanto, o poder da maioria) seja submetido a limites”(57).
Ao campo dos direitos do homem, o liberalismo político moderno
(que surge em oposição ao absolutismo monárquico europeu dos séc ulos
XVI e XVII) adota um rol mínimo de direitos correspondentes à própria
sustentação doutrinária da liberalismo econômico: direitos individuais à
vida, à liberdade, à segurança e à propriedade.
No liberalismo econômico, os direitos do homem projetam a “liber-
dade política”, sendo que esta, como adequadamente armou Bobbio “é
apenas um corolário(58) da liberdade econômica.
Por outras palavras, Bobbio identicava, no liberalismo moderno,
uma interdependência entre as liberdades econômica e política produ-
zindo como resultado os direitos do homem.
(57) Cf. Liberalismo e Democracia, 2007. p. 99.
(58) Op. cit., 2007. p. 98-100.
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Observemos que naquela base dos direitos do homem não se
encontram os denominados direitos sociais (por exemplo, ao trabalho,
à previdência, à saúde, à assistência), fato que ocorre com sociedade
pós-moderna — a sociedade marcada pelo globalização e domínio do
sistema capitalista de produção — e que, como marco histórico, a dou-
trina é dividida: uma corrente ap ont a como marco inicial o p eríodo da
industrialização após a Segunda Guerra Mundial, enquanto que outra
corrente indica a revolução tecnológica desde o m dos anos 80 até os
dias atuais.
Para o objeto de nosso estudo, pela doutrina constitucional de
1946, é possível dizer que a pós-modernidade brasileira, quanto ao
liberalismo político ou liberalismo social (ou constitucionalismo social
como preferem outros), inicia com a Constituição dos Estados Unidos
do Brasil de 1946. Isso porque é naquela Constituição que, pela primeira
vez, adotam-se como critério de organização da ordem econômica os “os
princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a
valorização do trabalho humano” (art. 145).
Uma ordem econômica que concili asse o princípio da livre iniciat iva
e o princípio da valorização do trabalho humano se justicava, naquela
Constituição, porque a opção daquele liberalismo político adotava o
“trabalho como uma obrigação social” (parágrafo único, art. 145) e
normativamente se comprometia com “a defesa e proteção da saúde”
(alínea b, XV, art. 5o).
Por certa medida, o liberalismo político ou liberalismo social de
1946 parte da ideia plasmada na primeira Constituição de 1934, a qual
qualicava também, pela primeira vez, o trabalho como uma valor ou
bem, quando dispunha que “A todos cabe o direito de prover à própria
subsistência e à de sua família, mediante trabalho honesto” item 34,
art. 113). (grifei)
E ainda quando instituiu o denominado Estado serviço ao prever
que o poder público deveria proteger “na forma da lei, os que estejam
em indigência” (item 34, art. 113) — serviços básicos que podiam ser
traduzidos pelos serviços de assistência social e de saúde. A previdência
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também é instruída com a Constituição de 1934 “a favor da velhice, da
invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de
morte” (art. 121, § 1o, alínea h).
Mas nas Constituições de 1934 e de 1946, e na Constituição de 1837,
os direitos ao trabalho, à previdência, à saúde e à assistência não eram
qualicados como fundamentais, visto que estavam topologicamente
inseridos no título da ordem socioeconômica.
É a partir da Constituição Federativa de 1967 que, pela primeira
vez, se fala “na garantia dos direitos fundamentais do homem“, mas
como princípio à organização e funcionamento dos partidos políticos
(art. 149, I). E como direitos fundamentais do homem, dentre outros,
adota “os direitos p olíticos (art. 30, I), e os direitos concernentes direitos
concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, tidos como
invioláveis (art. 150).
O liberalismo político adotado na Constituição de 1967 faz uma
opção social ao adotar como base à ordem econômica e social, dentre
outros, os princípios da “liberdade de iniciativa” (art. 157, I) e da “valo-
rização do trabalho como condição da dignidade humana” (art. 157, II).
Então, nos liberalismo adotados nas constituições brasileiras de
1934 a 1967, resta comprovada aquela armação de Bobbio, de que o
liberalismo político é uma consequência do liberalismo econômico.
O liberalismo político na Constituição Federativa de 1988 retirou
o rol de princípios da ordem econômica (deixando de qualicar como
princípio especíco) a valorização do trabalho como condição da digni-
dade humana então presente nas constituições já referidas.
O liberalismo político de 1988 qualica “a valorização do trabalho
humano e da livre iniciativa” (art. 170) — alinhados ao principal objetivo
republicano “ assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social” (art. 170) — como fundamentos de organização econômica.
Para isso, de modo estratégico, também qualica como fundamentos
do Estado Democrático de Direito brasileiro, dentre outros, a dignidade
da pessoa humana e a os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa
(art. 1o, III e IV).
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