Reforma Previdenciária na Reforma Trabalhista

AutorOcélio de Jesús C. Morais
Páginas74-112
Océlio de Jesús C. Morais
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3. Reforma Previdenciária
na Reforma Trabalhista
3.1. Problema da cobertura previdenciária no contrato
intermitente
Este capítulo cuidará da Reforma Previdenciária na Reforma Tra-
balhista, no qual o objetivo de estudo — sempre com análise sistemát ica
do regime de leis e princípios no Brasil — é identicar o conteúdo ide o-
lógico dessas reformas, se elas têm como objetivo a efetividade do direito
fundamental à previdência e como elas se relacionam com o sistema de
Justiça trabalhista.
Adoto como problema de estudo aqui a seguinte questão: Seriam as
reformas das leis promovidas em razão e em defesa da sociedade?
Numa democracia representativa, quando o sistema de leis é re-
formado, a ideia de fundo é que as reformas foram p ensadas debatidas e
concebidas pela própria sociedade, isto é, os legisladores (investidos dos
poderes de Estado que lhes foram outorgados) aprovam as leis em nome
da sociedade e para o bem da coletividade.
E por esse mesmo princípio representativo, quando os juízes aplicam
as leis ao caso concreto, estão defendendo a sociedade e fazendo prevalecer
a vontade coletiva.
Essa é a ideia teleológica num sistema legislativo no ambiente da
democracia representativa. Por certo isso ocorre nas sociedades demo-
cráticas bem desenvolvidas, aquele tipo de sociedade livre e igualitária,
que John Rawls(43) já identicava nas democracias constitucionais liberais
respeitadoras dos direitos humanos básicos, por exemplo, o direito ao
trabalho, à previdência, à saúde, à segurança, à liberdade — direitos que
se projetam como fundamentais a um mínimo de bem-estar. A ideia
(43) RAWLS, John. O Direito dos Povos. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
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Previdência e Dignidade Humana (A Caminho do Estado Mínimo?)
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de bem-estar, que se relaciona ao bem-estarismo da pessoa(44), é ampla
e se projeta, na teoria das relações sociais, ao bem comum a partir da
eliminação das desigualdades sociais, garantia de distribuição dos bens
fundamentais que a sociedade produz e as garantias da proteção s ocial.
Mas como sempre, e isso é comum nos regimes políticos instáveis, entre
aquilo que o princípio projeta ao mundo fenomênico como bem-estar
coletivo e aquilo que ocorre na prática, existem muitos abismos que pre-
cisam ser superados pelas “pontes” do conhecimento — conhecimentos
capazes de estimular a consciência racional sobre a convivência humana
regulada por direitos e deveres iguais e recíprocos.
Por isso também quando o Estado vê esgotado — ou sente que estão
sendo inecientes suas políticas de proteção social — um caminho sempre
adotado é o da reforma do seu sistema de leis, que também alcança o
sistema judicial, de forma direta e reexa.
As reformas legislativas em qualquer ramo jurídico (constitucio-
nal, previdenciária, trabalhista, judiciária, tributária, penal etc.) sofrem
muitas inuências internas e externas. Inter namente, quanto às garantias
da sociedade que não podem ser retiradas. Externas, pelas forças econô-
micas que, neste particular, Boaventura de Sousa Santos(45) explica como
imposições do neoliberalismo.
As inuências internas e externas, às vezes, divergem e, às vezes,
convergem até a construção de uma lógica política aceitável p ara a garantia
dos direitos sociais, certeza e previsibilidade judicial.
Esse contexto marco deniu a reforma previdenciária dentro da
reforma trabalhista no Brasil. A partir da vigência da Consolidação
das Leis do Trabalho (1o de março de 1943), diversas reformas foram
aprovadas, sempre na mesma perspectiva da adequação das normas às
transformações das relações de trabalho, à certeza e segurança jurídica.
Nas últimas três décadas, três importantes reformas foram imple-
mentadas: a que regulamentou exercício da prossão de motorista, com
(44) SEN, Amartya. Sobre a ética e a economia. Coimbra: Almedina, 2012. p. 55, 59 e 93.
(45) SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da Justiça. Coimbra:
Almedina, 2015. p. 31.
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a regulação da jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista
prossional (Lei n. 12.619); a relativa ao sobre o processamento de re-
cursos no âmbito da Justiça do Trabalho (Lei n. 13.015/2015) e a que
dispôs sobre a adequação da legislação às novas relações de trabalho
As duas primeiras não se reportaram às questões previdenciárias,
questões que foram alcançadas dentro da reforma trabalhista implemen-
A reforma trabalhista da Lei n. 13.467/2017 pode ser dividida em
duas temáticas: a temática processual, relativa às novas regras de acesso
à Justiça e as consequências legais em face das partes, testemunhas e
advogados que são declarados litigantes de má-fé, conforme a tipicação
no art. 793-B, incisos I a VII, da CLT; e a temática material, que é rela-
tiva à regulação nas relações de trabalho. Neste artigo não cuidarei de
assuntos especícos desta reforma, porque agora nos interessa a reforma
previdenciária no âmbito da reforma trabalhista.
Identicam-se as seguintes inclusões da matéria previdenciária
dentro da reforma trabalhista: a) previdência no contrato intermitente
(arts. 443, § 3o, e 452-A, § 8o); b) contribuições sociais no contrato de
trabalho do garçom (art. 457, § 2o); c) contribuição social ao INSS nas
tarefas das comissão de representantes dos empregados (art. 510-B, VII),
d) nas contribuições sociais do período laboral que podem ser executadas
ex-ocio (art. 876, Parágrafo único).
A inserção da matéria previdenciária, que é reexa dos contratos
de trabalho ou das relações de trabalho ao exame da Justiça do Trabalho,
representa um importante avanço legislativo do ponto da competência
material da Justiça laboral, porque acaba com a cisão do princípio da
unicidade da jurisdição.
Antes, muito embora a decisão judicial trabalhista devesse executar
as contribuições sociais do período laboral por expressa previsão no art. 43,
da Lei n. 8.212/1991, de forma recorrente era arguida (ou declinada de
ofício pelos Juízes) a incompetência material da Just iça do Trabalho para
a remessa à Justiça Federal comum.
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